Fábio Scliar, O Globo
Quando pensamos que já não há mais o que ver de degradante em relação à política, eis que o pós-eleições de 2012 nos surpreende com uma nova prática para demonstrar que, mesmo que já estejamos no fundo do poço, é possível cavá-lo ainda mais.
Os campeões da política de quatro ou oito anos atrás, confrontados com os resultados das urnas que repudiaram sua presença ou de seus indicados por mais tempo no comando de algumas prefeituras, e graças a Deus em algumas apenas, simplesmente abandonam a cidade à sua própria sorte, deixam vencer contratos, suspendem pagamentos e se recusam a permitir os trâmites necessários para a transição dos próximos prefeitos e seus novos secretários.
O resultado é a transformação do município em lixeira pública pela falta de coleta de lixo, com graves danos ambientais e à saúde dos cidadãos, serviços hospitalares paralisados pela falta de pagamento às Organizações Sociais que contratam médicos, greves de servidores que não receberam salários, entre tantas outras consequências desastrosas para a população, que é quem paga o pato.
Sem dúvida é um novo estágio da sem-vergonhice de alguns políticos que se acham traídos pelo povo nas eleições e se vingam desta maneira sórdida, abandonando o compromisso de administrar a cidade, coisa que prometeram na data de suas posses (administrar bem já seria pedir demais).
A saída honrosa, elegante e civilizada dá lugar a um comportamento mesquinho e pré-histórico, algo como “vocês acham que estava ruim, agora é que vocês vão ver o que é bom para a tosse”, ou “agora vocês vão conhecer quem eu sou de verdade”.
Este novo degrau da calhordice só encontrará duas armas que o impeçam de ser regra daqui para a frente: a vontade popular e as atuações da Polícia e do Ministério Púbico.
A primeira arma é disparada pelo povo, que tem que guardar estes nomes no caderninho para que nunca mais voltem a ser vencedores em disputas eleitorais, mas têm que guardar na memória também os discursos chorosos dos prefeitos eleitos que reclamam deste comportamento nefasto para cobrá-los, daqui a quatro ou oito anos, se farão a mesma coisa com seus sucessores.
Em relação à Polícia, são tantos os crimes que podem advir desta prática que nem há como citá-los todos, mas é seguro falar em passeio pelo Código Penal e leis extravagantes (aquelas normas criminais que não estão contidas no Código Penal, mas em outras leis), além da criação de um ambiente muito fértil para qualquer investigação, eu diria até que é o ideal: empresas e funcionários públicos e privados que participavam de esquemas magoados uns com os outros; acusações recíprocas de responsabilidades; secretários e funcionários levando a culpa que é do prefeito e vice-versa, entre outros pontos.
É neste quadro que aparecem as melhores denúncias e dossiês que acabam esclarecendo muitos aspectos nebulosos da administração que ficou para trás, enterrada pelo povo.
O que dizer então de inquéritos civis e ações civis públicas a cargo do Ministério Público. Os elementos estão explicitamente configurados, e aqui há ainda a consequência da inelegibilidade, tão adequada para estes casos.
Talvez estes políticos entendam que a criação do caos é um tiro que pode sair pela culatra.
Talvez estes políticos entendam que a criação do caos é um tiro que pode sair pela culatra.
Fábio Scliar é delegado da Polícia Federal
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