quinta-feira, 4 de julho de 2013

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA O Brado Da Juventude!!!


CARLOS VIEIRA
Meu personagem de hoje é nascido nas décadas finais do século XX. Veio ao mundo perto da margem de um Lago, numa mansão opulenta, num espaço perto de dez mil metros. Família sagrada, de missa dominical, de atos compulsivos de filantropia, talvez para saldar as dívidas da culpa inconsciente de um modo de ser baseado no canibalismo capitalista selvagem. Poderia ser filho de um empresário, de um político, de um jurista ou mesmo de alguém da classe privilegiada desse país que traz em seu patrimônio existencial – a alienação da consciência política e social. 
O filho educado em um bom colégio, mas um colégio que execra a formação cultural e foca sua especialidade em preparar para “vestibular”. É desprezível ter cultura, é importante ultrapassar um vestibular, fazer uma faculdade, não por opção vocacional, mas para garantir um futuro “maravilhoso”, uma aposentadoria perfeita! Meu personagem, por exemplo, é advogado. Poderia ser médico, engenheiro ou funcionário público. O que chama atenção, é que vive uma vida profissional meio autômata, sente-se sem objetivo, cumpre horários, bate ponto eletrônico, ganha um belo salário, mas não consegue saber porque é depressivo, vazio e indiferente a uma vida afetiva. 
Esse é um protótipo de uma juventude que de repente parou, pensou, sentiu-se esvaziada, desrespeitada e sem futuro. Desacreditado, descrente na justiça, nas organizações governamentais, na ética, na família, nos vínculos afetivos, e principalmente agora, cientes de que a ilusão chegou no limite - a ilusão de uma vida melhor. Esse mesmo personagem é aquela pessoa que olha para o lado e vê o pai montar esquemas de corrupção; dar um passo a frente e enxerga o desrespeito pelas condições básicas de habitação, educação, justiça, alimentação e civilidade. Enxerga um caos que, sendo eleitor, seus eleitos estão mais preocupados com enriquecimento e poder pessoal do que usar recursos para programas sociais e que atentem para o futuro do nosso país. Governa-se no Brasil, ainda e somente pensando no presente, na oligarquia dos partidos, na preservação no Poder, fato curiosamente difundido na América Latina. 
Outros personagens da vida cotidiana trabalham, dão duro, pagam seus três meses de salário para os impostos abusivos. São até felizes (?), mas intuem que algo está se quebrando e é preciso fazer algo antes do Apocalipse.! Mas meu personagem, agrupado com outros, resolveu sair às ruas para clamar um “brado retumbante” e pedir justiça social. Não aumentos de centavos, mas, mais do que isso: conscientizar à população, da situação na qual vivemos; que a cada dia parece, mesmo travestida de “crescimento sustentável” e mais perto do filme que a geração dos seus pais viveram, que estamos numa antecâmara da “agonia social sem saída(?). 
Reforma política; reforma tributária, reforma talvez na composição do legislativo, reforma ética e da justiça. As “bolsas da vida”, expediente necessário, mas transitório, parece apontar para a manutenção de “eleitores de cabresto”. Dezenas de ministérios, para quê? O brado da juventude é para acordar também os “adultos crescidos”, alienados e conformados com suas aposentadorias ou empanturrados de riqueza pessoal em detrimento de falta de recursos. 
Não convence pensar em direita, esquerda, golpes fantasiosos, liderança de partidos querendo tirar proveito do movimento sábio e um pouco ingênuo da juventude. A nova ordem exige novos vértice de pensamento que não se encaixam mais nas pobres ideias dos nossos políticos e de profissionais em conluio com o poder perverso! É doloroso ver investimentos de bilhões em eventos esportivos como se nossa saúde pública humana estivesse boa e como se ganhar campeonatos confederados ou mundias assegurasse o nosso futuro. 
Curiosamente, reporto o leitor a um homem, visionário, “louco”, místico, verdadeiro e um tanto profeta - William Blake (1757-1827). Nascido na Inglaterra, poeta, desenhista, pintor, gravador, impressor e até compositor. Viveu sua vida preocupado e denunciando as consequências desumanas da era industrial. Reporto ao leitor, nesse momento “blakeano” de uma nova ordem na vida dos brasileiros, um de seus poemas que toca fundo as questões do mundo contemporâneo. 
“O Limpador de Chaminés” 
“ Quando mamãe morreu eu era moleque,/ E ao vender-me meu pai, minha língua a custo é que/ gritava arre, arre, arre, arre-dor:/ Durmo em fuligem, das chaminés sou varredor. 
O pequeno Tom Dacre chorou ao ser raspado/ seu cabelo, tal qual um cordeiro, anelado/Eu disse. Calma, Tom, deixa, sem os cabelos/ ao menos a fuligem não poderá tê-los. 
Se acalmou, & naquela mesma noite então,/ Quando ele adormeceu, surgiu-lhe uma visão,/ Dick, Joe, Ned, Jack, e milhares de varredores,/ Em negros ataúdes trancados, sem dores. 
Com chave luminosa um anjo apareceu/ E abriu-os, livrando cada menino do seu./ Riam e saltitavam, desciam o vale,/ Para lavar-se num rio e ao sol brilharem. 
Então, nus, brancos, todas as bolsas deixadas,/ Subiram para as nuvens, brincaram nas vagas/ Do vento. E o Anjo disse ao Tom: Se fores bom/ Menino, terás Deus por pai & alegria por dom. 
Tom acordou e no escuro nos levantamos/ Pegou bolsas e escovas do nosso ramo./ Tom se foi na manhã fria, alegre e aquecido./ Não há nada a temer, se o dever é cumprido.”
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

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