GAZETA DO POVO - PR - 18/11
Há uma espécie de crença no poder da cota como solução principal para as desigualdades de ordem racial observadas atualmente no país
No último dia 5, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei, em regime de urgência, para instituir cotas para negros nos concursos públicos federais. Pelo projeto, 20% das vagas estariam reservadas a afrodescendentes. O anteprojeto foi anunciado pela presidente durante a abertura da 3.ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em Brasília. Disse Dilma, na ocasião, sob aplausos: “Essa é uma iniciativa que tem imenso potencial transformador. É exemplo para os demais entes da Federação, estados e municípios, e também poderá influenciar outros poderes, o Legislativo e o Judiciário”.
Para avaliar com profundidade a questão das cotas em concursos, primeiro é preciso questionar se as ações afirmativas, em tese, são legítimas – e parece-nos que sim. O Estado pode agir para reduzir desigualdades e corrigir injustiças; diversas modalidades de políticas públicas podem atingir esse objetivo, e entre elas estão as ações afirmativas. Elas podem ser empregadas desde que se cumpram algumas condições: é preciso que respeitem as liberdades democráticas, como a liberdade de iniciativa; que tais políticas tenham um caráter provisório; e que não sejam a única medida adotada para remediar o mal social que ela pretende combater.
Dadas essas condições, é preciso avaliar o uso bem dosado das ações afirmativas e evitar a tentação de tratar as políticas de reserva de vagas (nas quais se inserem as cotas raciais) como política universalizante. Infelizmente, no Brasil o que se verifica é o segundo caso: uma espécie de crença no poder da cota como solução principal para as desigualdades de ordem racial observadas atualmente no país. No entanto, a definição de políticas públicas baseada na visão da cota como panaceia tem efeitos deletérios. O Brasil é um país miscigenado por excelência, em um grau que não se verifica em nenhuma outra nação marcada por um passado escravista. A ideia de universalizar as cotas raciais, aplicando-as em cada vez mais segmentos da sociedade, corresponde a dividir a sociedade pela cor da pele, aprofundando uma clivagem racial que é alheia ao espírito do brasileiro. É por esse ângulo que se deve analisar a questão das cotas nos concursos públicos.
É preciso reconhecer que o Brasil convive com um histórico (e inegável) problema de diferença de condições entre grupos raciais – basta constatar os dados sobre diferenças salariais, ou sobre a sub-representação dos negros em diversos segmentos da sociedade, na comparação com sua participação na população brasileira. Entre as alavancas de ascensão social no país estão o ensino superior, principalmente em faculdades de qualidade, e o serviço público, cujas características (como salários altos e estabilidade no emprego) levam muitos brasileiros a almejar um posto na administração pública. Ampliar o acesso dos negros às universidades e ao serviço público serviria, assim, para colaborar na redução das desigualdades.
O estabelecimento de cotas raciais no serviço público não é a única proposta de ação afirmativa que surgiu nos últimos dias. Houve também a ideia completamente leviana de estabelecer uma porcentagem de cadeiras no Poder Legislativo apenas para parlamentares negros, o que deturparia completamente o conceito de representatividade, como explicou a Gazeta do Povo dias atrás. Querer reservar vagas para deputados e vereadores negros é um exemplo acabado da mentalidade universalizante que descrevemos e que vê as cotas como a grande solução para desigualdade racial no Brasil. É preciso verificar se não é este o mesmo ânimo que impulsiona o projeto de lei enviado por Dilma no dia 5, relativo aos concursos. Em caso positivo, é melhor refletir sobre os efeitos de longo prazo que tais medidas podem causar no tecido de nossa sociedade miscigenada.
Há uma espécie de crença no poder da cota como solução principal para as desigualdades de ordem racial observadas atualmente no país
No último dia 5, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei, em regime de urgência, para instituir cotas para negros nos concursos públicos federais. Pelo projeto, 20% das vagas estariam reservadas a afrodescendentes. O anteprojeto foi anunciado pela presidente durante a abertura da 3.ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em Brasília. Disse Dilma, na ocasião, sob aplausos: “Essa é uma iniciativa que tem imenso potencial transformador. É exemplo para os demais entes da Federação, estados e municípios, e também poderá influenciar outros poderes, o Legislativo e o Judiciário”.
Para avaliar com profundidade a questão das cotas em concursos, primeiro é preciso questionar se as ações afirmativas, em tese, são legítimas – e parece-nos que sim. O Estado pode agir para reduzir desigualdades e corrigir injustiças; diversas modalidades de políticas públicas podem atingir esse objetivo, e entre elas estão as ações afirmativas. Elas podem ser empregadas desde que se cumpram algumas condições: é preciso que respeitem as liberdades democráticas, como a liberdade de iniciativa; que tais políticas tenham um caráter provisório; e que não sejam a única medida adotada para remediar o mal social que ela pretende combater.
Dadas essas condições, é preciso avaliar o uso bem dosado das ações afirmativas e evitar a tentação de tratar as políticas de reserva de vagas (nas quais se inserem as cotas raciais) como política universalizante. Infelizmente, no Brasil o que se verifica é o segundo caso: uma espécie de crença no poder da cota como solução principal para as desigualdades de ordem racial observadas atualmente no país. No entanto, a definição de políticas públicas baseada na visão da cota como panaceia tem efeitos deletérios. O Brasil é um país miscigenado por excelência, em um grau que não se verifica em nenhuma outra nação marcada por um passado escravista. A ideia de universalizar as cotas raciais, aplicando-as em cada vez mais segmentos da sociedade, corresponde a dividir a sociedade pela cor da pele, aprofundando uma clivagem racial que é alheia ao espírito do brasileiro. É por esse ângulo que se deve analisar a questão das cotas nos concursos públicos.
É preciso reconhecer que o Brasil convive com um histórico (e inegável) problema de diferença de condições entre grupos raciais – basta constatar os dados sobre diferenças salariais, ou sobre a sub-representação dos negros em diversos segmentos da sociedade, na comparação com sua participação na população brasileira. Entre as alavancas de ascensão social no país estão o ensino superior, principalmente em faculdades de qualidade, e o serviço público, cujas características (como salários altos e estabilidade no emprego) levam muitos brasileiros a almejar um posto na administração pública. Ampliar o acesso dos negros às universidades e ao serviço público serviria, assim, para colaborar na redução das desigualdades.
O estabelecimento de cotas raciais no serviço público não é a única proposta de ação afirmativa que surgiu nos últimos dias. Houve também a ideia completamente leviana de estabelecer uma porcentagem de cadeiras no Poder Legislativo apenas para parlamentares negros, o que deturparia completamente o conceito de representatividade, como explicou a Gazeta do Povo dias atrás. Querer reservar vagas para deputados e vereadores negros é um exemplo acabado da mentalidade universalizante que descrevemos e que vê as cotas como a grande solução para desigualdade racial no Brasil. É preciso verificar se não é este o mesmo ânimo que impulsiona o projeto de lei enviado por Dilma no dia 5, relativo aos concursos. Em caso positivo, é melhor refletir sobre os efeitos de longo prazo que tais medidas podem causar no tecido de nossa sociedade miscigenada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário