quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Aluno brasileiro levará 25 anos para ter nota de país rico


Para Andreas Schleicher, vice-presidente para Educação da OCDE, os brasileiros, no ritmo de evolução atual, levarão 25 anos para atingir a média de notas dos estudantes dos países ricos

Divulgação
Andreas Schleicher, vice-presidente para Educação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
Andreas Schleicher, vice-presidente para Educação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
São Paulo - Se estivesse na escola, o Brasil repetiria de ano com o resultado do Pisa, exame promovido pela ­Organização para a Coope­ração e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as economias mais ricas do mundo. O Pisa avalia os alunos de 15 anos de idade em ma­temática, ciências e leitura.
De acordo com os resultados divulgados no início de dezembro, as notas dos brasileiros pioraram em leitura e ficaram na mesma em ciências. Houve melhora emmatemática, mas o país ainda ocupa o 58º lugar (perdeu uma posição) no ranking formado por 65 países.
Para o alemão Andreas Schleicher, vice-presidente para Educação da OCDE e coordenador do exame, no ritmo atual os brasileiros só vão atingir as médias dos alunos de países mais ricos em 25 anos. Ainda assim, ele vê avanços. De 2003 a 2012, o Brasil reduziu de 35% para 22% a parcela de estudantes que não concluem o ensino fundamental.
“Agora é o momento de adotar ­po­lí­ticas públicas que acelerem o ganho de qualidade.” Nestaentrevista a ­EXAME, ele dá exemplos de como outros países vêm superando desafios similares aos do Brasil e do que fazer para andar mais rapidamente.
EXAME - O Brasil perdeu posições no último ranking do Pisa. Como avaliar esse desempenho? 
Andreas Schleicher - Embora tenha perdido posições nos últimos três anos, o Brasil melhorou em comparação a 2003. Em relação a outros países, a média em matemática dos brasileiros foi a que mais avançou em dez anos. No período, o país pôs muito mais crianças e adolescentes na escola.
Por isso, no relatório global do Pisa, o Brasil é citado como exemplo de como transformar aeducação em pouco tempo. Evidentemente ainda há um longo caminho a percorrer. Mas acredito que em breve os brasileiros atingirão as médias dos melhores países no ranking.
EXAME - Quanto tempo é “em breve”?
Andreas Schleicher - No ritmo atual, em 25 anos as notas do Brasil poderão se igualar à média dos países da OCDE. E é preciso ter em mente que é possível adotar políticas públicas para melhorar o nível da educação ainda mais rapidamente.
EXAME - Como melhorar mais rapidamente? 
Andreas Schleicher - A qualidade do ensino no Brasil nunca será melhor do que a de seus professores. Por isso, atrair jovens talentosos para o magistério e investir para torná-los excelentes instrutores deve ser uma prioridade. Na China, os melhores professores são levados para ensinar em escolas nas regiões mais atrasadas
Com isso, garante-se a todas as crianças do país acesso a um ambiente de aprendizagem de alto nível. Essa é uma lição para o Brasil, onde estudantes vindos de famílias mais ricas alcançam boas notas facilmente, mas há grande dificuldade de levar ensino de qualidade para crianças mais pobres. 
EXAME - Estudantes de países com nível de desenvolvimento econômico semelhante ao do Brasil, como o México, continuam obtendo notas melhores. O que explica a diferença? 
Andreas Schleicher - No Brasil, os governos passaram a levar educação a sério muito tarde. Outros países, como a China, começaram mais cedo e hoje ocupam as primeiras posições do ranking. 
EXAME - Os dados do Pisa também mostram que o Brasil tem poucos alunos considerados excelentes em matemática e em ciências. Por que esse número não tem melhorado?
Andreas Schleicher - Até agora, o Brasil concentrou investimentos na melhoria das condições básicas. O próximo passo é se empenhar no desenvolvimento de grupos de excelência. Mais tarde, esses alunos serão profissionais com capacidade para contribuir para o desenvolvimento.
EXAME - É possível avançar simultaneamente no fortalecimento do ensino básico e nos grupos de excelência?
Não há contradição nisso. Xangai é um exemplo de como fomentar a excelência e a equidade ao mesmo tempo. Mas os brasileiros fizeram a escolha certa ao dedicar primeiro atenção à melhoria da base do ensino. É difícil ter excelência onde há grandes disparidades.
EXAME - Como fomentar o surgimento de mais grupos de excelência? 
Andreas Schleicher - É relativamente fácil ensinar conceitos básicos de ciências. Mas, se o objetivo é estimular as pessoas a pensar cientificamente, é preciso ter professores capazes de instruir suas turmas de modo especial, o que não significa separar os alunos. Eles têm de ser bons em personalizar o ensino, em identificar e nutrir os jovens mais talentosos.
O ambiente tem de ser exigente e ambicioso. É preciso ter um clima propício para fazer experimentos. No Brasil, ainda parece haver um grau de expectativa baixo em relação aos resultados do sistema educacional. A falta de ambição pode ser um problema. Além disso, temos de considerar que é mais fácil obter ganhos num sistema fraco do que sair de um patamar bom para um nível excelente.
EXAME - Mesmo países afetados pela crise econômica desde 2009, como Itália e Portugal, avançaram no Pisa. O que isso demonstra? 
Andreas Schleicher - A crise evidencia algo interessante. A Itália precisou diminuir os gastos com educação, mas passou a aplicar o dinheiro de forma mais eficiente. O sistema italiano tradicionalmene contava com muitos professores, quase todos com salários baixos. Com a crise, a Itália teve de cortar o número de profissionais. Mas, ao mesmo tempo, melhorou as condições de trabalho dos que permaneceram e criou um sistema de avaliação para comparar o desempenho das escolas.
EXAME - Isso significa que a qualidade da educação não está ligada necessariamente ao volume de investimentos?
Andreas Schleicher - O Vietnã, cujos estudantes participaram pela primeira vez da avaliação do Pisa, é um exemplo notável. As notas dos vietnamitas os colocaram na 17a posição no ranking. Trata-se de um país pobre, com uma economia eminentemente rural, mas que elegeu a educação como prioridade e agora está colhendo os frutos dessa escolha.
Hoje, mesmo as crianças das regiões mais afastadas das cidades vão à escola. Para ensiná-las, houve um trabalho bem-sucedido de atração de alguns dos melhores talentos para a carreira de professor. Como resultado, os vietnamitas estão saindo da pobreza e provando que o mundo não precisa ser dividido entre nações ricas e bem instruídas e países pobres com nível educacional baixo.
EXAME - Por que no Brasil um a cada três alunos repete de ano até os 15 anos de idade?
Andreas Schleicher - Esse é um dos maiores problemas do Brasil. A resposta para dificuldades em aprender não é fazer com que os estudantes repitam de ano, mas descobrir quais são os bloqueios e trabalhar especificamente na superação deles. Nos sistemas educacionais de alto desempenho não existe repetência. Os professores e as escolas têm a responsabilidade de achar o que fazer para ajudar os alunos a aprender.

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