2 de julho de 2012 | 19h30
Raquel Landim
Brasil, Argentina e Uruguai se aproveitaram de uma lacuna jurídica para aprovar a entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul, a revelia do Paraguai. Na reunião de cúpula do bloco, realizada na sexta-feira em Mendonza, os três membros decidiram suspender temporariamente o Paraguai por conta do impeachment relâmpago do ex-presidente Fernando Lugo, ao mesmo tempo em que deram as boas-vindas à Venezuela comandada por Hugo Chávez.
A lacuna jurídica é a seguinte. A entrada da Venezuela no Mercosul estava pendente da aprovação do Senado paraguaio, que de maioria conservadora é contra. Pelo protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul, o país só ingressa no bloco “no trigésimo dia contado a partir da data de depósito do quinto instrumento de ratificação” – ou seja, quando for aprovado pelo Congresso dos quatro países e da própria Venezuela. Com medo de ser rechaçado, Lugo evitava colocar o tema em votação no Paraguai, deixando a situação em banho-maria.
Pelo protocolo de Ushuaia, assinado pelos países do Mercosul, por Bolívia e Chile (membros associados), está determinado que se houver “ruptura da ordem democrática” de um membro, os demais poderão aplicar medidas como a suspensão do bloco. Foi o que fizeram com o Paraguai até a realização de novas eleições.
Como não há nada específico se é possível admitir o ingresso de um novo membro enquanto um país está suspenso, Brasil, Argentina e Uruguai entenderam que, quando retonar à condição de membro pleno, o Paraguai será obrigado a ratificar tudo que tiver sido feito pelos demais. O ingresso da Venezuela pode até ser questionado juridicamente, mas o fato é que Dilma Rousseff, Cristina Kirchner e José Mujica se aproveitaram de uma lacuna jurídica.
É extremamente deselegante a maneira como o processo foi conduzido – para dizer o mínimo. O ingresso de um novo país num bloco comercial é assunto sério, porque as nações abrem mão de parte de sua soberania. É por isso que as regras estabelecem corretamente que o tema deve ser aprovado pelos Congressos – evitando assim que governos de ocasião façam mudanças repentinas no bloco atendendo apenas suas conveniências políticas.
A entrada da Venezuela no Mercosul pode até ser tecnicamente correta, mas carece de lógica. Por isso já está provocando constrangimentos. Coagido pela oposição, que ameaça tomar ações políticas para tirá-lo do cargo, o ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Luis Almagro, disse hoje à rádio El Espectador que era contra a entrada da Venezuela e que a decisão foi tomada pelos mandatários a pedido da presidente Dilma Rousseff.
Brasil, Argentina e Uruguai aprovaram o ingresso da Venezuela em seus Congressos, mas a verdade é que seus parlamentares estavam confortáveis porque sabiam que o país nunca receberia o aval do Senado paraguaio. Dessa maneira, brasileiros, argentinos e uruguaios não tinham que passar pelo constrangimento diplomático de dizer não a Chávez, mas também não precisavam lidar com ele no bloco. A estratégia funcionou pelos últimos cinco anos.
A entrada da Venezuela no Mercosul tem pontos positivos e negativos para o Brasil e para os vizinhos. É um mercado consumidor relevante e que não produz praticamente nada. Portanto, se a integração for séria (o processo de negociação para que a Venezuela se adeque a Tarifa Externa Comum será longo e trabalhoso), pode ser uma boa oportunidade para as indústrias de Brasil e Argentina, mas principalmente a brasileira.
Por outro lado, a retórica inflamada de Chávez contra acordos de livre comércio pode atrapalhar ainda mais as negociações do Mercosul com a União Europeia e outros mercados relevantes. É essa conta econômica que deveria ter sido feita pelos países, mas infelizmente parece que os governos só levaram em consideração preferências políticas.
p.s: A conferir se a entrada da Venezuela no Mercosul efetivamente se concretizará. Por que Brasil, Argentina e Uruguai anunciaram que o ingresso vai ocorrer no dia 31 de julho em reunião extraordinária no Rio ao invés de simplesmente fazê-lo em Mendonza?
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