O Globo
Outrora instituição que mantinha distância dos casos rumorosos ocorridos na Câmara, o Senado acabou contaminado pelo processo de degradação da qualidade da representação política em curso nos últimos anos.
Atingidos por escândalos e ameaçados de condenação por falta de decoro, senadores tiveram de renunciar, quebrando aquela imagem de clube de elite construída durante décadas pela Casa.
Mais recentemente, em 2009, descobriram-se centenas de atos secretos pelos quais senadores e até funcionários poderosos praticaram o nepotismo sem pudores.
Reportagens do GLOBO revelam, agora, outro desvio ético de Suas Excelências: em mais uma demonstração de descaso com o destino do dinheiro do contribuinte, pelo menos um terço dos senadores — 25 dos 85 — não teve outro cuidado ao preencher vagas em seus gabinetes a não ser o de praticar o mais deslavado empreguismo.
Seja em Brasília ou em escritórios regionais, estes senadores empregaram gente que não comparece ao local de trabalho. Há estudante no exterior, médicos e advogados que dão expediente em seus escritórios e em clínicas.
Estão, é claro, liberados pelo respectivo empregador de bater ponto, como qualquer trabalhador do setor privado. O Senado virou uma generosa residência de servidores fantasmas.
A prática é pluripartidária. Foi adotada tanto por senador do DEM (José Agripino, Rio Grande do Norte), como do PV (Paulo Davim, do mesmo estado) ou PMDB (Renan Calheiros, Alagoas). Quando se trata de privatizar, no mau sentido, o dinheiro público, muitos se nivelam por baixo.
Aumenta a sangria do Tesouro a manobra de senadores de dividir a verba de gabinete em grande número de auxiliares — como não há concurso, podem ser aparentados, cabos eleitorais etc.
A lotação normal de um gabinete seria de 12 comissionados, mas, para atender a interesses difusos — familiares, paroquiais ou o que seja —, chegam a multiplicar este número por mais de cinco vezes. Ivo Cassol (PR-RO) abriga 67 auxiliares; Clóvis Fecury (DEM-MA), 56; Fernando Collor (PTB-AL), 54, e por aí segue.
A divisão da verba entre muitos cria uma despesa adicional, a do vale-refeição. Como o benefício é pago pessoa a pessoa, o que custava R$ 7,4 milhões por ano subiu para R$ 19,1 milhões, um salto de 158%.
Mas, como é a “Viúva” que paga, ninguém em Brasília se preocupa, só no “Brasil real”, onde há fábricas, escritórios etc. cuja renda sustenta a obesa máquina pública distribuída pelos Três Poderes.
Também não há cuidado com a vida pregressa do comissionado. Se a Ficha Limpa valesse para eles — medida a ser estudada —, alguns não teriam conseguido a “boquinha”.
Espera-se, a propósito, que a declaração da constitucionalidade da Ficha Limpa, pelo Supremo, seja um marco da reversão desta degradação, incentivada pelo modelo de relacionamento em bases fisiológicas estabelecido no lulopetismo pelo Planalto com o Congresso.
Também não seria pedir demais que acabem com o “senador sem voto”, o suplente escolhido pelo titular sem consulta ao eleitor. Há, hoje, 14 destes senadores, 17% do total, tão legítimos quanto os biônicos da ditadura.
Darcy Ribeiro dizia que o Senado era como o céu, com a vantagem de não ser preciso morrer para entrar nele. Pois para o contribuinte e a sociedade em geral tem sido um inferno.
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