sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Louise Foxcroft: "É a indústria da dieta que engorda" - FLÁVIA YURI OSHIMA


A historiadora Louise Foxcroft diz que a valorização da magreza não é uma invenção moderna. A busca pela boa forma nos assombra há mais de 2 mil anos


16/10/2013 07h30 - Atualizado em 16/10/2013 14h25

COMO UMA PAIXÃO A historiadora Louise Foxcroft. Ela diz que a cultura da dieta nos torna obsessivos (Foto: Divulgação)
"O corpo que está na moda é cada vez mais magro, com menos busto e menos quadril.” A frase, publicada numa revista americana em 1902, poderia ser dita hoje ou há 1.000 anos. A historiadora inglesa Louise Foxcroft passou mais de três anos revirando a relação da humanidade com a comida. A conclusão é que homens e mulheres perseguem um corpo magro há mais de 2 mil anos. Estar em forma já foi uma exigência ética e religiosa, na Antiguidade, e uma forma de poder político. Essas e outras histórias estão em seu livro A tirania das dietas (editora Três Estrelas). Louise falou a ÉPOCA sobre o preconceito contra gordos ao longo dos tempos, as dietas mortais e os obsessivos ilustres. 

ÉPOCA – Muita gente acha que a valorização dos magros é uma invenção dos séculos XIX e XX. De acordo com seu livro, isso não é verdade. A beleza sempre esteve vinculada a estar em forma?
Louise Foxcroft – 
No passado, a avaliação de quanto uma mulher era “casável” era baseada na beleza. Isso incluía um corpo em forma. As mulheres nunca escaparam dessa opressão. Hoje, essa exigência também afeta os homens. A indústria da beleza descobriu que uma ótima forma de ganhar dinheiro é fazer com que as pessoas se sintam inadequadas, gordas e feias. Já em 1860, as proporções de corpo, a dieta e os exercícios da imperatriz Sissi, da Áustria, vendiam jornal. A imperatriz tinha 1,73 metro de altura, pesava 45 quilos e ficou conhecida por sua obsessão pela magreza. Caso engordasse, se recusava a comer por dias.
ÉPOCA – Quais foram as primeiras dietas de emagrecimento?
Louise – 
Os gregos antigos já defendiam a dieta alimentar equilibrada como um dever cívico. Era a ideia de que uma mente e uma vida saudáveis dependiam de um corpo em forma. O controle da gordura aparece em textos antigos ligados à ética. No tratadoSobre o poder dos alimentos, o médico grego Galeno de Pérgamo (século II) conta como reduziu pessoas de “tamanho enorme” a um “tamanho decente”. O dia de seus pacientes consistia em correr muito, cear e depois trabalhar. O médico persa Avicena (século XI) tratava aqueles que não tinham a “beleza da forma do corpo”. Aconselhava comida pesada, com pouco valor nutritivo, exercícios e muito laxante.
ÉPOCA – Como se dá a relação entre dieta para emagrecer, religião e política?
Louise –
 Valores religiosos e políticos sempre influenciaram a estética. Os cristãos acrescentaram a noção de pecado à percepção grega de se alimentar com equilíbrio. O excesso de carne no corpo denunciava a gula, um dos erros capitais. O corpo era visto como algo a dominar, negar, policiar e punir. A noção de tentação e culpa foi expandida para além do cristianismo e permanece até hoje. Uma das propagandas da fase da Primeira Guerra Mundial mostrava as alemãs como mulheres corpulentas, de contornos gordos e grosseiros. As inglesas, em contraponto, apareciam como elegantes jovens, lindas e até musculosas. O feio era o inimigo. Até o início do século XIX, pessoas gordas eram consideradas menos competentes. Uma propaganda americana pregava “emagreça por sua carreira”. O governo sempre teve interesse em manter as pessoas em forma por causa dos custos de cuidar de obesos e das doenças que a obesidade acarreta. 
"A indústria da beleza
se especializou em cultivar
o sentimento de inadequação
e feiura"
ÉPOCA – A descoberta da escultura Vênus de Willendorf, de 24 mil anos, hoje considerada obesa, trouxe muitas teorias sobre a noção estética na Antiguidade. Houve algum momento em que os gordos foram esteticamente admirados?
Louise – 
Na Antiguidade, a aparência arredondada era um símbolo de fertilidade e comportamento passivo, de obediência. É claro que a escultura da Vênus é simbólica. Como tal, tem proporções propositalmente exageradas. Foi um símbolo óbvio de fartura. As mulheres curvilíneas ainda representam fertilidade. Pintores como Ticiano, Rubens e François Bouchers têm retratos fabulosos de mulheres arredondadas como objeto de adoração.
ÉPOCA – Pelo que suas pesquisas revelam, apesar da simbologia de saúde e fartura, os gordos sempre sofreram preconceito.
Louise – 
Como disse, os registros sobre valorização da gordura são simbólicos. Na prática, há uma longa história de preconceito contra quem está fora de forma. Essa visão foi ampliada nos períodos de crise e miséria. Gordos eram vistos como traidores que consumiam mais do que precisavam numa fase de escassez de comida. Foram objeto de humilhação e piadas de mau gosto. Além disso, sempre houve uma percepção de que quem está acima do peso não é capaz de ter autocontrole. Seria alguém fraco de espírito, não confiável. Nem mesmo grandes pensadores escaparam das preocupações e dos preconceitos com a forma física. O poeta Lorde Byron, no início do século XIX, recorria a uma dieta que consistia numa fina fatia de pão com chá no desjejum, um jantar de hortaliças e duas garrafas de água tingidas de vinho. O filósofo francês Voltaire não era considerado gordo, mas lamentava não ser “menos robusto”. Quase um século antes de Byron, recorria a dietas quando se achava inchado.
ÉPOCA – Um receio entre homens e mulheres é o acúmulo de gordura na região do abdome. Há uma razão histórica para isso?
Louise –
 A noção estética sobre o corpo muda de acordo com os papéis sociais. Na fase em que as mulheres eram feitas para ser mães e esposas, o corpo roliço era mais aceito. No século XXI, tanto para homens quanto para mulheres, estar em forma é estar em dia com a gordura do abdome. Para aqueles muito vaidosos, essa gordura sempre incomodou. Os espartilhos, acessórios que machucavam seriamente as mulheres, eram usados para disfarçar a barriga. O americano Howard A. Kelly, ginecologista do hospital americano Johns Hopkins, foi o primeiro médico a fazer abdominoplastias, a cirurgia estética que corta gordura do abdome, já em 1890. Nos anos 1920, havia um debate acalorado contra a cirurgia por razões estéticas, já que os riscos eram grandes. Os médicos que faziam cirurgias redutoras eram tidos por muitos como profissionais de segunda classe.
ÉPOCA – Quando doenças como bulimia e anorexia apareceram pela primeira vez?
Louise –
 Foram reconhecidas no início do século XIX. Eram tratadas com isolamento e alimentação forçada. A complexidade em torno dessas doenças merece um livro dedicado ao assunto.
ÉPOCA – Qual foi a dieta mais perigosa que a senhora encontrou em suas pesquisas?
Louise – 
Todas as dietas são perigosas se levadas a extremos. Remédios criados para emagrecer já causaram cegueira e mortes. Uma droga muito popular nos Estados Unidosnas décadas de 1920 e 1930, o dinitrofenol, era composto de agentes cancerígenos usados na fabricação de explosivos. Também dessa fase, a guru da boa forma Sylvia de Hollywood (era assim que ela se autodenominava) tinha entre suas clientes estrelas como Gloria Swanson e Jean Harlow. Sua dieta baseava-se em espinafre, grãos integrais e vegetais no vapor. É muito parecida com a dieta dos 18 dias de Hollywood, em voga hoje. Sylvia ficou conhecida também por ser responsável pelas primeiras mortes causadas por dietas. Mais recentemente, uma droga francesa chamada Mediator, proibida em 2009, foi responsável por mais de 500 mortes.
ÉPOCA – A senhora já fez dieta?
Louise –
 Fiz uma dieta da moda para escrever o livro. Queria ver como era. Fiquei impressionada. Meu comportamento era de uma pessoa apaixonada, porque pensava nela o dia inteiro. Não tinha cabeça para mais nada.

ÉPOCA – A senhora é magra. Faria uma dieta para valer se engordasse demais?
Louise – 
Me alimento com cuidado porque quero ser saudável e estar em forma. O que como afeta a forma como me sinto. Cozinho alimentos frescos, evito açúcar demais. Nunca faria uma dieta de ação rápida, porque sei que elas não funcionam a longo prazo e não aceito ser explorada pela indústria da dieta.
ÉPOCA – Houve alguma coisa que historicamente já soubemos sobre dietas, se perdeu e seria útil hoje em dia?
Louise –
 Ao longo da história, a forma de dieta que se provou mais eficaz é a mais simples e que todos conhecemos na vida moderna. É o bom-senso e o equilíbrio. Aquilo que os gregos e os romanos já sabiam na Antiguidade: o caminho é cultivar bons hábitos alimentares, com escolhas saudáveis e moderação. Para quem tem problemas específicos de metabolismo, há tratamentos sérios baseados em alimentação e exercícios. Mas somos distraídos e seduzidos por promessas de resultados rápidos e milagrosos. Perdemos peso rapidamente, voltamos a engordar, então partimos para outra solução mágica. Essa é uma fórmula alimentada pela indústria da dieta para manter as pessoas gordas. É mais eficaz do que qualquer excesso alimentar. Temos de voltar aos gregos, por uma vida mais saudável.

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