COMENTÁRIO
Ameaçado por um câncer de pélvis, entregue aos cuidados de médicos cubanos e russos em um hospital de Havana, Hugo Chávez, presidente da Venezuela reeleito pela terceira vez no ano passado, deverá reassumir o cargo na próxima quinta-feira, dia 10. É o que manda a Constituição do seu país.
Se não o fizer, a vaga dele caberá ao presidente do Congresso. Que num prazo de 30 dias convocará nova eleição para a escolha em definitivo do sucessor de Chávez.
Na madrugada da última sexta-feira, em cadeia nacional de rádio e de televisão, Nicolás Maduro, vice de Chávez, anunciou que não será bem assim.
Digo eu: Chávez carece das mínimas condições para assumir o cargo em sessão da Assembleia Nacional (Congresso) ou do Supremo Tribunal de Justiça como determina a lei. São aparelhos que ainda o mantém vivo.
A hipótese de sua recuperação é remota. Só cogitam dela os que acreditam em milagres.
Maduro citou os artigos 231 e 233 da Constituição em socorro da extravagante tese de que Chávez está liberado para reassumir o cargo em outra data.
A Assembléia Nacional autorizou-o a se ausentar do país por um prazo de 90 dias. O prazo ainda poderá ser renovado por mais 90 dias.
"O formalismo da tomada de posse se resolverá no futuro", disse Maduro. Por fim, acusou a oposição de usar a saúde de Chávez para querer aplicar um golpe de Estado.
A Constituição não considera mero formalismo o ato de posse no dia 10 de janeiro. Nem dispensa o ato para quem eventualmente se reelegeu.
Diz o artigo 231: "O candidato eleito tomará posse do cargo de presidente da República em 10 de janeiro do primeiro ano de seu período constitucional, mediante juramento na Assembleia Nacional. Se, por qualquer motivo, não puder fazê-lo, o fará diante do Supremo Tribunal de Justiça".
Os "chavistas" enxergam no trecho final do artigo 231 a brecha para que Chávez tome posse "no futuro" diante do Supremo Tribunal de Justiça. A data de 10 de janeiro só valeria para a posse diante da Assembleia Nacional.
Se assim pensasse, o legislador o teria dito com clareza. Não o fez, porém. No artigo 233, estipulou as "faltas" ao dia da posse consideradas absolutas e capazes de provocar uma nova eleição presidencial:
* Serão faltas absolutas do presidente da República: sua morte, renúncia, destituição decretada por sentença do Supremo Tribunal de Justiça, incapacidade física ou mental permanente certificada por uma junta médica designada pelo Supremo Tribunal de Justiça e com aprovação da Assembleia Nacional, e o abandono do cargo, declarado como tal pela Assembleia Nacional, bem como a revogação popular de seu mandato.
Aqui os "chavistas" enxergam outra brecha favorável ao seu líder: a incapacidade física ou mental dele teria de ser permanente. E certificada por uma junta médica designada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
A Federação de Medicina da Venezuela constituiu uma comissão disposta a viajar a Cuba, examinar Chávez e atestar se é passageira ou permanente sua incapacidade física e mental.
O governo nem considerou a ideia. Para quê num país onde o presidente governa como um ditador? Ou é o ditador que governa como um presidente?
Em 2007, Chávez reformou a Constituição para ampliar seus poderes. O que ele propôs foi referendado mais tarde pela maioria dos venezuelanos.
Só era permitida uma reeleição. Agora, não há limites.
O presidente nomeia seu vice e pode dispensá-lo a qualquer momento.
O presidente nomeia os ministros do Supremo Tribunal de Justiça e pode dispensá-los quando quiser - ouvida a Assembléia Nacional onde ele tem folgada maioria.
Chávez estaria destinado a se eternizar na presidência se não fosse o câncer descoberto em meados do ano passado.
Desde então foi operado quatro vezes. Em segredo absoluto. Os venezuelanos desconhecem o verdadeiro estado de saúde de Chávez. Maduro foi obrigado a reconhecer que o estado é grave. E a pedir orações pelo enfermo.
O golpe em marcha na Venezuela nada tem a ver com a oposição. Que é fraca, fraquinha, e sem imaginação. Como a nossa.
Afinal, nas atuais circunstâncias, a quem interessa ignorar a Constituição para evitar uma nova eleição presidencial? Ou para postergá-la o máximo de tempo possível?
Os países do Mercosul, Brasil à frente, expulsaram dali o Paraguai depois do golpe que no ano passado derrubou o presidente Fernando Lugo.
Um golpe relâmpago, que durou menos de 48 horas, avalizado pela Justiça e por todos os partidos, inclusive o de Lugo. Um "golpe legal".
Não tem vez no Mercosul para país sujeito à ruptura da ordem democrática, proclamou a presidente da Argentina.
Saiu o Paraguai e no lugar dele entrou a Venezuela.
E agora? Como ficará?
Ou o Brasil e seus sócios fingirão que a ordem democrática segue sendo preservada na Venezuela?
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