sexta-feira, 21 de setembro de 2012

CRÔNICA Cartas de Seattle: Cachorro-quente com cream cheese



Os anos 80 e 90 deixaram mais do que o movimento grunge como legado de Seattle. As madrugadas insones inspiraram a criação do estilo musical, mas também uma iguaria muito particular: o cachorro-quente com cream cheese.
O Seattle Dog é o lanche campeão de vendas pós-balada nas banquinhas que ficam abertas até tarde em bairros como Capitol Hill, Ballard ou Belltown, para saciar aquela fominha que dá entre o fim da farra e a volta pra casa.
O básico é feito com pão tostado, salsicha (às vezes partida ao meio), cream cheese e cebola na chapa. Os tradicionais acham que qualquer coisa a mais é heresia. Como o freguês tem sempre razão, aceita-se o acréscimo de rodelas de pimenta jalapeño e/ou mostarda. Geralmente não se coloca ketchup.
E esta é a receita de sucesso há mais de 20 anos. Os vendedores já sabem: quem faz cara feia é forasteiro. E a lenda é que, uma vez superado o estranhamento, o gourmet não quer saber de outra coisa.
Há quem defenda que o segredo está no contraste. A textura diferente entre um e outro. A temperatura alternada – quente na salsinha, um pouco fria no cream cheese. E o sabor salgado da carne com o sabor mais pra adocicado do queijo.


Diferentemente da influência internacional do grunge, porém, o Seattle Dog nunca teve o mesmo sucesso fora dos limites da cidade. Talvez o mundo não esteja preparado para colocar cream cheese em pão com salsicha. Ou talvez esteja muito ocupado criando versões diferentes deste ícone dos Estados Unidos.
No Brasil as variações são gritantes. Em Maceió, eu chamava de cachorro-quente pão recheado com molho de carne moída, salsicha em rodelas e várias verdurinhas picadas. Podia ter queijo ralado por cima. No Recife, o cachorro-quente tinha milho verde e ervilha com grossa camada de maionese. Em São Paulo, vinha com purê de batata. Em Curitiba, tive que responder à pergunta esdrúxula:
- Você quer cachorro-quente de quê?
“De salsicha” não era a resposta certa, então acabei comendo um sanduíche prensado que continha também presunto e queijo. Estava gostoso, mas eu não chamaria aquilo de cachorro-quente.
Aqui, o Seattle Dog é só uma das centenas de opções disponíveis. Num lugar chamado Cyber Dog, há um “Dog From Ipanema”, supostamente brasileiríssimo: vem com carne moída, feijão, arroz, palmito, abacate, coentro e nozes. Pausa para meu estômago revirado se recompor e eu pergunto: alguém confirma que existe esse cachorro-quente no Rio?
Com o tempo aprendi o quanto as pessoas são passionais em relação ao assunto, e incluí o hot dog na lista dos itens que não se discute: política, religião, e nomes que as pessoas dão aos filhos e aos bichos de estimação.

Melissa de Andrade é jornalista com mestrado em Negócios Digitais no Reino Unido. Ama teatro, gérberas cor de laranja e seus três gatinhos. Atua como estrategista de Mídias Sociais em Seattle, de onde mantém o blog Preview e, às sextas, escreve para o Blog do Noblat.

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