terça-feira, 4 de setembro de 2012

É grave a denúncia de Ayres Britto sobre alteração feita em projeto para favorecer mensaleiros.



Carlos Newton
Quando menos se esperava, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, surpreendeu o plenário e milhares de telespectadores, ao afirmar que um projeto de lei foi alterado propositalmente para influenciar o julgamento do mensalão e beneficiar alguns dos réus.
O ministro referia-se à lei 12.232, sancionada pelo então presidente Lula em 2010 e que trata da contratação de publicidade por órgãos públicos. Durante a tramitação na Câmara o projeto foi alterado por deputados do PT e do PR, partidos com interesse em defender os réus do mensalão.
Como se sabe, no processo do mensalão o Ministério Público acusou a empresa de Marcos Valério de ficar com R$ 2,9 milhões de bônus que deveriam ser devolvidos para o Banco do Brasil, contratante da empresa, e o dinheiro foi desviado para abastecer o esquema de compra de votos no Congresso.
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COINCIDÊNCIA
Por coincidência, mera coincidência, é claro, a tentativa de blindar os réus do mensalão começou em 2008, quando o então deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) apresentou o projeto. O texto original de Cardoso regulava, entre outras coisas, os repasses do “bônus-volume”, que são comissões que as agências recebem das empresas de comunicação como incentivo pelos anúncios veiculados. A proposta permitia que as agências ficassem com o bônus, mas era clara: a lei só valeria para contratos futuros.
No entanto, uma emenda feita na Comissão de Trabalho estendeu a regra a contratos já finalizados. O relator do projeto na comissão foi o deputado Milton Monti (SP), do PR, partido envolvido no mensalão e que tem um dos seus principais dirigentes, o deputado Valdemar da Costa Neto, que está sendo julgdo no Supremo.
Durante a discussão, o então deputado Paulo Rocha (PT-PA), também réu no caso do mensalão, pediu uma semana para analisar o texto. Logo depois, Monti abriu prazo para emendas.
Também por mera coincidência, o deputado Cláudio Vignatti (PT-SC) apresentou sugestões, entre elas a que estendia a aplicação da lei a licitações abertas e a contratos em execução. Monti não só acatou a sugestão como incluiu também os contratos encerrados.
O texto seguiu a tramitação e virou lei, que foi usada em julho pelo Tribunal de Contas da União para validar a ação de Valério de ficar com os R$ 2,9 milhões. A posição do TCU, porém, foi contestada, o caso tomou ares de escândalo e a decisão foi suspensa pelo próprio TCU.
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UM ATENTADO
Para o ministro Ayres Britto, a manobra “é um atentado veemente, desabrido, escancarado” à Constituição. Ele disse que a redação “foi intencionalmente maquinada” para legitimar ação pela qual réus eram acusados. Comentou que a mudança no projeto de lei é “desconcertante”. E definiu: “Um trampo, me permita a coloquialidade, à função legislativa do Estado.”
O esquema, realmente, foi montado com planejamento e precisão. Em entrevista à Folha, os deputados Milton Monti (PR-SP) e Cláudio Vignatti (PT-SC) negaram relação entre a alteração na lei e o julgamento. Vignatti disse que sugeriu mudanças a pedido de Monti para atender a Frente Parlamentar da Comunicação Social, presidida por Monti. “Não tive intenção de prejudicar ou beneficiar alguém.”
Monti confirmou que a mudança no texto foi pedida pelo setor de publicidade, porque as agências já retinham o bônus-volume: “Era uso e costume. O foi que foi feito antes estava errado? Então foi botado na lei”. Dalto Pastore, ex-presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade, veio em socorro dos deputados e afirmou que a entidade pediu que a nova lei também atingisse contratos anteriores.
Detalhe: o deputado Milton Monti dá tanta importância à tal Frente Parlamentar da Comunicação Social que nem é membro titular do órgão técnico que cuida dos assuntos desse setor, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Parece brincadeira, mas é verdade.

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