quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Congresso escamoteia supersalários (Editorial)


O Globo
A burocracia estatal criou uma cultura corporativista de autoproteção. Não é mazela nova, desconhecida, mas, nos últimos tempos, ela tem sido revitalizada, diante de medidas de disciplinamento nos gastos com salários na máquina pública como um todo, e com vistas a tornar transparente o funcionamento desta mesma máquina.
Os desvios verificados no pagamento de salários acima do teto legal permitido — R$ 28.059,29, proventos de ministro do Supremo Tribunal Federal — e as dificuldades criadas para a imprensa obter folhas salariais do funcionalismo derivam desta autoproteção corporativista. Mesmo com a Lei de Acesso à Informação, promulgada em novembro de 2011, há resistências à liberação desses dados, uma evidente ilegalidade.
O Congresso é uma das trincheiras da máquina pública que mais resistem ao enquadramento na norma do teto salarial e à política de transparência, cujo principal instrumento é a Lei de Acesso. Os dois problemas são observados tanto entre o funcionalismo da Câmara e do Senado quanto junto a parlamentares.


O Tribunal de Contas da União, TCU, órgão do próprio Legislativo, já identificara alguma leniência nas duas Casas do Congresso com remunerações acima do limite legal. Em agosto, concedeu 60 dias para a determinação ser adotada de fato.
Mas não será fácil, o prazo deverá se esgotar sem que a lei seja cumprida. Como revelou O GLOBO, a Câmara e o Senado sequer tomaram a mais trivial das providências: oficiar a cada parlamentar, incluindo os aposentados, para que informem os rendimentos de outras fontes.
Sem estes dados básicos, nada feito — e o tempo passa. Há casos emblemáticos: o senador José Sarney (PMDB-AP), ex-presidente da República, por acumular subsídios com aposentadorias, uma delas de governador do Maranhão, tem vencimentos de R$ 61,7 mil; o também senador Roberto Requião (PMDB-PR), outro ex-governador, recebe R$ 52 mil, e assim vai.
A deputada Nice Lobão (PSD-MA) se enquadra em caso específico: matriarca do clã do ministro das Minas e Energia e mãe do senador Lobão Filho, suplente do pai, Edson, ela, até setembro, somava a remuneração de parlamentar com aposentadoria de servidora da Casa. Graças ao TCU, um “abate-teto” reduziu os proventos de Nice em R$ 17 mil, a favor dos contribuintes.
Trava-se uma guerra de desinformação. Numa ação civil do Ministério Público Federal, por exemplo, movida em 2011, para que a Câmara informasse as rubricas que compõem a remuneração dos servidores, com respectivos nomes dos funcionários, nem todas foram reveladas e sequer a lista dos nomes pôde ser relacionada aos salários, porque as planilhas foram cedidas separadas. Esta batalha para que o Congresso cumpra as leis — um paradoxo — denuncia a que ponto corporações estatais se afastaram da sociedade e ganharam vida própria.

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