Revista Época
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Até demorou. Não se dizia que os brasileiros eram passivos demais, sem consciência política? Um povo inebriado por futebol, Carnaval e cerveja, que só se aglomerava em show, bloco e passeata gay ou evangélica? Agora, uma fagulha, o aumento das tarifas de ônibus, incendiou multidões. São especialmente jovens. Como em qualquer lugar do mundo. Entre os que protestam pacificamente com flores na mão, há os vândalos que, rindo e xingando, depredam o patrimônio, quebram lojas, incendeiam ônibus. Alguma novidade? Sempre foi exatamente assim, em Paris, Londres, Buenos Aires ou Istambul.
Os excessos devem ser repudiados, os vândalos detidos. Mas a reação truculenta das tropas de choque e as declarações de prefeitos e governadores de todos os partidos mostram algo preocupante: o poder – no Brasil, como na Turquia – não faz a menor ideia de como coibir com eficácia protestos que resvalem para a violência. Policiais e políticos igualam-se aos arruaceiros na ignorância, tornam-se delinquentes por trás de armaduras e gravatas, tacham de ilegítimas todas as manifestações, não param para escutar, entender ou negociar. O resultado é este: cidadãos encurralados na volta do trabalho, crianças atemorizadas. Os jornalistas são feridos pela polícia com balas de borracha, bombas de gás e spray de pimenta nos olhos. São coagidos e xingados por jovens mascarados e desinformados.
Os preços sobem, a inflação está em alta, os impostos absurdos não revertem em saúde, moradia, transporte e educação para a população, os empregos para a juventude começam a minguar, as empresas demitem em massa sem repor vagas. A presidente Dilma diz que a economia está sob controle. A farra nos Três Poderes continua. Ninguém aperta o cinto de couro em Brasília. O noticiário continua coalhado de mordomias no Legislativo, Judiciário e Executivo.
Os excessos devem ser repudiados, os vândalos detidos. Mas a reação truculenta das tropas de choque e as declarações de prefeitos e governadores de todos os partidos mostram algo preocupante: o poder – no Brasil, como na Turquia – não faz a menor ideia de como coibir com eficácia protestos que resvalem para a violência. Policiais e políticos igualam-se aos arruaceiros na ignorância, tornam-se delinquentes por trás de armaduras e gravatas, tacham de ilegítimas todas as manifestações, não param para escutar, entender ou negociar. O resultado é este: cidadãos encurralados na volta do trabalho, crianças atemorizadas. Os jornalistas são feridos pela polícia com balas de borracha, bombas de gás e spray de pimenta nos olhos. São coagidos e xingados por jovens mascarados e desinformados.
Os preços sobem, a inflação está em alta, os impostos absurdos não revertem em saúde, moradia, transporte e educação para a população, os empregos para a juventude começam a minguar, as empresas demitem em massa sem repor vagas. A presidente Dilma diz que a economia está sob controle. A farra nos Três Poderes continua. Ninguém aperta o cinto de couro em Brasília. O noticiário continua coalhado de mordomias no Legislativo, Judiciário e Executivo.
O jornalista Zuenir Ventura um dia cunhou a expressão Cidade Partida para se referir à divisão entre asfalto e morro, no Rio de Janeiro. Hoje, está claro que vivemos num País Partido. O Brasil dos que produzem e trabalham quase cinco meses só para pagar impostos... e o Brasil dos que mamam nas tetas do Estado, com aposentadorias vitalícias polpudas e múltiplas, e ainda têm a cara de pau de discutir o rombo da Previdência. É corrupção, nepotismo, promiscuidade, formação de quadrilha nas altas esferas, desmoralização dos sindicatos que se lambuzam com o melado federal. A casta superior do País Partido insiste em ignorar o sentimento de vulnerabilidade da população assalariada.
Com a ditadura, o Brasil se desacostumou a conviver com manifestações e greves. Tudo vira sinônimo de anarquia. Estava em Londres em 1979, no “winter of discontent”, o inverno da insatisfação, que encheu a cidade de lixo e mau cheiro e derrubou os trabalhistas, abrindo o caminho para Margaret Thatcher. Trafalgar Square equivale simbolicamente à Praça Taksim, de Istambul – mas com os bobbies (policiais ingleses) protegendo os manifestantes.
Estava em Paris no outono de 2005, quando jovens da banlieue (a periferia) invadiram a Rive Gauche e saíram quebrando tudo, em protesto contra a situação de jovens imigrantes nos subúrbios. Foram 19 noites de distúrbios na França, 9 mil carros queimados, 3 mil jovens presos. Essa revolta saiu de controle. A “manif” já faz parte da cultura parisiense – quase como a praia no Rio de Janeiro e o restaurante em São Paulo. Não há fim de semana em que avenidas não sejam bloqueadas por protestos. As tropas de choque se organizam, com o objetivo de garantir a passeata, e não de fomentar a violência.
No Brasil, o Movimento do Passe Livre é o estopim, ou a parte visível de um descontentamento que não pode ser minimizado. O péssimo serviço de ônibus, metrôs e trens, aliado a aumentos nas passagens, é, sim, revoltante. Ouvir de Sérgio Cabral, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad que os protestos “têm motivação política” causa risos. É lógico que protestos sejam políticos. Não existe crime nisso. Ouvir das autoridades que os manifestantes são mauricinhos causa desconforto. É preciso ser prostituta para defender os direitos da classe nas ruas? É preciso ser povão para protestar contra a indignidade dos trens?
Torço para que os manifestantes expulsem de suas alas os marginais que aterrorizam exatamente aqueles que mais se servem do transporte público. Espero que os governos não mandem às ruas policiais despreparados, brutamontes e enraivecidos, que atacam pelo prazer da repressão. “Baderna é inaceitável”, diz Alckmin. Concordo. Mas os piores baderneiros são os armados pelo Estado. Deslizes policiais e insensibilidade governamental podem nos lançar ao caos.
Com a ditadura, o Brasil se desacostumou a conviver com manifestações e greves. Tudo vira sinônimo de anarquia. Estava em Londres em 1979, no “winter of discontent”, o inverno da insatisfação, que encheu a cidade de lixo e mau cheiro e derrubou os trabalhistas, abrindo o caminho para Margaret Thatcher. Trafalgar Square equivale simbolicamente à Praça Taksim, de Istambul – mas com os bobbies (policiais ingleses) protegendo os manifestantes.
Estava em Paris no outono de 2005, quando jovens da banlieue (a periferia) invadiram a Rive Gauche e saíram quebrando tudo, em protesto contra a situação de jovens imigrantes nos subúrbios. Foram 19 noites de distúrbios na França, 9 mil carros queimados, 3 mil jovens presos. Essa revolta saiu de controle. A “manif” já faz parte da cultura parisiense – quase como a praia no Rio de Janeiro e o restaurante em São Paulo. Não há fim de semana em que avenidas não sejam bloqueadas por protestos. As tropas de choque se organizam, com o objetivo de garantir a passeata, e não de fomentar a violência.
No Brasil, o Movimento do Passe Livre é o estopim, ou a parte visível de um descontentamento que não pode ser minimizado. O péssimo serviço de ônibus, metrôs e trens, aliado a aumentos nas passagens, é, sim, revoltante. Ouvir de Sérgio Cabral, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad que os protestos “têm motivação política” causa risos. É lógico que protestos sejam políticos. Não existe crime nisso. Ouvir das autoridades que os manifestantes são mauricinhos causa desconforto. É preciso ser prostituta para defender os direitos da classe nas ruas? É preciso ser povão para protestar contra a indignidade dos trens?
Torço para que os manifestantes expulsem de suas alas os marginais que aterrorizam exatamente aqueles que mais se servem do transporte público. Espero que os governos não mandem às ruas policiais despreparados, brutamontes e enraivecidos, que atacam pelo prazer da repressão. “Baderna é inaceitável”, diz Alckmin. Concordo. Mas os piores baderneiros são os armados pelo Estado. Deslizes policiais e insensibilidade governamental podem nos lançar ao caos.
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