Ontem, às 08h33min, não foi possível manter o silêncio de um minuto para relembrar as 51 vítimas fatais do terceiro pior acidente ferroviário do país, o mais grave na capital, Buenos Aires. Os gritos, xingamentos, pedidos de justiça, lamentos e choros dos familiares interrompiam a cada segundo o momento solene.
A malha ferroviária argentina já foi uma das maiores do mundo, nos tempos em que o país era o eldorado agroexportador do continente. O país cresceu ao longo de seus trilhos e sua história poderia ser contada a partir de uma narrativa ferroviária.
A expertise francesa e inglesa, trazida na época, foi além das ferrovias e deixou marcas profundas na arquitetura e na cultura da nação. Essas ferrovias contam a história de um país erguido por imigrantes, sincretismos e desbravamentos.
Com o tempo, essa malha que trazia os produtos dos pampas ao porto de Buenos Aires foi agregando o serviço de trem urbano que crescia junto à metrópole, formando, de maneira definitiva, os seis ramos ferroviários do país. Uma opção diferente do Brasil que, na época de Kubitschek, decidiu pela abertura de rodovias em detrimento das ferrovias.
Na capital, logo após um incêndio que consumiu a estação central de Buenos Aires, que ficava onde hoje é a Casa Rosada, foram erguidas quatro estações de distribuição dessas linhas: Constituição, Once, Retiro e Chacarita.
Entre 1946 e 1948, as linhas ferroviárias, que tinham investimento europeu, foram estatizadas, permanecendo assim por mais de meio século, até a onda de privatizações instaurada pelo Governo Menem, que deu ao setor privado a concessão total do sistema. Uma decisão polêmica que teria suas consequências mais adiante.
No dia 22 de fevereiro de 2012, um trem da linha Mitre, que levava cerca de 1200 passageiros, a maioria para o trabalho, não conseguiu frear a tempo e entrou com tudo na barreira de proteção da estação Once.
Homenagem dos parentes em Once (Foto: Télam).
Dos primeiros vagões, amassados e incrustados uns nos outros, saiu a maioria da meia centena de mortos. Foram mais de 700 feridos na pior tragédia ferroviária da capital.
Crônica de uma morte anunciada? Muitos dizem que sim e agora, no banco dos réus, estão os donos da concessionária TBA, funcionários de alto escalão do Governo, além do maquinista que sobreviveu à tragédia. A acusação é mais antiga que a roda: a velha omissão, falta de fiscalização, desvio de verbas e sucateamento.
Uma pena, pois, de uma maneira geral e comparado a muitas cidades do Brasil, o transporte público em Buenos Aires funciona bem e esses trens mereciam outro lugar na História argentina.
Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires. Escreve aqui todos os sábados.http://conexaobuenosaires.wordpress.com/
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