FONTE:
Jair Stangler, do estadão.com.br
Para
a professora Maria Tereza Sadek, 'o CNJ só incomoda porque está trabalhando'
Para a professora Maria Tereza Sadek, o Supremo Tribunal
Federal sofreu um "desgaste extraordinário" com as duas liminares que
limitam poderes do Conselho Nacional de Justiça concedidas na última
segunda-feira, 19. Em uma dessas liminares, o ministro Marco Aurélio Mello
decidiu que o CNJ só pode atuar em casos já julgados pelas corregedorias dos
tribunais regionais. Na segunda liminar, o ministro Ricardo Lewandowski
suspendeu a inspeção do CNJ nas folhas salariais dos tribunais - ação da qual
ele próprio é alvo.
Segundo a diretora do Centro Brasileiro de Estudos e
Pesquisas Judiciais e professora do Departamento de Ciência Política da
Universidade de São Paulo, pouco importa que essas liminares tenham amparo
legal. "O que seria de se estranhar é por que uma questão que começou a
ser discutida, que estava na pauta para ser votada em setembro, recebe essas
duas liminares no último dia de reunião do STF", questiona. Para Maria
Tereza, a disputa entre CNJ e STF dá a ideia de que os juízes resistem a qualquer
tipo de investigação. "O CNJ só incomoda porque está trabalhando",
afirma.
Ela comentou ainda a informação divulgada na quarta-feira,
21, de que tanto o presidente do STF e também do CNJ, Cézar Peluso, como o
ministro Ricardo Lewandowski, receberam verbas extras de até R$ 700 mil da
Justiça paulista relativa a auxílio moradia. "Por que entre quase 400
desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo apenas 17 receberam o que
lhes era devido? Essa é a pergunta. Se era legal o que tinham a receber, por
que alguns e não outros?", questionou, referindo-se à notícia divulada no
jornal Folha de S.Paulo de que houve revolta no próprio Tribunal contra esse
fato.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Como a senhora vê
essa disputa que está ocorrendo entre CNJ e STF?
Nós temos pelo menos duas formas diferentes de analisar essa
disputa. Uma é ficar em um debate eminentemente técnico e jurídico. A outra é
tentar analisar isso do ponto de vista da imagem da Justiça e uma análise de
natureza mais institucional. Eu vou optar pela segunda forma de análise. Do
ponto de vista da imagem da Justiça eu acho que houve um desgaste
extraordinário. Quer dizer, o Supremo saiu com a imagem muito afetada nessa
disputa. Porque o CNJ, de uma forma ou de outra, conseguiu ter a simpatia, não
apenas dos meios de comunicação, mas da opinião pública em geral. Isso porque o
CNJ trouxe para si a tarefa de dar mais transparência a um poder sempre visto
como muito fechado e muito refratário. Essa disputa acaba trazendo muita água
para a ideia de que os juízes resistem a qualquer tipo de investigação. Para
essa questão pouco importa se do ponto de vista da legalidade tanto a liminar
concedida como a atuação do Supremo tem ou não amparo legal. Certamente tem.
Mas acontece que a imagem ficou muito desgastada. Você olha as cartas de
leitores nos jornais, você ouve as observações de âncoras na televisão ou nos
programas de rádio, são todos nesta direção. É isso que eu estou querendo
sublinhar. Agora, trata-se claramente de uma disputa de espaço institucional.
A senhora acredita
que o Judiciário precisa de mais controle? Isso também está em jogo?
Quando nós estamos em uma república democrática todos os
organismos devem ser controlados, sobretudo aqueles organismos que não tem o
controle via eleições. Controlada no sentido de prestar contas. E que tudo
quanto for ato considerado não adequado à instituição deve ser de alguma forma
controlado e punido. Eu não tenho a menor dúvida de que o Judiciário, assim
como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Universidade, devam prestar
conta à sociedade das suas atividades.
Os ministros do STF
que tentam diminuir o poder do CNJ defendem a tese de que é preciso esgotar nas
corregedorias dos tribunais as possibilidades de punição e a própria liminar do
ministro Marco Aurélio Mello diz isso. Como a senhora vê essa questão?
Se as corregedorias tivessem sido eficientes, nós não
teríamos chegado a essa situação. Toda a ação do CNJ tem mostrado que as
corregedorias pecam. Isso não significa dizer que estamos fazendo uma
generalização. Mas significa dizer que um órgão de controle externo deve ter o
poder de fazer esse tipo de investigação. Acho que o que se estava tentando no
Supremo antes, desde setembro, quando a matéria acabou não sendo votada, é uma
situação intermediária, ou seja, dar um certo tempo para as corregedorias locais
e caso elas não funcionem, não prestem conta do seu trabalho, aí o CNJ poderia
atuar. Então eu acho que tem isso. O que seria de se estranhar é porque uma
questão que começou a ser discutida, que estava na pauta para ser votada em
setembro, recebe essas duas liminares no último dia de reunião do STF.
A corregedora Eliana
Calmon disse há alguns meses atrás que há "bandidos escondidos sob a
toga", e hoje acusou tribunais de esconderem dados sobre a renda dos
juízes. O que a senhora acha disso?
Você teve uma situação de confronto entre duas instituições.
E nesse confronto, tanto de um lado como de outro, você pode dizer que houve
uma ultrapassagem dos limites verbais adequados. Assim como a corregedora
talvez tenha se excedido, o presidente do Supremo também se excedeu quando
exigiu que o conjunto dos integrantes do CNJ fizessem uma manifestação. E daí
para cá, muita água rolou. Eu acho que depois disso a corregedora se retraiu. A
situação não pode mais ser analisada como se a gente ainda estivesse em setembro.
Eu acho que de setembro para cá houve uma série de dados que mudam a situação.
Por outro lado, a corregedora se manifestou ontem, hoje eu não sei porque eu
não vi, dizendo que não estava investigando nenhum ministro do Supremo. Ela
pediu dados para a Receita Federal de uma situação que lhe parecia anômala, mas
ela não deu nomes, ela não ultrapassou os limites considerados adequados no
caso. Ontem, o editorial do Estadão estava primoroso. Acho que o jornal fez uma
análise realmente muito adequada dessa situação. Por que tirar poder do CNJ se
o CNJ na verdade está realizando sua função? O CNJ só incomoda porque está
trabalhando.
A Folha de S.Paulo de
quinta-feira, 22, diz que o CNJ está fazendo 217 mil varreduras e no 'Estadão'
o ministro Peluso sugere que as investigações do CNJ são ilegais. Qual a sua
opinião sobre isso?
Por que ilegais? Eu gostaria de ver esse debate um pouco
mais claro... Não é assim "Eu não concordo que sejam ilegais". As
informações que nós que estamos fora das duas instituições, tanto do Supremo
como do CNJ, é que a investigação não pecou pela ilegalidade. Ela disse que
pediu dados para o Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira). Eu
não quero entrar no debate se é legal ou não é legal porque eu não sei isso. O
que eu sei é que se trata de uma disputa em relação às atribuições. Há uma
corrente que quer diminuir as atribuições e tem outra que quer manter e que
valoriza esse tipo de trabalho. Por outro lado, nesse debate se esquece o
resultado de todo o trabalho do CNJ, que é muito importante. Graças ao CNJ se
conseguiu uma série de soluções para ações que estavam na Justiça há muitos
anos a partir da conciliação, se conseguiu soltar mais de 20 mil pessoas que
estavam presas de forma irregular. Tem um trabalho que é de peso. Não pode
simplesmente nivelar por baixo e dizer que todo esse trabalho não deve ser
homenageado até.
O que a senhora achou
dessa acusação que a Eliana Calmon fez nesta quinta de que 45% dos magistrados
de SP não entregaram sua declaração de renda enquanto no Mato Grosso nenhum
entregou?
Isso é um negócio sério. O que ela está fazendo? Ela está
dizendo: "a lei é essa". O que diz a lei? A lei diz que todo servidor
público apresentar sua declaração. Segundo o que está escrito na lei, você tem
um porcentual de integrantes da Justiça que não cumpriram a lei. É um trabalho
muito importante. O que a população fala, às vezes precipitadamente, mas muitas
vezes com muita razão, é: por que você tem de ter um grupo de privilegiados,
que não precisam prestar contas? Por que entre quase 400 desembargadores do
TJ-SP apenas 17 receberam o que lhes era devido? Essa é a pergunta. Se era
legal o que tinham a receber, por que alguns e não outros? Eu li que há revolta
no interior do Tribunal contra isso também. Por que foi feito às escondidas?
Quem tomou essa decisão já morreu, não vai dar para saber por ele
(desembargador Viana Santos, ex-presidente do TJ-SP). Essa é uma questão
relevante. Por que alguns e não todos? Em uma democracia, em uma república,
você não pode ter um grupo de privilegiados e nenhum tipo de contestação a esse
privilégio.
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