domingo, 16 de junho de 2013

Quem são os manifestantes que pararam as grandes cidades do país


De onde vêm, o que querem e como agem os jovens que foram às ruas protestar contra o aumento das passagens do transporte público

ALBERTO BOMBIG E VINÍCIUS GORCZESKI (TEXTO), IGNACIO ARONOVICH (FOTOS)

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Participantes do protesto contra o aumento das tarifas no transporte público de São Paulo (Foto: ÉPOCA)
>>Este texto faz parte da edição de ÉPOCA desta semana. Na revista que chega às bancas no fim de semana, saiba mais sobre esses jovens.
Quinta-feira à noite na cidade de São Paulo. Bares, restaurantes e casas noturnas costumam fazer de alguns bairros paulistanos referências mundiais de entretenimento noturno, numa prova de que a capital paulista não dorme. Quando o paulistano não trabalha, está se divertindo. Tal organismo pulsante de luz e vida tem uma medula, a Avenida Paulista. Às 22 horas da última quinta-feira, dia 13, o mais conhecido cordão de asfalto da cidade estava silencioso, tomado por uma fina névoa de gás lacrimogêneo. Como no início do século passado, cavalos percorriam a via pública em galope desabalado. Talvez como sinal dos tempos, os animais eram comandados por integrantes do Regimento de Cavalaria 9 de Julho da Polícia Militar. Junto dos batalhões de choque, da Força Tática e da Rota, a cavalaria expulsava quem tentasse passar pela avenida. A Paulista se transformara numa zona militarizada. A PM reafirmava sua autoridade, após umviolento confronto com militantes do Movimento Passe Livre (MPL), que fazia seu quarto protesto contra o aumento da passagem de ônibus na cidade neste mês.
Capa - Edição 786 (Foto: ÉPOCA)
Os manifestantes, jovens em sua maioria, haviam chegado à Paulista por volta das 21 horas em três grupos – pelas ruas Augusta, Haddock Lobo e Bela Cintra. Vinham do centro de São Paulo, empunhando cartazes contra a elevação de R$ 3 para R$ 3,20 nas tarifas de transporte público. Como se comemorassem a conquista de campeonato de seu time do coração, cena comum para o local, entoavam ataques ao prefeito Fernando Haddad (PT), ele mesmo um militante estudantil em seus tempos de aluno de Direito na Universidade de São Paulo, nos anos 1980: “Dança, Haddad, dança aqui até o chão; aqui é o povo unido contra o aumento do busão”. Motoristas e pedestres assustados tentavam correr dos manifestantes. Carros pegavam a contramão na movimentada avenida, em sinal de pânico. Dois dias antes, outro protesto deixara um rastro de destruição, com estações de metrô e pontos de ônibus depredados – além de agências bancárias.  
Pouco antes do protesto de quinta-feira, a Polícia Militar de São Paulo, subordinada ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), decidira que, em hipótese alguma, permitiria que o protesto chegasse mais uma vez à Paulista. “Eles (manifestantes) tinham concordado com esse entendimento”, disse Alckmin ao explicar a ação violenta de policiais para interromper o protesto. Se concordaram, mudaram de opinião. A presença na Paulista foi claramente definida por integrantes do movimento como um objetivo a atingir. Alckmin tomou a decisão de ser duro na repressão em comum acordo com Haddad e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, numa rara união entre autoridades tucanas e petistas. Juntos, eles também decidiram não recuar em relação ao novo preço da tarifa de transporte, implantado no último dia 2 e válido para ônibus, metrô e trens da capital. A inusitada parceria dos adversários políticos é um sinal da surpreendente força adquirida pelos protestos e seus organizadores, o Movimento Passe Livre. 
Criado em 2005, por jovens num acampamento do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o MPL se diz independente de partidos políticos – mas se escora em alguns. Organiza-se por meio de redes sociais na internet, e alguns de seus membros defendem princípios anarquistas. Dizem lutar por transporte público gratuito e de qualidade para a população. Uma das principais bandeiras é a migração do sistema de transporte “privado” para um sistema gerido diretamente pelo Estado, com a garantia de acesso universal a qualquer cidadão, por meio do “passe livre” – o fim de cobrança de tarifa.
O apelo das autoridades para que suas reivindicações sejam apresentadas de modo pacífico, pelos canais democráticos tradicionais, não surtiu efeito até agora. O ativismo do MPL envolve ação direta, na rua. “A única maneira é parar o trânsito”, diz a estudante de letras da Universidade de São Paulo (USP) Raquel Alves, de 20 anos, militante do MPL. “Infelizmente, o vandalismo e a violência são necessários, para que apareça na mídia. Se saíssemos em avenidas gritando musiquinha, ninguém prestaria atenção.”
O MPL se inspira nos movimentos de jovens que nos últimos anos tomaram espaços públicos no Oriente Médio, na Europa e nos Estados Unidos. A ampla maioria dos militantes já nasceu num regime democrático, portanto não precisa lutar pela democracia, como os militantes da Primavera Árabe. Assemelham-se mais aos americanos do Occupy Wall Street ou aos envolvidos nos tumultos que marcaram capitais europeias, como Londres ou Madri em 2011. Todos protestam em meio ao que chamam de “crise do capitalismo”.
O antropólogo anarquista David Graeber, um ex-professor da Universidade Yale que se transformou em guru dessa juventude, afirma que o Occupy Wall Street se caracterizava pela recusa de lideranças tradicionais. Por oposição a partidos políticos ou organizações hierarquizadas – chamadas, no jargão dos ativistas, de “verticais” –, ele postulava um movimento sem hierarquia – “horizontal”. O protesto começou num pequeno parque no distrito financeiro de Manhattan e chegou a mobilizar milhares de pessoas que, inicialmente, culpavam o sistema financeiro pela crise econômica. Protestos eram marcados pela internet. Decisões eram tomadas em assembleias. Havia liberais e todo tipo de esquerdista. Analistas viram no Occupy Wall Street uma espécie de ressurgimento de ideais anárquicos, tanto na forma de organização como na rejeição às instituições. Embora seja diferente na forma, o MPL guarda semelhanças, na atitude, com essa nova linhagem de ativistas do século XXI. “Os jovens não estão apáticos como em décadas anteriores”, diz Gabriel Medina, coordenador de Juventude da prefeitura de São Paulo. Ex-coordenador da Juventude do PT, até há pouco tempo próximo ao MPL. 
O aumento das passagens em São Paulo e no Rio de Janeiro deveria ter acontecido no início do ano. Foi adiado seis meses, para atender a um pedido da presidente Dilma Rousseff, preocupada com a alta dos preços. Quando veio, ficou abaixo da inflação. Desde o aumento da tarifa de 2011, a inflação foi de 15,5%, o que justificaria um aumento maior que os 6,7% de São Paulo. Desde 2003, a inflação acumula alta de 81,7% – ante 88,2% de aumento da tarifa em São Paulo e 182,5% no salário mínimo.
Os números não sensibilizaram o MPL, cuja cartilha de protestos mistura técnicas das recentes ocupações no exterior a preceitos clássicos de guerrilha urbana. Entre os manifestantes presos pela PM na última semana, alguns portavam coquetéis molotovs e até facas. “Fechar as ruas com fogueiras e barricadas não fomos nós que inventamos”, disse a ÉPOCA o manifestante Marcelo (nome fictício). “Somos de um grupo de anarquistas e punks e pegamos carona para protestar contra tudo o que está aí”, afirmou mais tarde, logo após depredar um ônibus. 

Os integrantes do MPL negam ter líderes. Planejar os protestos e falar com a imprensa são funções restritas a um pequeno grupo, que não revela onde se reúne. “É mais presencialmente do que pela internet”, diz Mayara. As decisões centrais são repassadas aos demais e divulgadas por meio de redes sociais na internet. Apesar de se dizer apartidários, vários de seus adeptos do MPL defendem ideias revolucionárias e de esquerda. Na última manifestação, havia dezenas de representantes de partidos políticos, como PCO, PSTU ou PSOL. 
A passeata de quinta-feira partiu do Theatro Municipal, no centro histórico paulistano. A organização estava sob a liderança de Mayara Longo Vivian, de 21 anos, uma estudante de geografia da USP. Ela usava três celulares ao mesmo tempo para definir os rumos do protesto. ÉPOCA testemunhou Mayara receber uma notícia: o grupo decidira seguir até o Parque do Ibirapuera, em vez de encerrar o protesto no local definido com a PM: a Praça Roosevelt. “Nós (o MPL) somos cerca de 15 pessoas. Não temos controle de tudo. Como estava pacífico, percebemos que daria para ir até lá (Ibirapuera)”, disse Mayara, um dia depois do protesto. Não deu. Após uma frustrada tentativa de negociação com a PM, a tropa de choque lançou bombas de efeito moral e gás lacrimongêneo. Os confrontos que se seguiram deixaram dezenas de feridos, entre eles jornalistas, atingidos por bombas e balas de borracha lançadas por policiais.  
Na quinta-feira, ações semelhantes tomaram os centros do Rio de Janeiro e de Porto Alegre. No Rio, o elo com o MPL é feito por meio da central sindical Conlutas, ligada ao PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado). Ela patrocina greves e tem dado dor de cabeça a petistas, tucanos e peemedebistas. O PSTU ajudou a convocar o protesto no centro do Rio, que tomou a avenida Rio Branco. Os manifestantes gritavam slogans contra o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, do PMDB. O governador Alckmin diz não acreditar na independência do MPL. “É uma minoria, que faz trabalho político.”
Até a semana passada, o Palácio do Planalto pouco sabia sobre o MPL. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não antecipara à Presidência da República que poderiam ocorrer novas manifestações, muito menos com tamanho grau de virulência. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determinou que a Polícia Federal acompanhasse o caso. A presidente Dilma preferiu ficar distante. O MPL promete mais barulho. Se suas ações não forem motivadas apenas pelo aumento das passagens de ônibus, ela talvez tenha de rever sua decisão. 

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