Presidente indica militares para disputar principais governos, frustrando partidários civis
BUENOS AIRES - Ciente de que está diante de seu maior desafio eleitoral desde que chegou ao poder, em 1999, o presidente Hugo Chávez decidiu acentuar o perfil militarista do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), ampliando espaços de poder em mãos de antigos aliados — muitos dos quais foram seus colegas de armas nos levantes militares de fevereiro e novembro de 1992, estiveram presos e foram indultados. Nas últimas semanas, o líder bolivariano, que daqui a menos de um mês tentará conquistar seu terceiro mandato consecutivo, designou unilateralmente dez dos 24 candidatos que participarão das eleições para governador do próximo mês de dezembro, dos quais oito são oficiais, da ativa e reformados, do Exército e da Aeronáutica. Num cenário eleitoral incerto, com pesquisas diferentes apontando desde uma vitória folgada de Chávez até um triunfo de seu adversário, Henrique Capriles Radonski, o chefe de Estado optou por homens das Forças Armadas para enfrentar uma nova queda de braço com a oposição.
— O presidente sabe que seu futuro depende dos votos e das botas —afirmou ao GLOBO o historiador Domingo Irwin, estudioso da História militar venezuelana. Segundo ele, “dentro do PSUV convivem os golpistas da década de 1990 e setores esquerdistas que se encantaram com o socialismo do século XXI. Mas está claro que os conspiradores que atuaram com Chávez há 20 anos são hoje a coluna vertebral do partido do governo, e o presidente precisa deles, entre outros motivos, porque as conspirações são uma constante nas Forças Armadas de nosso país”.
Tática dissuasória
A atitude do presidente provocou profundo mal-estar entre setores civis do PSUV, que defendem outras candidaturas. As críticas não foram públicas, já que o PSUV é uma estrutura verticalista, na qual as decisões do líder bolivariano são acatadas com absoluta disciplina partidária. No entanto, partidos aliados, como o Movimento Eleitoral do Povo (MEP), membro do Polo Patriótico que respalda a candidatura de Chávez, atreveram-se a questionar a escolha de militares como Francisco Ameliach, atual deputado e chefe de estratégia eleitoral do PSUV, como candidato a governar o estado de Carabobo, o terceiro mais populoso do país. Em entrevista a canais de TV venezuelanos, o secretário-geral do MEP, Wilmer Nolasco, assegurou que seu partido sente-se maltratado e discriminado no processo de escolha de candidatos regionais, onde vêm sendo favorecidos militares que, como Chávez, participaram de conspirações contra governos democráticos.
A designação de Ameliach foi comunicada em 5 de agosto passado, em ato de campanha chavista na cidade de Valencia. O anúncio do presidente foi vaiado por grande parte dos chavistas que estavam presentes e preferiam candidatos civis para Carabobo, como o prefeito de Puerto Cabello, Rafael Lacava. A resposta do líder bolivariano foi taxativa:
— Aqui está em jogo a eleição (presidencial) de 7 de outubro. Eu disse Ameliach para o governo de Carabobo, e ele tem meu apoio.
A presença de representantes das Forças Armadas no círculo de homens de confiança do presidente não é uma novidade. Porém, especialistas locais afirmaram que o aprofundamento dessa característica do chavismo seria parte de uma estratégia política e eleitoral cujo principal objetivo é garantir a continuidade do líder bolivariano no poder, nem que seja por temor da população do que pode acontecer em caso de derrota de Chávez.
— Por um lado, o presidente insinua que uma vitória da oposição arrastará o país para uma guerra civil e, pelo outro, anuncia candidatos militares para importantes governos regionais — apontou Luis Alberto Buttó, professor da Universidade Simón Bolívar (USB).
Veteranos do golpe de 1992
O recado de Chávez à sociedade, disse ele, é claro: “Nós somos a garantia de paz neste país”. O interessante, na visão de Buttó, autor de uma tese de doutorado sobre a base ideológica das rebeliões militares da década de 90 na Venezuela, é que o presidente apresenta como garantia de paz candidatos que participaram de golpes.
— Como há 20 anos, estes homens continuam se considerando a elite melhor preparada para comandar o país — enfatizou o professor.
A lista de aliados militares do presidente está integrada, também, por Francisco Arias Cárdenas, tenente coronel reformado, deputado e recentemente escolhido como candidato para o governo de Zulia, cargo que já ocupou na década de 1990. Arias Cárdenas, que fez parte do Movimento Bolivariano Revolucionário-200 (MBR 200, fundado por Chávez) e participou da tentativa de golpe de 4 de fevereiro de 1992 — que fracassou, mas deu projeção política a Chávez, abrindo espaço para a sua eleição anos depois — esteve bastante tempo distanciado do presidente, mas terminou se reaproximando. Outro candidato já confirmado é Luis Ramón Reyes Reyes, um piloto da Aeronáutica reformado que atuou na fracassada tentativa de golpe de Estado de 1992, que disputará o governo de Lara — estado do qual já foi governador em dois períodos consecutivos. O poderoso Diosdado Cabello, atual presidente da Assembleia Nacional (o congresso venezuelano), outro dos militares que protagonizou a rebelião de fevereiro de 1992, será candidato ao governo de Monagas. Cabello é considerado por analistas locais o chavista com maior influência dentro das Forças Armadas atualmente.
— A visão destes militares é a mesma que tinham há 20 anos, eles se consideram a reserva moral do país e uma vanguarda política cuja missão é comandar o processo de transformação da Venezuela — assegurou Irwin.
No estado de Bolívar, o general Francisco Rangel Gómez disputará seu terceiro mandato consecutivo. Em Vargas, Aragua e Nova Esparta, os candidatos chavistas serão o ex-ministro da Defesa Jorge Luis Garcia Carneiro, o tenente Rafael Isea, e o general e também ex-ministro da Defesa Carlos Mata Figueroa, respectivamente.
— Chávez está à frente de um regime militarista, que favorece a designação de militares nos mais variados cargos estatais — ressaltou Fernando Luis Egaña, professor da Universidade Central de Venezuela (UCV).
De fato, em sua tese de doutorado apresentada em 2010, Buttó constatou que naquele momento cerca de 400 militares exerciam importantes funções em ministérios, secretarias e empresas públicas do país. O número, disse o professor venezuelano, deve ser multiplicado por quatro, “já que cada militar nomeia vários assistentes que são, em grande maioria, militares”.
Saiba mais sobre eles:
Francisco Ameliach. No Exército, chegou ao posto de major antes de se reformar em 1999 para passar a disputar cargos políticos pelo MVR, predecessor do PSUV, pelo qual atualmente é deputado, além de chefe da estratégia eleitoral. Um dos colegas de Chávez na tentativa de golpe de 1992, foi escolhido pelo presidente para disputar o governo do estado de Carabobo, terceiro mais populoso do país e atualmente administrado pelo oposicionista Henrique Salas Feo. Sua indicação foi a que causou maior resistência dentro do chavismo.
Luis ramón reyes reyes. Piloto reformado da Aeronáutica, também esteve ao lado de Chávez em 1992. Foi escolhido para concorrer a governador de Lara, posto que já ocupou por dois mandatos, entre 2000 e 2008. Desde que deixou o poder no estado, foi ministro do governo Chávez em duas pastas, a Secretaria-Geral da Presidência e a Saúde, e atualmente é deputado. Tem a missão de derrotar o governador Henri Falcón, que se elegeu pelo PSUV para suceder o próprio Reyes em 2008, mas abandonou o partido em 2010 para adotar uma posição independente em relação ao governo federal.
Diosdado Cabello. Um dos mais poderosos aliados de Chávez, chegou a ter seu nome ventilado como alternativa governista caso o presidente não pudesse concorrer às eleições por motivos de saúde. Ex-vice-presidente, hoje está à frente da Assembleia Nacional. Tenta voltar a ser governador, desta vez de Monagas — governou Miranda entre 2004 e 2008. Sua relação com o presidente remonta ao golpe fracassado de 1992 contra o presidente Carlos Andrés Pérez. Então tenente, Cabello pediu para passar à reserva após o levante.
Francisco Arias Cárdenas. Foi um dos líderes do golpe de 1992, acabando preso após deter o governador de Zulia. Solto em 1994, apoiou a eleição de Chávez em 1998, mas passou à oposição em 2000 e enfrentou o ex-aliado nas urnas naquele ano. Derrotado, voltou às fileiras do chavismo em 2005, sendo nomeado embaixador da Venezuela na ONU no ano seguinte. Tenta voltar ao poder em Zulia, estado mais populoso do país, depois de 12 anos — foi governador entre 1995 e 2000. Enfrentará Pablo Pérez Álvarez, oposicionista que busca a reeleição após ser derrotado nas primárias para a Presidência.
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