sábado, 26 de janeiro de 2013

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Vinicius de Moraes, 100 anos



CARLOS VIEIRA
- Acredita na responsabilidade do poeta para com sua época?
-Claro. Sobretudo com relação aos jovens. Não sei se perfeita ou imperfeitamente, acho que deixei minha contribuição à literatura do meu tempo, do meu país. Um poema como “O Operário em Construção”, por exemplo, é uma contribuição. Não sou um ser particularmente político, porque não tenho vocação. Sou um cara de esquerda e devo carregar o ônus de ser um cara de esquerda num mundo de direita. Um mundo tão injusto... 
(Entrevista de Vinicius à Edla van Steen.)
Apaixonado, amoroso, outro “poeta gauche” da nossa Literatura; romântico, tenebroso, generoso, simples, um homem da rua, dos bares, da praia e das rodas de samba.” O branco de alma mais preta do Brasil”, como se dizia, o único; avesso à gravata e ao ideal do funcionário público esperando a aposentadoria para viver a vida.
Vinicius é corpo, corpo trêmulo de gritos de amor e de protesto. Amante, sempre e sempre, a ponto de afirmar um dia ao responder à pergunta de Edla: namorar, para você, significa tanto? Significa tudo. Eu sou muito mais sensual do que sexual. O namoro é mais importante do que a trepada. Todo o envolvimento, a beleza, a coisa... Trepar é ótimo, mas é uma espécie de ponto final, né? Namorar é que é bom. Sou vidrado no erotismo, sabe? 
Esse ano, em 19 de outubro Vinicius faria cem anos. Aliás, outro dia, Rubem Braga, um dos nossos maiores cronistas, também fez cem anos. Tão lírico quanto Vinicius! A Feira de Parati irá comemorar os 120 anos de Graciliano Ramos. Enfim, quanta homenagem, caro leitor, a homens que deixaram uma obra poética, literária, com profundo sentido social também. E é a isso que vou me referir hoje. Não ao “poetinha” Vinicius, que de poetinha nada tinha além do apelido afetivo. Foi, e é um dos nossos grandes poetas românticos e modernos. 
Minha inspiração nasceu após ler um belo livro – “O Traço, A Letra E a Bossa, Literatura e Diplomacia em Cabral, Rosa e Vinicius”, livro de Roniere Menezes, lançado pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais em 2011. O livro é uma versão, com algumas modificações, da sua tese de doutorado em Literatura Comparada. É daí que extraio meu improviso para mostrar e homenagear Vinicius, como um pensador social, um homem que também conheceu Os Sertões desse nosso país, assim como Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto. 
“O olhar para baixo, para o simples sertanejo, remodela a percepção do poeta e possibilita-lhe a construção de um pensamento mais terno em relação ao Brasil. O homem comum, a arte popular, os ambientes periféricos passam a ser o objeto da sua literatura”, frisa Roniere em seu livro. 
Fica claro e evidente no texto citado, que Vinicius de Moraes teve uma profunda transformação na sua maneira de ver um Brasil para ele era desconhecido. Acompanhado de escritor Waldo Frank, escritor norte americano de linha socialista, o nosso poeta conhece o Nordeste e o Norte do Brasil. Toma contato com um Brasil bem diferente das grandes cidades do sul, que não ostenta a vida burguesa da vida carioca e paulistana. Agora, a miséria, a fome, o sertanejo, as opressões dos Coronéis e a gritante diferença das classes sociais não pararia de sangrar no coração apaixonado, romântico e idealista de Vinicius. Roniere cita o poeta:”Tenho a impressão de que, de repente, descobri que tudo era besteira. Tomei conhecimento da realidade brasileira. E quando terminei a viagem, tinha mudado completamente a minha visão política... “Quando vi, ao lado de Waldo Frank, a terrível realidade brasileira do Nordeste e Norte do Brasil, (...) em questão de um mês dei uma guinada tão violenta para o outro lado que só mesmo a madurez e a experiência deveriam depois colocar em seus termos de equilíbrio.” 
O “Sertão” de Vinicius de Moraes passa a ser então, as favelas, os marginalizados, a angústia de sobrevivências das prostitutas, os meninos de rua e a miserabilidade das favelas da cidade grande, o Rio de Janeiro. Escreve Roniere:”O distanciamento de Vinicius em relação ao espaço em que transitava desde a infância possibilita-lhe um aprendizado profundo sobre o Brasil... Vinicius encontra sua alma brasileira na periferia nordestina, lapida-a nas boates de jazz dos Estados Unidos e de Ipanema. Mescla essas influencias às advindas de suas andanças pelas favelas do Rio de Janeiro... Assinala ser a arte incapaz de salvar o homem: pode, contudo, produzir outro homem, mais gentil e respeitoso para com o próximo. Nesse contexto, refere-se a Carlos Drummond e a Manuel Bandeira, este, a quem afetivamente Vinicius sempre o chamava de “seu pai”. 
É esse o Vinicius que quero mostrar ao leitor; não o nosso poeta das canções e poemas amorosos e românticos, mas um homem que como toda pessoa sensível, apaixonada, inquieta e sofrida, nasce com a “angústia existencial” da compaixão pela condição humana marginalizada. 
“Orfeu da Conceição”, “A Rosa de Hiroxima”, “Balada do Mangue”, “Valsa á mulher do povo”, Lavadeiras dos Subúrbios”, e tantas outras obras do nosso poeta, atestam que, além de boêmio, homem de mil paixões e nove casamentos, do músico e letrista de canções eternas, do “diplomata sem gravatas”, esse poeta maior deixou em sua literatura um “canto de guerra” ás Injustiças Sociais e uma esperança de um Brasil mais justo socialmente. 
Deixo com o leitor, versos de alguns poemas, nessa homenagem: 

“...Não posso/ Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro./ Contem-lhe que há milhares de corpos a enterrar.../ Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo./ E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo/ A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo/ Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema.../ Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, e voltado para todos os caminhos/ Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.” ( A Rosa de Hiroxima ). 

“...Pobres flores gonocócicas/ Que à noite despetalais/ As vossas pétalas tóxicas!/ Pobre de vós, pensas, murchas/ Orquídeas do despudor/ Não sois Loelia tenebrosa/ Nem sois Vanda tricolor:/ Sois frágeis, desmilinguidas/ Dálias cortadas ao pé/ Corolas descoloridas/ Enclausurada sem fé,/ Ah, jovens putas das tardes/ O que vou aconteceu/ Para assim envenenardes/ O pólen que Deus vos deu.” ( Balada do Mangue ). 
Caro Vinicius de Moraes, li num conto de Mia Couto, “ A viagem da cozinheira lacrimosa” que sei, gostaria de conhecê-lo, um coisa assim: “Pisara um chão traiçoeiro e subira pelas as alturas para esses lugares onde deixa a alma e se trazem eternidades.”
SARAVÁ, MEU POETINHA!!!
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London. 

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