sexta-feira, 5 de julho de 2013

A corrosão do tempo como virtude


Em Trancoso, morada tem ar ‘shabby chic’

27/06/2013 | FOTOS E TEXTO FERNANDO LOMBARDI

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  (Foto: Fernando Lombardi)
Quando cheguei a Trancoso, em 2001, percebi imediatamente que era hora de voltar a colocar um pé no Brasil, depois de quase 20 anos na Europa numa espécie de autoexílio econômico e profissional. Era hora de reassumir a minha brasilidade. Naquela época, passava grande parte do ano fotografando pelo mundo e estava de férias com minha futura mulher, Francesca, pelo sul da Bahia.
Descobrir Trancoso foi a materialização de um sonho: a paisagem maravilhosa, a tranquilidade de um legítimo vilarejo de pescadores, o luar que batia no Quadrado – ainda cheio de moradores –, o céu mais azul que já tinha visto, o sorriso e o afeto do baiano, uma natureza exuberante e delicada. Trouxe como souvenir a escritura de compra de uma casa no Quadrado. Alguns anos depois, comecei a sentir que o local pouco a pouco se transformava, mesmo sem perder seu fascínio e poesia. Uma amiga emigrava desse quadrilátero e nos convenceu a ser sua vizinha numa pequena colina a poucos quilômetros da praça mais bonita do mundo e de frente a uma delicada baía na preservada praia de Itapororoca.
Seduzidos pela vista do mar e da natureza selvagem, compramos esse pequeno terreno. Em poucos meses, esboçamos a casa e começamos a construir, partindo de um conceito de beleza imperfeita: materiais simples e acabamentos rústicos e toscos, tentando seguir ao máximo a identidade local.
  (Foto: Fernando Lombardi)
A madeira é o carro-chefe desta casa, um elemento que amo, pois é um material impregnado de emoção, sensível ao tato, à visão, ao olfato e à audição. O piso foi feito com tábuas de demolição vindas do interior de Minas e o revestimento do telhado de taubilhas – telhas artesanais, fatiadas uma a uma no machado, reaproveitando sobras de madeiras – foi recuperado na região. As portas e os portais internos foram trazidos de São João del-Rei, eram de uma casa de fazenda e carregam o desgaste da pintura e da matéria imposto pelo tempo. Por toda a volta, um grande deque de tatajuba emoldura a construção e cria um enorme pátio externo com vista para o mar.

Com poucos muros e a entrada dos coqueiros, do céu azul e do horizonte do mar pelas grandes portas de vidro de correr, a casa, mesmo sem nenhum objeto, já estava praticamente decorada. Fomos, então, buscar móveis com uma pátina antiga, de inspiração popular brasileira, um
 shabby chic tropical, com fortes sotaques baiano e mineiro.Construir com mão de obra nativa não foi só uma questão moral ou social, mas também uma interminável fonte de inspiração. Trabalhei somente com artesãos locais, explicando de maneira muito genérica minhas ideias e necessidades e deixando que a habilidade, a sensibilidade e a intuição desses verdadeiros artistas anônimos fluíssem espontaneamente. O resultado foi uma revisitação do rústico sem que o meu background visual, adestrado principalmente na Europa, assumisse o controle sobre esse gosto estético nativo. 
Nossa casa tem o que chamo de “memória tátil”: cada objeto carrega consigo um pedaço de história. Placas, bandeiras, fotografias, capas de disco de vinil, máquinas fotográficas em desuso, relicários, livros, ferramentas antigas... São elementos resgatados ou reciclados, recordações, garimpos de lugares por onde passamos, peças que representam até mesmo vidas que gostaríamos de ter vivido ou culturas que nos atraem fortemente. Aqui, a corrosão do tempo, o desgaste dos materiais, a ferrugem e a irregularidade do acabamento foram promovidos de defeitos a virtude.
* Matéria publicada em Casa Vogue #333 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)
  (Foto: Fernando Lombardi)

  (Foto: Fernando Lombardi)

  (Foto: Fernando Lombardi)

  (Foto: Fernando Lombardi)

  (Foto: Fernando Lombardi)

  (Foto: Fernando Lombardi)

  (Foto: Fernando Lombardi)

  (Foto: Fernando Lombardi)

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