sábado, 13 de julho de 2013

A sombra do mouse sobre o mundo


Vitor Hugo Soares
Há alguns anos, no auge do pânico e perplexidade causados pelos atentados de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, passei por um dos maiores constrangimentos pessoais de que me recordo.
Transitava então pela agitada área de inspeção do aeroporto de Londres em viagem de volta a Salvador, depois de passar dias memoráveis na fantástica cidade de Amy Winehouse, quando ela ainda vivia, cantava como ninguém, e aprontava todas em Candem Town, onde eu passara um domingo de despedida para nunca esquecer. Antes da vergonha, evidentemente.
Devo confessar que meu inglês é péssimo. Se é que dá para chamar de “meu inglês”, o arremedo daquilo que falo e entendo do idioma de Shakespeare. Daí a demora para compreender os gritos nervosos dos agentes de segurança de Heatrow, que me mandavam desafivelar o cinto, tirar os sapatos, enquanto era apalpado e submetido a uma “revista” pública, em meio a outros passageiros tão espantados e nervosos quanto eu.
Ainda lembro bem da minha reação íntima e tola naquele momento. Ateu que acredita em milagres, perguntava com meus botões quando segurava a calça folgada com uma mão, enquanto com a outra levava o passaporte que os agentes queriam bem à vista.
Meu Santo Antonio da Glória, o que eu vim fazer aqui?”, escrevi (rapidamente esquecido dos belos momentos vividos na terra da Rainha), ao descrever no artigo que publiquei na época neste blog, aquela situação tão insólita.
No calor da hora até prometi, não permitir a mim mesmo que a situação se repetisse. Pura bravata, que durou pouco tempo para ser deixada de lado.
Retornei há poucos dias de uma viagem formidável aos Estados Unidos. Quase um mês – pedaços divididos de maio e junho - voando e rodando entre os estados da Flórida, Califórnia e Nevada. A maior parte do tempo na costa oeste das praias bravias do mar do Pacífico, recantos de sonhos descritos com perfeição nas canções de nosso Lulu Santos.
Semanas entre a sempre esbelta, multicultural e cosmopolita San Francisco, (mais asiática que nunca, além de Chinatown) e os vinhedos verdejantes dos vales de Sonoma e Napa. Além da sensação, sem preço, de caminhar pelas ruas, mesmo as mais desertas, a qualquer hora, sem medo de "balas perdidas" ou de ladrão atrás...
Parada de afetos, recordações, conhecimentos e reconhecimentos em Santa Rosa (a 70km de Frisco pela Freeway que cruzamos inúmeras vezes em idas e vindas, perdidos algumas vezes, mas sempre reencontrando o caminho certo da volta, de dia ou de madrugada).
Organizada, acolhedora, deliciosa, rica e civilizada cidadezinha cercada de parques nacionais e recantos indescritíveis. Vinho de primeira, ótima comida (em casa e nos restaurantes), jazz de primeira nas casas noturnas e emissoras de rádio locais, e imperdíveis oportunidades de compras, naturalmente.
Sem falar nas cerejas do bolo: a primeira e sempre sonhada visita a Los Angeles, com direito a hospedagem em Hollywood, no mesmo hotel onde viveu um tempo ninguém menos que Marilyn Monroe. Enfim.
Sob nossos pés e à nossa vista, os encantos e desencantos da cidade do cinema. A calçada da fama, Beverly Hills, os drogados nas ruas, Sunset Boullevard, a praia dos artistas e figurões em Santa Mônica, em esplendoroso dia de sol. Garoto deslumbrado, depois de adulto.
E depois a descoberta de Las Vegas, no deserto do estado de Nevada. A cidade surpreendente, criada no meio do nada, mas talvez a mais emblemática representação urbana dos Estados Unidos atualmente. Ainda sob impacto da crise braba e em busca de saída. Nos majestosos hotéis temáticos (o Egito, a Itália, a França, o Brasil e muito mais, reunido num mesmo lugar) as ruas fervilhantes de crianças, jovens e adultos e idosos em busca, de dia e de noite, das ofertas de opções culturais, artísticas, esportivas, de consumo ou de puro lazer e divertimento.
Sem falar na jogatina desenfreada, nos modernos e luxuosos cassinos de cada hotel. Nos dias que passamos por lá, três núcleos do Cirque de Soleil se apresentavam em locais diferentes da cidade, incluindo o Luxor Hotel onde ficamos hospedados.
Tudo por menos que o custo de recentes temporadas em hotéis (de menor qualidade em serviços e conforto) de Gramado, São Paulo, Salvador e até Campina Grande, Paraiba, no período junino.
Salvo, é claro, o preço dos constrangimentos nos aeroportos internacionais da terra de Obama. Entre Miami, San Francisco, Los Angeles e Las Vegas, uma meia dúzia de vezes pelo menos tive o cinturão retirado, sem sapatos, calça folgada caindo, braços e mãos para o alto, e o agente de segurança alertando : “Senhor, abra as pernas por favor, coloque os pés no lugar marcado e olhe para a máquina para não repetir a operação de raio-x no corpo”.
E no hotel, a descoberta desconcertante: uma carta padrão com carimbos oficiais, dentro da mala de uma das acompanhantes na viagem (cadeado de proteção retirado), notificando que a mala havia sido aberta e revistada (depois fechada, arrumada, fora das vistas do dono), para inspeção.”Para sua proteção e dos demais passageiros”, dizia o cartão com pedido de desculpas em nome da Convenant Aviation Security (CAS) pelo “serviço” realizado pela empresa contratada Transportation Security Administration (TSA). Simples assim.
Agora, no meio do escândalo causado pelas revelações da espionagem cibernética americana, feitas por Edward Snowden e suas graves repercussões, também no Brasil, leio um artigo instigante publicado no jornal El País, do Uruguai, onde a politicamente fragilizada presidente Dilma Rousseff e seus colegas do Mercosul, se reuniram ontem (12) em busca de uma reação de consenso sobre as denúncias das violações de e-mails.
Até aqui só resultaram em atitudes de pavor do chanceler Patriota, e de chacota e certo descaso e cumplicidade dos ministros Celso Amorim, da Defesa, e Paulo Bernardo, das Comunicações.
Em síntese, o texto assinado por Cláudio Fantini, destaca que há acontecimentos tão fortes e impactantes que acabam cobrindo seu próprio significado mais profundo. Segundo o autor, a queda das torres gêmeas foi tão chocante que impediu ver o fundamental. Além daqueles arranha-céus e de uma ala do Pentágono, o terrorismo havia derrubado pilares fundamentais do Estado de Direito e da sociedade aberta.
É isto que está mostrando agora, segundo o autor, “a espionagem massiva denunciada por Snowden. O pânico e a sensação de vulnerabilidade fizeram a maioria dos norte-americanos firmar o contrato social descrito por Thomas Hobbes no Leviatã, cedendo intimidade e liberdade em troca de proteção.
Mais não digo. Apenas recomendo, com ênfase, a leitura do texto de Fantini no diário uruguaio. Agora vou tratar de transmitir, pelo g-mail, o texto deste artigo para Ricardo Noblat publicar em seu blog.
E seja lá o que Santo Antonio quiser.

Vitor Hugo Soares é jornalista, edita o site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br

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