terça-feira, 24 de setembro de 2013

A seita que jurava combater a roubalheira agora luta para conseguir que os sacerdotes corruptos passem só as noites na cadeia

Augusto Nunes _VEJA

Leiam sem pressa os quatro parágrafos, transcritos em negrito, extraídos de um artigo publicado pelo Estadão sob o título “A corrupção e morte da cidadania”. Volto em seguida com o nome do autor e a data da publicação.
A corrupção representa uma violação das relações de convivência civil, social, econômica e política, fundadas na equidade, na justiça, na transparência e na legalidade. A corrupção fere de morte a cidadania. Num país tomado pela corrupção, como o Brasil, o cidadão se sente desmoralizado porque se sabe roubado e impotente. Sabe-se impotente porque não tem a quem recorrer. Descobre que os representantes traem a confiabilidade do seu voto, que as autoridades ou são corruptas ou omissas e indiferentes à corrupção, que os próprios políticos honestos são impotentes e que a estrutura do poder é inerentemente corruptora.
Dessa impotência se firmam as noções de que “nada adianta” e de que no fundo “são todos iguais”. A fixação desses sentimentos representa o fim da cidadania, pois ela se baseia na participação ativa do indivíduo na luta por direitos e na cobrança e fiscalização do poder. Quanto mais agonizante a cidadania, mais ativa se torna a corrupção. O corrupto sente-se à vontade para se justificar e até para solicitar o aval eleitoral para continuar na vida política.
O poder no Brasil protege os corruptos. A estrutura do poder público é corruptora. Em paralelo, a estrutura fiscalizadora favorece a impunidade. Mas se a corrupção, sua proteção e a impunidade se tornaram estruturais, há uma vontade explícita de manter intacta a estrutura corruptora. Essa vontade se manifesta de várias formas. A principal é a falta de iniciativa das autoridades constituídas. Outra ocorre pelo bloqueio das mudanças institucionais e legais que visam a ampliar e aperfeiçoar os instrumentos de combate à corrupção. No Congresso, medidas de combate à corrupção e mudanças moralizadoras da Lei Eleitoral foram sistematicamente derrotadas pela maioria governista, com o apoio de chefes dos poderes superiores.
A sociedade já percebeu que a corrupção estrutural está albergada na falta de vontade de mudar e de punir e na vontade explícita de proteger. A racionalidade do cidadão não consegue compreender o porquê e o como de tantos casos de corrupção não resultarem em nenhuma prisão dos principais envolvidos. E porque a razão não consegue compreender essa medonha impunidade, o cidadão sente-se desmoralizado. A corrupção assume a condição de normalidade da vida política do país. A degradação e a ineficiência do poder público atingiram tão elevado grau que não se pode mais acreditar que, apesar de lentas, as mudanças virão.
O autor só pode ser algum falso moralista enfurecido com a transformação do embargo infringente em primo do habeas corpus, certo? E o texto só pode ser coisa da elite golpista ainda inconformada com a derrota decidida pelo voto do ministro Celso de Mello, certo? Errou duplamente quem embarcou nessas deduções. O artigo saiu na edição de 29 de abril de 2000. E foi escrito por José Genoino, então ─ como agora ─ deputado federal do PT paulista. Parece mentira, mas é ele mesmo.
Também parece mentira que há menos de 14 anos, quando já ia longe o ataque aos cofres estaduais e municipais controlados pelo partido, as vestais de araque ainda reivindicassem aos berros o monopólio da ética. Na virada do século, embora Delúbio Soares já ocupasse o posto de tesoureiro da quadrilha em formação, José Dirceu seguia recitando de meia em meia hora, com sotaque de Passa Quatro, o mantra hoje reduzido a refrão do hino do Clube dos Cafajestes: “O PT não róba nem dêxa robá”. É compreensível que o deputado federal José Genoino, sem ficar ruborizado, ousasse exigir cadeia para quem fizesse o que ele faria na presidência do partido que acabou transformando o assalto ao dinheiro público em programa de governo.
O artigo publicado pelo Estadão sugere que são até brandas as penas aplicadas pelo STF aos companheiros condenados por corrupção ativa: 7 anos e 11 meses para José Dirceu, 6 anos e 8 meses para Delúbio Soares e 4 anos e 8 meses para Genoino. Não há embargo infringente que dê jeito nisso: para recorrer à esperteza que poderá livrá-los da punição por formação de quadrilha, os três mensaleiros precisariam de quatro ministros dispostos a não enxergar uma trinca de corruptos ativos juramentados. Dirceu, condenado por 8 a 2, teve o apoio de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Genoino (9 a 1) só foi socorrido por Lewandowski. Delúbio (10 a 0) não comoveu sequer o ministro da defesa.
A seita que prometia acabar com a ladroagem, quem diria, agora luta para conseguir que três sacerdotes corruptos se safem do castigo reservado a quadrilheiros. Já eufóricos com o prorrogação da sobrevida do embargo infringente, os devotos programam um carnaval temporão caso os condenados sejam contemplados com a prisão em regime semiaberto. Pena que a festa precise acabar no fim da tarde: os três destaques terão de dormir na cadeia.

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