Jessica Elgot (The Huffington Post)
Para um dos maiores especialistas mundiais em militantes islamistas no Sahara, a crise dos reféns na Argélia pode ter sido ‘serviço interno’, aprovado pelos serviços de inteligência da Argélia, que acabou dando errado.
O professor Jeremy Keenan, da Escola de Estudos Orientais e Africanos, disse ao The Huffington Post na Inglaterra, que o Batalhão “Assinado em sangue” de Mokhtar Belmokhtar sempre manteve laços muito próximos com os serviços secretos da Argélia, apesar de Belmokhtar ter sido oficialmente “condenado à morte”, in absentia, naquele país.
Para o professor Keenan, é “quase impossível” que militantes armados atravessassem, sem serem vistos, os quase 2.000 quilômetros de deserto, se não tivessem autorização tácita para avançar.
“O deserto é pontilhado de postos de segurança militares. Teria sido impossível passar por todos eles. E o campo de gás In Amenas era um dos locais mais fortemente protegidos em toda a Argélia. Apesar disso, aqueles homens chegaram até lá e entraram. É preciso explicar como isso aconteceu.”
O professor Keenan lembra que havia muita especulação segundo a qual os serviços de inteligência da Argélia estariam planejando um ataque terrorista de pequenas proporções, para chamar a atenção do ‘ocidente’ para as repercussões de uma ação militar no Mali.
Mas, depois que o governo da Argélia autorizou a força aérea francesa a usar o espaço aéreo da Argélia para bombardear o Mali, o grupo de Belmokhtar virou-se contra os argelinos.
“Não há mais dúvidas de que os serviços de segurança planejaram um pequeno ataque terrorista, a ser levado a cabo por eles, não por algum terrorista, para assim criarem uma situação na qual pudessem dizer ao resto do mundo ‘nós bem que avisamos: se vocês atacarem o Mali, o terror atacará em toda a região. Temos razão e podemos controlar a região.’ Verdade é que os serviços de segurança há vinte anos organizam esse tipo de falso ataque terrorista naquela região.
ERRO DA ARGÉLIA
O regime argelino é altamente dissimulado e esse tipo de ação é bem típica deles. Acho que um grupo recebeu autorização para atravessar o país, porque os serviços de segurança da Argélia imaginaram que haveria ‘coisa pequena’, uns poucos tiros contra um ônibus ou um posto policial, coisa desse tipo.
Assim se consegue explicar por que foram liberados para cruzar o país. Mas acho que o feitiço virou contra o feiticeiro: os terroristas voltaram-se contra os serviços de segurança da Argélia e golpearam furiosamente, forte e fundo, a própria Argélia.”
Para o professor Keenan, o grupo que atacou é, quase com certeza, comandado por Belmokhtar, também conhecido como o “Príncipe Caolho”. Belmokhtar foi dado por morto ano passado (teria sido assassinado por grupos rebeldes do norte do Mali), mas reapareceu agora, numa vídeomensagem em que assume a responsabilidade pelo ataque no Mali.
Os especialistas creem que o ataque ao campo de gás foi longamente planejado ao longo de vários meses antes do início da ofensiva francesa contra o Mali.
“Sabe-se que Mokhtar Belmokhtar deixou o Mali há duas ou três semanas. É perfeitamente possível, portanto, que tenha liderado a ação: é o estilo dele, são os mesmos meios que costuma mobilizar, vê-se a marca de sua longa experiência, conhece como ninguém aquele território. Tenho certeza de que não está lá pessoalmente. Mas não há dúvida de que são seus homens”, diz o professor Keenan:
Muitos, na Argélia, entendem que o governo traiu o país, ao autorizar a França a usar o espaço aéreo argelino para alcançar o Mali. O grupo que atacou a usina está sendo elogiado. Tenho conversado com contatos meus na Argélia. Todos estão absolutamente furiosos.
SEM ESCOLHA…
Os argelinos de fato não tiveram escolha. Em nenhum caso poderiam dizer ‘não’ à França. Mas o governo, simultaneamente, faz muita propaganda antiocidente pela televisão. Assim mantém ‘a rua’, pode-se dizer, satisfeita. Mas, por trás dos panos o governo argelino trabalha ‘dos dois lados’. Agora, afinal, o povo parece estar percebendo.
Suspeito que haverá reação monumental contra o governo. Reação ‘da rua’ argelina. Não há quem não tenha suspeitas sobre o que realmente aconteceu ali. Muitos se convencerão que foi ‘trabalho interno’. E muitos outros sentirão que o serviço de inteligência fracassou e não impediu a entrada de grupos terroristas no país deles. Que provocaram dano ao país.”
Para o professor Keenan, o ataque terrorista terá efeito descomunal, no longo prazo, na política de toda a região. Os efeitos aparecerão já muito depois de os reféns resgatados terem deixado o país.
“A resposta da Argélia parece ter sido de extraordinária fúria, de arrogância cega. Entraram com muita força, porque, de fato, foram engambelados. E tinham de mostrar poder.
Haverá vastíssima repercussão, sempre com portas fechadas, especialmente no que tenha a ver com a atuação dos serviços de inteligência. É o evento mais grave que se vê ocorrer na Argélia, há muitos, muitos anos.
Até hoje, a segurança de estrangeiros sempre foi garantida. Jamais antes houve ataque contra instalação de extração de gás e petróleo. É evento sem precedentes na história da região. Governos e serviços secretos não sabem como reagir.”
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