Ricardo Setti - VEJA
Amigas e amigos do blog, diante do resultado final do julgamento do Supremo Tribunal sobre a admissibilidade dos chamados embargos infringentes no processo do mensalão — o ministro Celso de Mello, último dos 11 ministros a votar e a desempatar, já deixou claro que vota por acatá-los –, confesso que escrevo com um profundo sentimento de derrota e de desânimo.
Um sentimento tão grande quanto o que senti quando as Diretas-Já não passaram por falta de 22 votos no Congresso, em 25 de abril de 1984.
Algo semelhante à tristeza, à perplexidade e o vazio diante da morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985.
Um sentimento de impotência, de desalento, de LUTO.
O ministro Celso de Mello, naturalmente, está em seu pleno direito de ao votar pela admissibilidade dos embargos existentes no Regimento Interno do tribunal, mesmo que eles não mais estejam previstos na legislação posterior ao regimento que trata, especificamente, da tramitação de processos em tribunais superiores.
Para justificar seu voto, o ministro se estendeu das Ordenações Filipinas do século XVII até os códigos processuais estaduais que a Constituição de 1891 permitia. Argumentou com as costumeiras solidez e erudição. O ministro insistiu na necessidade de um julgamento pelo Supremo não ser influenciado pelo “clamor público” e invocou com frequência a “racionalidade jurídica”.
Celso de Mello é um “defensivista”, partidário do direito de mais ampla defesa dos réus.
Mesmo réus sob os quais recai a acusação de estar envolvidos em uma conspiração corrupta para assestar um “golpe de Estado branco”, segundo palavras do ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto.
Sempre respeitei o ministro Celso de Mello, por sua cultura jurídica, seriedade e aplicação ao trabalho.
Não acho que ele foi cooptado por ninguém, até por haver se manifestado antes na direção em que votou hoje.
Continuarei respeitando o decano do Supremo.
Mas jogo a toalha diante da Justiça brasileira.
Jogo a toalha, principalmente, diante da legislação com a qual a Justiça brasileira tem que trabalhar.
Todo o nosso arcabouço jurídico está pensado para NÃO punir os poderosos.
As leis já saem do Congresso, com raríssimas exceções, contendo esse nefasto chip.
E o emaranhado de códigos, leis, estatutos, regimentos e disposições processuais — ou seja, sobre a TRAMITAÇÃO das causas dentro do Judiciário –, tal como demonstrou brilhantemente em post neste blog o ilustre juiz de Direito em São Paulo Alfredo Attié, se tornaram, ao longo do tempo, uma forma de complicar e até de impedir a plena aplicação do direito.
Uma forma de atrapalhar ao máximo que se faça justiça.
É claramente o caso dos mensaleiros, que estão escapando da cadeia graças a filigranas processuais.
Admitida a possibilidade de embargos infringentes, como ocorreu hoje no Supremo, os advogados dos mensaleiros, pagos a peso de ouro — por quem???? –, o primeiro que farão é apresentar embargos de declaração para esclarecer supostos pontos obscuros dos embargos de declaração já julgados.
Parece coisa de Kafka, mas é a legislação brasileira a permitir a interminabilidade dos processos — única e exclusivamente para quem pode pagar advogadões, claro.
Dezenas de milhares de presos que apodrecem em nossas vergonhosas penitenciárias muitas vezes por delitos leves e que em alguns casos, por milagre, contam com um raro defensor público, JAMAIS vão obter qualquer colher de chá dessa barafunda processual.
Isso é coisa de rico e poderoso, para rico e poderoso.
No caso dos mensaleiros, somente depois de julgados os novos embargos de declaração, e somente após o absurdo recesso de fim de ano do Judiciário — Deus do céu, por que não se faz nesse Poder essencial à população rodízio para férias de seus integrantes, como em qualquer empresa? –, é que começarão a ser examinados, um a um, os embargos infringentes.
Esse lenga-lenga vai consumir boa parte do ano de 2014, se não o ano todo.
Ano em que haverá uma Copa do Mundo e eleições presidenciais, para o Congresso, os governos estaduais e as Assembleias Legislativas.
A opinião pública, exausta, estará descrente e dispersa.
É tanto tempo, que pode haver mais uma troca de ministros no Supremo, por aposentadoria ou pelo dedo do Altíssimo.
Estará tudo pronto, então, para que os mensaleiros tenham suas penas aliviadas para prisão em regime aberto, prisão domiciliar ou, mesmo, a plena absolvição.
De minha parte, desde já, jogo a toalha.
O que mais fazer?
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