sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Discussão no Senado divide magistrados e advogados. Presidente da OAB faz duras críticas a juízes, e representante dos juízes acha que o atual excesso de recursos permite que criminosos continuem soltos

15/08/2013
 às 18:00 \ Política & Cia


O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), fala durante a audiência que reuniu o presidente da OAB, Marcus Vinicius Coêlho (à esquerda) e o presidente da Associação dos Magistrados, Nelson Calandra (Foto: Marcos Oliveira / Ag. Senado)
Da Agência Senado
Proposta de Emenda à Constituição 15/2011, que agiliza o sistema de recursos no Judiciário, pôs em lados opostos advogados e juízes.
Em audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado na manhã desta quinta-feira,15, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Coêlho, e o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Nelson Calandra, divergiram sobre a proposta que, na prática, limita a apresentação de sucessivos recursos para atrasar o cumprimento de decisões judiciais.
Para o representante da OAB, a chamada PEC dos Recursos é uma medida que fere o princípio da presunção da inocência e o direito à ampla defesa.
Além disso, é uma questão que já está sendo discutida no âmbito da reforma do Código de Processo Civil, que já passou no Senado e agora está sendo avaliada pela Câmara dos Deputados.
– Não se pode alterar a Constituição a todo e qualquer momento. Vivemos um período de estabilidade constitucional nestes últimos 25 anos. Isto deve ser discutido no âmbito do Código de Processo Civil, que voltará ao Senado no mês que vem. Seria mais adequado implantar o CPC, pôr em efetividade, se ele não der conta, poderemos analisar alteração na Constituição – opinou.
Segundo o presidente da Ordem, há uma cobrança muito grande sobre o Legislativo quanto à celeridade processual na Justiça, mas o Judiciário precisa fazer sua parte. Para Coêlho, o Poder Judiciário precisa se organizar e espalhar seus recursos, concentrados na cúpula, para as pequenas comarcas.
Presidente da OAB critica ”gastos absurdos” com a cúpula da Justiça e  “juízes que só trabalham às terças, quartas e quintas” no interior
– Joga-se para o Legislativo toda uma responsabilidade, e o Judiciário não faz a parte dele. O dinheiro que vai para o Judiciário é mal aplicado, fica encastelado nos tribunais, gastos absurdos na cúpula dos tribunais e o dinheiro não é espalhado onde a população se encontra, nas varas e comarcas – afirmou.
O representante da OAB criticou também a postura da advocacia pública, que “recorre de tudo”, e a existência dos “juízes QTTs”, que só trabalham às terças, quartas e quintas, nas pequenas comarcas do interior do país.
- É preciso mudanças culturais, estruturais e jurídica. Esta virá com a reforma do CPC, sem tirar do cidadão, principalmente em matéria penal, o direito a recurso. Não há bem maior que a liberdade. Somos um país que acredita na liberdade da pessoa – argumentou.
Presidente da Associação dos Magistrados: “um culpado que deixa de ser encarcerado dá passe livre para que outros cometam crimes”

Calandra: "Um culpado que deixa de ser encarcerado dá passe livre para que outros cometam crimes" (Foto: Ag. Senado)
Calandra: "Não é possível um país ter cinco juízes mortos e todos os mandantes desses crimes soltos" (Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado)
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, por sua vez, afirmou que a magistratura quer o fim da impunidade. Para ele, que defendeu a PEC, o Senado pode resolver o problema da criminalidade no Brasil.
Segundo Nelson Calandra, as manifestações populares indicam que o Brasil precisa mudar a lentidão na Justiça.
Ele citou exemplos de crimes de grande repercussão, cujos mandantes ainda não foram julgados e continuam soltos.
– Ninguém quer ser testemunha num processo em que o bandido mata o juiz, pica um jornalista e sai pela porta da frente do tribunal. Um culpado que deixa de ser encarcerado dá passe livre para que outros cometam crimes. A magistratura é favor do fim da impunidade. Não é possível um país ter cinco juízes mortos e todos os mandantes desses crimes soltos. O Senado brasileiro pode ministrar o remédio de que o povo brasileiro precisa para cessar violência incontida – defendeu.
O autor da PEC, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), lembrou que em nenhum país civilizado do mundo tem um Judiciário com quatro instâncias, como ocorre no Brasil.
– Até 1988, havia três [instâncias]. Depois criaram mais uma, o STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Agora, o Brasil é o único a ter quatro níveis de julgamento – destacou.
Entenda a PEC
A PEC 15/11 tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e tem como relator o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Originalmente, a proposta transformava os recursos extraordinário e especial – interpostos, respectivamente, ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça – em ações rescisórias.
Ou seja, em vez do direito aos recursos, haveria o trânsito em julgado [o encerramento formal do processo], e à parte interessada restaria apenas uma ação rescisória, que é uma ação autônoma, com o objetivo de desfazer os efeitos de sentença já transitada em julgado.
O substitutivo elaborado pelo senador Aloysio Nunes mantém o direito aos recursos, mas diz que eles não impedem o trânsito em julgado da sentença.
Este ponto foi também muito criticado pelo presidente da OAB:
– Ora, trânsito em julgado significa que não cabe mais recurso. A Constituição não pode mudar a natureza das coisas. Não pode dizer que num pote de sal tem açúcar. Há coisas que não podem ser mudadas. Portanto, se comporta recursos, não há trânsito em julgado – afirmou.

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