07/10/2013 17h15 - Atualizado em 08/10/2013 09h51
Paulo Coelho não vai à Feira de Frankfurt. Segundo ele, o Ministério da Cultura deixou de convidar alguns dos principais best-sellers do país, como Eduardo Spohr, Carolina Munhóz, Thalita Rebouças, André Vianco, Felipe Neto e Raphael Draccon. Ele tentou levar alguns dos autores por conta própria, mas não conseguiu. Então, como protesto, decidiu que também não participaria.
O autor está certíssimo. O Brasil é o homenageado na Feira de Frankfurt, o Ministério da Cultura está levando setenta escritores para representar o país. Não são dez, não são vinte. São SETENTA. Não quero desmerecer os escritores da lista. Não conheço todos. Sei que muitos são bons. Mas eu me pergunto: desses 70, não havia espaço para autores populares, aqueles que aparecem na lista de best-sellers?
Parece que não. No Brasil ainda existe uma divisão preconceituosa entre o que é considerado alta literatura (um conjunto de poucos livros escritos e criticados por intelectuais que se consideram elite) e o resto.
Thalita Rebouças e Raphael Draccon, por exemplo, fazem parte do resto. Thalita escreve textos despretensiosos sobre os grandes temas que afligem adolescentes – relacionamento com os pais, namoro, escola, amizade. Raphael Draccon escreve, aparentemente, sobre dragões e coisas que acontecem num reino chamado Arzallum.
Não, eu nunca li Thalita Rebouças, ou Raphael Draccon. Também nunca li mais do que algumas páginas de Paulo Coelho, o autor nunca me interessou. Independentemente do meu nível de conhecimento, esses escritores têm a minha profunda admiração e respeito, pela capacidade de atrair e cativar leitores. Esses autores criaram mundos, e através de uma elaborada combinação de estilo e trama conseguiram fazer com centenas de milhares de leitores (milhões, no caso de Coelho), dedicassem algumas horas de suas vidas a conhecer esses mundos.
É extremamente importante se orgulhar de autores assim, e ajudar a promovê-los. São eles os autores capazes de criar uma indústria do livro brasileira, o que, diga-se de passagem, não existe.
Vale aqui uma breve explicação de como funciona a maior parte das editoras brasileiras. Dependendo da casa, de 70% a 80% do catálogo é formado por títulos estrangeiros. Isso acontece porque é muito mais barato e seguro comprar um título estrangeiro do que investir num livro nacional. Sai mais em conta adquirir o direito de publicação e traduzir do que começar do zero todo o processo com um autor brasileiro – avaliar centenas de originais, trabalhar com o autor na edição, investir em uma campanha de marketing, etc. Muitas vezes o título estrangeiro já foi publicado e teve boa repercussão, o que aumenta a probabilidade de aceitação no Brasil.
O problema de se ter um mercado editorial brasileiro onde há mais traduções do que títulos nacionais é que ele não é um mercado editorial brasileiro. Ele é uma extensão do mercado editorial americano, ou europeu. Um editor é aquele que analisa originais, que escolhe autores, que ajuda os autores a melhorar o original. Um editor não pode, apenas, comprar o que vê lá fora.
Quando autores nacionais se tornam populares e vendem milhares de livros eles provam que sim, é possível ter um mercado editorial brasileiro. Eles provam que o dinheiro investido na compra de livros estrangeiros pode ser bem investido no Brasil, em mais autores como eles. E então todo um mercado se desenvolve em torno desses autores – advogados de direitos autorais, agentes, promotores de eventos, etc.
E aí a gente volta para o protesto do Paulo Coelho, e para a seleção de Frankfurt. Quando o Ministério da Cultura não apoia esses autores, está dizendo que eles não representam o Brasil, que o que eles fazem é desimportante. Então tá bom, não vamos ter autores assim. Vamos continuar comprando o que vem de fora, porque os dragões e adolescentes americanos são melhores do que os nossos.
Que o protesto de Paulo Coelho sirva pra gente pensar que tipo de país que a gente quer. A gente quer um país elitista, em que juízes, políticos e intelectuais estejam completamente desconectados do resto da população? Ou a gente quer um país mais justo em todas as esferas, um país mais homogêneo, que seja capaz de produzir sem culpa e com orgulho sua própria cultura de massa, seus próprios blockbusters?
Eu sei que país eu quero. E se a gente precisa de título pra dizer o que é bom e o que não é, vamos lá: sou formada em jornalismo, tenho Mestrado em Literatura Brasileira pela PUC Rio e fiz meu Master in Publishing pela New York University. Trabalhei como repórter e editora no Brasil, trabalhei nas principais editoras americanas. Eduardo Spohr, Carolina Munhóz, Thalita Rebouças, André Vianco, Felipe Neto e Raphael Draccon vendem, e porque vendem devem ser admirados e promovidos.
Paulo Coelho, que o seu protesto sirva pro Brasil aprender a ser menos elitista. Você, por muito tempo, também fez parte do resto. Até a crítica estrangeira te elogiar, e o Zagallo soltar a frase que deve ter sido inspirada em você. Paulo Coelho, no final todo mundo teve que te engolir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário