fonte: IG
De janeiro até o início de junho foram 150 decisões sobre atraso entrega imóvel na Justiça; juízes dão aos mutuários ganhos maiores do que prevê projeto de lei encaminhado ao Senado
Ressaca dos anos de boom do mercado imobiliário, crescem as indenizações na Justiça concedidas a mutuários em caso de atraso entrega imóvel pela construtora.
Somente no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), foram pelo menos 150 decisões sobre o tema até o início de junho, contra cerca de 120 nos cinco últimos meses do ano passado.
Em geral, as sentenças são favoráveis aos compradores de imóveis. Argumentos apresentados pelas construtoras para escapar destes pagamentos, como excesso de chuvas, problemas com burocracia, falta de mão de obra e até mesmo o próprio boom imobiliário não têm convencido os juízes.
Para os magistrados, estes problemas podem ser previstos e evitados no planejamento da obra, e fazem parte do risco da atividade das empresas. “Geralmente as construtoras que atrasam obras são empresas com experiência no mercado”, diz Renata Reis, supervisora de Assuntos de Habitação da diretoria do Procon-SP.
As últimas decisões no TJ-SP concedem indenizações que variam de 0,5% a 0,75% sobre o valor do imóvel. Mas existem câmaras que ainda dão ganhos de 1% a até 2% ao mês sobre o valor atualizado do contrato. Alguns juízes também concedem indenizações por danos morais.
O administrador de empresas Rodolfo Moraes Pereira, de 34 anos, é um dos mutuários que espero obter também uma compensação financeira na Justiça pelo atraso de dois anos e meio na entrega do seu imóvel, um apartamento no condomínio Flex Carapicuíba, da Tecnisa, na Grande São Paulo. Sem condições de pagar aluguel durante a espera, Pereira decidiu reformar os fundos da casa de sua mãe para morar com a mulher.
Confiante em uma nova promessa da construtora após sucessivos atrasos, a mulher de Rodolfo engravidou. Eles esperavam que o apartamento fosse entregue em dezembro, e ainda teriam alguns meses para reformar e mobiliar a nova casa. O filho do casal nasceu no final de maio, e ambos continuam aguardando as chaves. “As coisas do bebê ficaram todas amontoadas. Não tivemos como recebê-lo em um quarto só para ele”, conta o administrador. Em sua ação judicial, movida recentemente contra a construtora, Rodolfo pede, além de compensação financeira pelo atraso, uma indenização por danos morais.
A última previsão feita pela Tecnisa é de que Rodolfo deve receber as chaves este mês. “Primeiro culparam a falta de mão de obra, depois o excesso de chuvas e agora a burocracia para liberar o Habite-se”, lembra. Mais do que o atraso, o mutuário reclama do tratamento dado aos futuros moradores diante do problema. “As respostas aos atrasos sempre foram evasivas. Eu tinha de ligar na empresa para saber o que estava acontecendo”.
Projeto de lei pode limitar ganhos
Mas as indenizações recentes obtidas pelos mutuários na Justiça são ameaçadas agora por um projeto de lei. De autoria do deputado federal Eli Correa Filho (DEM), ele já foi aprovado na Câmara dos Deputados e segue para o Senado.
Correa aponta que buscou, ao criar o projeto, solucionar uma brecha na lei. Isso porque não estão previstas hoje penalidades às empresas em caso de atrasos, e o mutuário é obrigado a recorrer ao Judiciário para obter indenizações.
A ideia é que a multa passe a ser prevista nos contratos: se a obra atrasou, o mutuário pode receber a indenização instantaneamente, e não mais esperar pelo desenrolar de um processo judicial.
O problema é que o projeto de lei já sofreu modificações significativas. A multa que deve ser paga pelas construtoras, que era de 2% sobre o valor total do imóvel, será agora de 1% sobre o valor já pago pelo mutuário. Apesar de não concordar com a modificação, o deputado aponta que incluir a multa nos contratos já seria um avanço.
Como uma nova lei se sobrepõe ao histórico de ações judiciais, Corrêa prevê que sejam criados embates jurídicos.
Não paga nem o aluguel
Para o advogado Marcelo Tapai, que já moveu cerca de 1,5 mil ações judiciais que tratam de atraso de imóveis, a construtora priva o mutuário de usar a totalidade do imóvel, e o comprador não consegue pagar um valor maior porque a obra não concluída impossibilita ofinanciamento com o banco. “Portanto, é preciso repor ao comprador ao menos o valor lucrativo do imóvel”, opina.
No caso da compra de um imóvel de R$ 400 mil no qual o mutuário pagou 20% do valor (R$ 80 mil), a indenização proposta pelo projeto de lei seria equivalente a R$ 400. “Não dá para pagar aluguel nem em conjunto habitacional”, aponta o advogado. “Já no caso de uma indenização de 0,5% sobre o valor total do imóvel, R$ 400 mil, equivale a R$ 3,2 mil, o que é razoável”.
Para Arnon Velemovicsky, presidente da comissão de direito imobiliário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), o projeto parece “encomendado pelas próprias construtoras”. “Ele busca diminuir os prejuízos das construtoras que planejam mal uma obra ou constroem demais”. Segundo o advogado, o valor da multa deveria buscar inibir atrasos.
A multa proposta se assemelha a que já é incluída em contratos das corretoras, que, na opinião de Renata, supervisora do Procon-SP, é “irrisória”. Isso porque é comum os mutuários financiarem grande parte do valor do imóvel, e pagarem menos de 30% deste valor às construtoras. “No caso de grandes atrasos, é difícil mensurar as perdas do consumidor”.
João Crestana, empresário do setor imobiliário e ex-presidente do Sindicato da Habitação (Secovi), concorda com o projeto de lei. Para Crestana, a relação entre construtora e mutuário tem de ser equilibrada, e as decisões nos tribunais são “aleatórias”. “Dependendo da decisão judicial, ela pode ter impacto no caixa da empresa, que pode ter de se capitalizar. Se houver uma lei, o juiz vai seguir.”
Em maio do ano passado, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro tentou estipular uma multa às construtoras em caso de atraso entrega imóvel (das chaves). Porém, a Lei 6454 foi considerada inconstitucional, pois somente uma lei federal, como a que chega agora ao Senado, poderia legislar sobre o tema. Foi a Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan) que chamou a atenção da Justiça para a ilegalidade da lei, que foi derrubada em setembro de 2013. A lei, assim como o projeto original do deputado Eli Correa Filho, também previa uma multa de 2% sobre o valor total do imóvel.
Prazo de tolerância dos contratos também pode ser regulamentado
As decisões na Justiça têm aceitado o prazo de tolerância de seis meses incluído nos contratos das construtoras e têm concedido indenizações aos mutuários apenas em casos nos quais os atrasos ultrapassam os 180 dias. O projeto de lei no Senado, além de instituir multa às construtoras, prevê regulamentar este prazo de tolerância.
Crestana concorda que o prazo de tolerância deve ser previsto em contratos. “A atividade de incorporação imobiliária é complexa e há realmente acontecimentos imprevisíveis, como eleições e mudanças na lei do município. Mas, para Renata Reis, do Procon-SP, a tolerância somente poderia ser utilizada em casos realmente excepcionais.
Se não houver um prazo tolerância, o ex-presidente do Secovi acredita que as empresas vão acabar embutindo esse risco no preço do imóvel. “A tolerância deve ser de até 180 dias. Dependendo da experiência da empresa, ela vai usar isso como ferramenta de marketing. Há quem já coloque nos contratos uma tolerância menor, de quatro meses, por exemplo.”
Fonte: IG - Marília Almeida - iG São Paulo
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