segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Congresso entrega-se à preguiça, por Everardo Maciel



Impressiona muito o contraste entre a atitude assumida, neste final de ano, pelos congressistas norte-americanos e brasileiros.
Lá, os parlamentares se dispuseram a trabalhar, ininterruptamente, no mês de dezembro, (inclusive no dia 31) e em 1º de janeiro, buscando uma saída para o chamado “abismo fiscal” (fiscal cliff), com elevado potencial de efeitos perversos sobre o nível da atividade econômica mundial.
Ainda que não se tenha logrado uma solução definitiva para a complexa combinação de corte de gastos e de impostos, o episódio valoriza a responsabilidade dos parlamentares e, sobretudo, a capacidade de negociação entre o Executivo e o Legislativo daquele país, sob a égide do consagrado princípio da harmonia e independência dos poderes.
Aqui, depois do prolongado recesso branco associado às eleições municipais, os senadores e deputados optaram por desfrutar das tradicionais férias de fim de ano que se prolongam até o início de fevereiro, sem que deliberassem, dentre inúmeras matérias relevantes, sobre o orçamento para 2013 e os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, malgrado todos saberem que os recursos desse fundo constituem fonte indispensável para financiamento dos gastos da esmagadora maioria dos Estados.
O que houve com o Congresso Nacional? Decidiu abdicar do exercício de suas funções constitucionais?
Mesmo em épocas difíceis, o Congresso jamais renunciou às suas responsabilidades. Ainda que desfalcado, nos governos militares, pela cassação de ilustres membros, novas gerações de parlamentares mantiveram o legado de combatividade, exercendo honradamente a atividade política na sua expressão mais nobre.
Paradoxalmente, a abertura democrática, que sucedeu os governos militares, e a Constituição de 1988 concorreram para o enfraquecimento da atividade parlamentar.
Em 1985, as novas bases de apoio governamental promoveram uma assustadora fúria fisiológica, privilegiando-se a filiação partidária em detrimento da habilitação técnica, cuja competência gozava de reconhecimento internacional.
Perdeu-se a compostura. A cobiça atingiu limites escandalosos, levando à criação de tantos cargos quantos fossem necessários para saciar a sede fisiológica. Era a pré-estreia do atual império do fisiologismo e aparelhamento.
A Constituição de 1988 introduziu institutos concebidos para uma pretensão de governo parlamentarista. Prevalecendo a tese presidencialista, esses mesmos institutos se converteram em armas contra o próprio Parlamento, a exemplo das Medidas Provisórias com força de lei.
O mais grave é que, com o passar do tempo, as Medidas Provisórias aumentaram sua toxicidade política, sendo utilizadas para tudo, desde a alteração do orçamento e das leis de diretrizes orçamentárias até a majoração de tributos, daí passando para verdadeiras colchas de retalho, recheadas pelos “contrabandos” dos projetos de lei de conversão.
O novo regime, introduzido pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, estabelecendo o travamento das pautas legislativas até a votação das Medidas Provisórias editadas, infelizmente serviu apenas para paralisar de vez a atividade legislativa.
A boa intenção do legislador constitucional sucumbiu ante a prosaica indisposição para o exercício da prática legislativa.
A exigência constitucional do prévio exame dos requisitos de relevância e urgência das Medidas Provisórias, absurdamente, foi afastada por uma manobra regimental, no Congresso. Foi necessária a intervenção do STF, em decisão recente, para restabelecer essa trivial exigência.
Consolidou-se, dessa forma, a transferência da capacidade de legislar para o Poder Executivo, que dispõe ainda do recurso ao veto com poder de fulminar as parcas proposições do Legislativo.
De fato, não bastasse a exigência de quórum qualificado para sua derrubada, na prática, só remotamente os vetos são apreciados.
É espantoso constatar que existem mais três mil vetos na fila há mais de doze anos, a despeito de a Constituição prescrever prazo de trinta dias para sua apreciação pelo Congresso.
É o reinado da preguiça. O Congresso perdeu o gosto pela produção de leis, propiciando, inclusive, um crescente ativismo do Judiciário para suprir a mora legislativa.
A poder de fiscalização do Congresso foi garroteado pelo boicote à convocação de autoridades e pela farsa das CPIs, apequenadas pela maior capacidade investigatória dos órgãos especializados e pelo silêncio dos investigados, com base em direito sufragado pela Constituição.
O que sobra para o Congresso? Elevar verbas de representação, indicar apaniguados para funções públicas, cumprir os formalismos para aprovação de indicados para os cargos de ministros de tribunais, embaixadores e diretores de agências e, por fim, fazer o jogo das emendas parlamentares – fonte inesgotável da corrupção política. Eventualmente, se escutam protestos.
Os brasileiros cultivam grande apreço por reformas. Elas satisfazem o desejo de mudar e têm tamanha indeterminação que atendem a todas as vontades. A imprecisão do ânimo reformista não significa, contudo, negação dos problemas que pretende enfrentar. Usualmente, falta projeto.
A Reforma Política, por exemplo, a despeito de sequer lograr sua dimensão eleitoral, deveria, para ser eficaz, ambicionar a Reforma do Legislativo, abrangendo a revisão do instituto das Medidas Provisórias, a reconstrução do sistema orçamentário, a fixação de exigências para o provimento de cargos públicos, etc.
Essa tarefa, entretanto, requer o concurso de estadistas – espécie em extinção na política brasileira.

Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal

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