domingo, 24 de novembro de 2013

Eles também dormem tranquilos - CLÁUDIO SLAVIERO


GAZETA DO POVO - PR - 24/11

Li recentemente um artigo do economista Gustavo Ioschpe, graduado em Ciência Política, no qual manifestava sua angústia sobre como deveria educar seus filhos: para serem éticos ou não no país onde a malandragem parece marca do caráter?

Lembrei-me de que por diversas vezes minha mãe se perguntava se deveria ter criado a mim e a meus irmãos para sermos éticos e decentes, pois sua angústia era tão grande que essa dúvida também a atormentava. Hoje, também sofro com os mesmos pensamentos: valeu a pena criar meus filhos como fui criado, seguindo o caminho da honestidade e retidão?

Da mesma maneira que Ioschpe foi criado por seus pais e eu pelos meus, crio meus filhos seguindo o padrão de moral, ética, retidão e honestidade, esperando que eles façam o mesmo com os deles e assim por diante. Mesmo com o desestímulo para aqueles que seguem um código ético ver que neste país o jeitinho, a malandragem, a desonestidade, o esperto, o que leva vantagem em tudo é mais valorizado e bem-sucedido. Andar na linha, ser cordial e correto é sinônimo de otário.

Os empresários, por exemplo. A grande maioria é correta e decente, gera emprego e riqueza. São verdadeiros heróis que colocam seu capital em risco. Mas, por outro lado, há os parasitas de colarinho branco, que vivem em mansões, promovem festas nababescas e vergonhosamente vivem agarrados nas tetas do governo, incapazes de fazer críticas aos governantes para poder pedir favores mais adiante. Esses fazem qualquer tipo de negócio, pagam mal seus funcionários, não recolhem tributos, passam os outros para trás descaradamente, devem tudo aos bancos e têm uma folha corrida e negativa nos serviços de proteção ao crédito tão longa quanto a de qualquer presidiário.

Mais deprimente ainda é o perfil da maioria de nossos políticos, de quem surgem os piores exemplos, principalmente dos mais altos escalões da República. Verdadeiros velhacos grudados a seus cargos, vivem em benefício próprio e se lixam para a sociedade. Ética não faz parte de seu vocabulário. Tudo vale em troca de favores escusos, do suborno ao roubo, do jogo sujo e pesado, como manter no Congresso deputados condenados pela Justiça.

Ioschpe cita Sócrates, que dizia que o homem que pratica o mal é infeliz e vive em conflito interno. Lembra Arendt, que afirmava que não, que os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram do mal que fizeram porque nunca pensaram na questão. Cita Kant, que dizia que o homem pode mentir para si próprio e que o corrupto ou sonegador tem uma lógica para seus atos, na qual a lei deve se aplicar a todos, menos a ele. Cai por terra, então, o consolo das pessoas honestas de que, pelo menos, dormem tranquilas. Os escroques também dormem tranquilos. Na visão de Ioschpe, só existem dois cenários em que é melhor ser ético do que não ser. A primeira é que, se a pessoa é religiosa, os pecados deste mundo serão punidos no próximo, no que ele não acredita. Nem eu! A segunda é que os desvios de comportamento serão punidos pela coletividade na forma de sanções penais. Para ele, este não é o caso do Brasil. Concordo!

Em última análise, Ioschpe acredita que a ética e a honestidade são valores inquestionáveis. Por isso, criará seus filhos da mesma maneira como foi criado por seu pai porque não conseguiria conviver consigo mesmo e com a memória de seu pai, se criasse seus filhos para serem pessoas como as que ele o havia ensinado a desprezar. E, ainda, porque sociedades e culturas mudam, pois muitos países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez há 100 anos, e um dia o Brasil há de levantar-se deste falso berço esplêndido e seguir o mesmo caminho. E a retidão haverá de ser uma vantagem e não um fardo. Também concordo.

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