quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

GOVERNOS ESTADUAIS NÃO TÊM CONTROLE SOBRE OS PRESÍDIOS, DENUNCIA INTEGRANTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA


Alessandra Duarte
(O Globo)
Supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, o desembargador Guilherme Calmon critica o uso de verba na área e defende intervenção federal em presídios críticos.
Como o senhor avalia o anúncio de que o Regime Diferenciado de Contratações poderá ser usado para construir presídios?
Esse é um sinal de que o governo federal está se preocupando com o sistema penitenciário, mas é a adoção de uma medida paliativa. Ajuda, porque vai dar maior agilidade à contratação de construção de presídios, vai dar mais flexibilidade. Mas é uma medida que vai ter efeito a longo prazo. E esse efeito, quando vier, talvez já chegue defasado. O que temos percebido, no âmbito federal ou estadual, é resistência a ações que solucionem mais rapidamente pontos como condições de insalubridade das unidades, separação dos detentos e concessão de benefícios. Poderiam se planejar e realizar ações para melhorar serviços prestados dentro dos presídios. Mas os governos não têm controle do sistema prisional atual.
Um exemplo seria o Maranhão. Seria o caso de uma intervenção lá?
O CNJ não tem poder de decretar intervenção num estado, quem tem esse poder é o Supremo. Tem de haver uma ação da Procuradoria Geral da República pedindo essa intervenção, e isso segue para decisão do Supremo. A Procuradoria pode basear essa ação nesse nosso ofício ao estado, por exemplo, se o que recomendarmos ao governo estadual não for atendido. Outra situação crítica é no Presídio Central de Porto Alegre, onde o caso foi denunciado à Organização dos Estados Americanos; ali, pela falência do poder público, o Brasil pode, sim, vir a ser condenado na OEA. E talvez seja uma forma de se chegar a uma solução; no caso da Lei Maria da Penha, por exemplo, essa lei só veio após condenação do tipo. No Espírito Santo, por volta de 2008, foi denunciado que havia presos em contêineres; só depois que se chegou a esse fundo do poço é que o sistema lá começou a melhorar.
Já houve alguma intervenção federal desse tipo no país?
Em relação ao sistema prisional, acredito que não. E, na minha avaliação, há três estados onde já deveria ter havido uma intervenção federal no sistema penitenciário há muito tempo: Maranhão, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, também crítico, este ano teve rebeliões e fugas com mortos. E na pior rebelião no Maranhão este ano, o que houve? A capital parou, lojas fechando, com os boatos de arrastão. Há ordens de crimes vindas de dentro da cadeia. O problema prisional não é só do detento e de sua família, é da sociedade.
Como seria uma intervenção do tipo?
Quem passa a gerir o sistema estadual é o governo federal. Triagem de presos, revisão de benefícios, tudo passa para administração e responsabilidade federal.
Além de intervenção, quais outras medidas urgentes podem ser tomadas?
Mudanças no Fundo Penitenciário, por exemplo. Hoje, há um valor de aproximadamente R$ 1,2 bilhão reservado para melhorias e principalmente construção de unidades prisionais. Mas, desde que o Fundo foi criado (em 1994), nem um terço foi utilizado, liberado. É dinheiro subutilizado. Um dos motivos são as exigências rígidas do governo federal aos estados para liberar o recurso, como já possuir um terreno para a unidade e, principalmente, ter um projeto arquitetônico que, na minha opinião, cobra-se que tenha um padrão alto demais de hotelaria. Precisa haver revisão dessas exigências e da própria gestão do Fundo.

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