domingo, 24 de novembro de 2013

A guinada da China e o recuo do Brasil - JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA


CORREIO BRAZILIENSE - 24/11

Anunciou-se guinada estratégica no antigo Império do Meio. Criticaram os analistas do Ocidente as poucas palavras lançadas ao ar na reunião do comitê do Partido Comunista Chinês. Mas é assim que funciona a China. Faz-se muito e fala-se pouco naquela área do planeta.

Não se engane. As poucas decisões - pragmáticas e marcadas por elementos próprios da política e da cultura - serão levadas adiante. Setores da nomenclatura sugerem adaptação às crises sistêmicas do capitalismo da zona do euro e nos Estados Unidos, mesmo com a retomada ianque, esse o maior parceiro dos chineses. Os desenvolvimentos da economia política global parecem sugerir adaptação da China ao crescimento moderado dos centros históricos do capitalismo global, que pode durar ainda um pouco mais do que dizem alguns estudiosos.

Linhas pragmáticas do Partido Comunista sugerem introspecção moderada do modelo dos últimos 20 anos, embora a manter o fogo exportador que se espraia para toda as partes do mundo. A terceirização da indústria mundial, entregue aos chineses e conquistados por eles, prejudicou parte da capacidade de recuperação das economias ainda combalidas do Norte.

Poderia ser relevante à China um novo ciclo de elevação dos padrões produtivos e de consumo. O doméstico é caminho que se intui consiste na estratégia dos chineses. Ante a permanência da crise e as dificuldades de alguns parceiros do Sul político das relações internacionais, emerge outro capitalismo à moda chinesa. Esse capitalismo se volta ao telúrico, a incluir novas massas, como o projeto de dobrar o número de chineses no consumo atual.
Se tal projeto for ampliado ao meio asiático, as cadeias produtivas dos satélites e vizinhos chineses vão ganhar muito. Significaria criar o dobro de consumidores internos, como o que foi feito nos últimos 20 anos. Apenas esse projeto já criaria outro país, do tamanho do Brasil, marcado pelo acesso a novos produtos para o consumo interno. A ênfase externa seria seu próprio entorno geográfico e o Pacífico, mas que pode chegar (se já não chegou) ao Chile, ao Equador e ao Peru.

Mas os economistas do Partido Comunista da segunda economia planetária resolveram sugerir o ampliar do capitalismo de Estado controlador, um movimento mais ativo para a Europa e os Estados Unidos. É uma saída congruente com o baixo crescimento de alguns de seus outros parceiros emergentes, particularmente dos colegas do Brics. E permite reduzir certa pressão interna da opinião pública da África e da América do Sul ao avanço dos interesses chineses nessas regiões.

Há, tanto na África quanto na América do Sul, movimentos de atores políticos e sociais preocupados com o avanço dos interesses chineses nessas duas regiões. O ciclo das commodities passou, pelo menos no que tange à elevação importante de preços dos minerais extraídos dessas duas áreas do Sul. Há crítica aos meios de utilização da natureza, das formas de trabalho e da prevaricação dos sinos com governos corruptos nessas regiões.
O Brasil segue sendo parceiro da China. No comércio do nosso país, a China é parceiro primeiro, ao lado dos Estados Unidos e da Argentina. No financiamento, basta ver a recente presença das empresas chinesas no financiamento do campo de Libra.

O Brasil, porém, recuou. A China vem reelaborando suas relações principais com os países desenvolvidos. A China adora a Alemanha, como mostram as aproximações com a maior economia da zona euro. Lá, há um Estado logístico que também funciona bem com os investimentos privados e com os saltos tecnológicos. Os chineses confiam nesse capitalismo alemão. Abandona o antigo Império do Meio, na sua forma atual, o sonho da noite de verão criado pelo Brics, que se mostrou modesto em propostas.

A China se move para os capitais e o risco, integrando de vez sua economia e sua política externa, ao novo ciclo produtivo, competitivo e de novos padrões de inserção internacional. Baseia-se na ampliação dos fatores de poder interno, como a educação e a estrutura logística de um Estado forte, mas sem medo do mercado, emanado pela boa gestão, do estímulo à produção, da marca das lideranças que governam com projetos alentados. Associa-se a tudo isso um espírito reformista que garante o lugar proeminente da China na nova conformação das relações econômicas internacionais e estratégicas para as próximas décadas. Eles não têm pressa, mas avançam celeremente.

Aqui, temos pressa, mas patinamos na criatividade e já quase se teme - como já se comprova em casos como os da Argentina e da Venezuela - que o espírito inventivo do brasileiro possa ser encapsulado pelo recuo das nossas vontades fracas e baixa capacidade de pensar largo. Sem falar o descaso com os investimentos e a infraestrutura nacionais.

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