sábado, 16 de fevereiro de 2013


CRÔNICA

Cartas de Buenos Aires: A cartografia de Cortázar

"Andávamos sem buscar-nos, mas sabendo que andávamos para encontrar-nos". No último dia 12, fez 29 anos da morte do autor desta frase. Julio Cortázar dava seu último respiro em Paris, deixando para trás um mundo de personagens de alma argentina que viajavam sem respeitar fronteiras.
Nascido “acidentalmente” na Bélgica, Cortázar viveu grande parte de sua vida entre Paris e Buenos Aires. Junto a Jorge Luís Borges, podem ser considerados os Beatles e os Rolling Stones da literatura argentina.
O escritor é um dos ícones do “boom literário latino americano”, como ficou conhecido o movimento de que participou e que traz à tona o inconsciente latino americano das décadas de 60 e 70 e tem como um dos marcos a novela de Cortázar “Rayuela”.
Publicamente apoia vários regimes de esquerda no continente, mas abstém-se de escrever novelas políticas. 
O autor dá nome a uma das praças mais boêmias do bairro de Palermo em Buenos Aires. E mais: parece ter deixado seu espírito nas mesas soturnas dos cafés da cidade.
“Quando eu deixo Buenos Aires (...) não sinto que vou embora de Buenos Aires, porque apenas chego a Paris e entro numa órbita de vida em que Buenos Aires está cotidianamente presente”.


Cidadão de duas cidades, como dois corações que dividem uma só aorta, Cortázar e sua obra transitam por Buenos Aires e Paris povoando-as de personagens que não sabem se sonham a vida ou se vida os sonha.
No último mês, “Rayuela” fez 50 anos de idade. Nela, as cidades servem de pano de fundo para uma amarelinha literária, um jogo de armar que requer a interação do leitor, um mundo que Cortázar descreve como um universo permeado por um “sentimento do fantástico”.
De uma infância melancólica no sul da província de Buenos Aires à magistratura aos 18 anos, Cortázar se firma na Argentina como um homem das letras até 1951 quando, desgostoso com o Governo de Perón, decide mudar-se para Paris, definindo irreversivelmente a cartografia de Cortázar.
Sonhador entre os sonhadores, admiradores costumam usar um dos próprios termos do autor para defini-lo. No mundo de Cortázar, onde o cotidiano era permanentemente reivindicado metafisicamente, os cronópios são seres desastrados, distraídos e idealistas.
“Quando os cronópios cantam suas canções favoritas, se entusiasmam de tal maneira que se deixam atropelar por caminhões e ciclistas, caem das janelas e perdem o conteúdo dos bolsos e também a conta dos dias”.
Entre os tesouros deixados pelo cronópio, está sua vasta biblioteca pessoal que acaba de ser digitalizada na Espanha. É um presente de cronópio para cronópios da era virtual.

Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha, antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald, mantém o blog Conexão Buenos Aires e não consegue imaginar seu ultimo dia na capital argentina. Estará aqui todos os sábados.

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