quinta-feira, 30 de março de 2017

O pandeiro salvo-conduto*





A caminho da Festa da Penha, João da Baiana se viu abordado por um policial de maus bofes. O código penal em vigor, datado 1890, trazia um capítulo inteiro, com seis detalhados artigos, destinados a coibir o chamado “crime de vadiagem”. Segundo a letra da lei, seria declarado vadio todo aquele sem “profissão, ofício ou qualquer mister em que ganhe a vida”. A nova legislação entrara em vigor apenas dois anos após a abolição, quando milhares de negros, recém-libertos de seus senhores, não possuíam a devida qualificação profissional e, por isso, estavam à margem do mercado de trabalho. Os implicados na “Lei da Vadiagem” ficavam sujeitos à prisão por um mês e, findo o prazo, ao sair da cadeia, eram obrigados a firmar o compromisso “de tomar ocupação dentro de quinze dias”. A simples posse de um instrumento de percussão podia ser interpretada com indício de vagabundagem. Como provou possuir emprego fixo, João da Baiana não foi recolhido à delegacia. Mas, para seu desconsolo, teve apreendido o pandeiro de estimação.

Por causa disso, decidiu não acompanhar os amigos em um convescote programado para aqueles dias em Laranjeiras, na mansão do senador Pinheiro Machado. Sem seu pandeiro, não seria ninguém, imaginou João. Nada teria a fazer por lá. Na data acertada, desapareceu. Fez imensa falta, pois, tão logo soube do motivo da ausência, o líder do Partido Republicano Conservador mandou-lhe um recado. Corresse no dia seguinte ao seu gabinete, na sede do Senado, o Solar do Conde dos Arcos. O músico atendeu ao chamado e foi recebido em pleno horário de expediente parlamentar, quando o senador lhe indagou sobre onde poderia mandar encomendar um novo pandeiro para lhe dar de presente.

João da Baiana, radiante, indicou a loja Ao Cavaquinho de Ouro, especializada em instrumentos musicais. O estabelecimento funcionava na rua da Carioca, mas com o Bota-abaixo e a obras de alargamento da via tinha sido transferido para a rua da Alfândega. Diante da informação, o senador rabiscou um bilhete para João da Baiana o entregar no balcão da loja, orientando o vendedor a gravar a mensagem no corpo do melhor pandeiro à venda: “A minha admiração, João da Baiana – Senador Pinheiro Machado”.

Depois desse dia, nenhum meganha se atreveu a confiscar de novo o pandeiro do filho de Tia Perciliana. “Ainda tenho o pandeiro em casa, mas não toco mais”, diria João da Baiana em entrevista, decorridos cerca de setenta anos do episódio. O instrumento, a essa altura, estava com couro gasto, o aro de madeira remendado com esparadrapo e as platinelas oxidadas.

“É uma relíquia, um troféu”, vangloriava-se. O pandeiro de João da Baiana, oferecido por Pinheiro Machado e transformado em uma espécie de salvo-conduto, expressava toda a complexidade da convivência entre as elites sociais e os músicos populares.

*Salvo-conduto é um documento emitido por autoridades de um Estadoque permite a seu portador transitar por um determinado território. O trânsito pode ocorrer de forma livre ou sob escolta policial ou militar.

(Do livro “Uma História do Samba – as origens”, de Lira Neto)


Os personagens:


João da Baiana com o pandeiro do senador


Senador gaúcho Pinheiro Machado

Iranianos usam Brasil como forma de chegar até a Europa



Grupos cobram 20 mil euros para uma rota que inclui Irã, Turquia, Emirados, Brasil, Bolívia, Paraguai e Espanha


Jamil Chade CORRESPONDENTE / GENEBRA ,
O Estado de S. Paulo
29 Março 2017 | 12h32
GENEBRA - Investigações realizadas pela Agência de Fronteiras da Europa (Frontex) e serviços policiais espanhóis revelam que refugiados e imigrantes iranianos estão usando o território brasileiro para driblar barreiras e chegar até a Europa, principalmente para voar com passaportes falsos para aeroportos da Espanha. Os números não são revelados, já que as polícias europeias admitem que não sabem quantos conseguiram acesso a documentos falsos e não foram identificados. Mas as estimativas apontam que "dezenas" teriam usado a rota. Um grupo de pelo menos 19 pessoas foi detido em diversas cidades espanholas no segundo semestre de 2016 organizando passaportes falsificados e o roteiro sul-americano desses imigrantes. 

Foto: AP Photo/Francisco Seco
Madri, Espanha
Espanha costuma ser destino de iranianos que burlam controles para chegar à Europa 
De acordo com a Frontex, apesar de um clima mais positivo em relação à situação no Irã e o fim de algumas das sanções internacionais, o número de pedidos de asilo por parte de iranianos na Europa aumentou em 50% entre 2015 e 2016, principalmente no Reino Unido e na Alemanha.  Além disso, o número de pedidos no continente europeu já é maior que o volume de entradas ilegais de iranianos. 
Mas o que as investigações revelaram é que rotas alternativas foram estabelecidas para permitir que os iranianos conseguissem chegar até um aeroporto europeu. A porta de entrada, longe das fronteiras tradicionais do Leste do bloco, passou a ser Madri. 
De acordo com a Frontex, grupos de iranianos passaram a deixar o país, viajar até a Turquia. De lá, voavam para os Emirados Árabes ou Catar. A próxima etapa era um voo direto para São Paulo ou para o Rio de Janeiro.
Seria principalmente no Brasil que documentos falsificados eram entregues aos grupos que depois de alguns dias nas cidades brasileiras voavam para Assunção ou La Paz. Já com novas identidades, os iranianos embarcavam para a Europa, usando a rota direta de Madri. 
Segundo a Frontex, os iranianos representam já um dos maiores grupos identificados em aeroportos com documentos falsos. Um a cada quatro iraniano que foi pego com documentos falsos vinha, na realidade, de outros países que não o seu, o que revela a tentativa de burlar os controles e o sistema criado para receber os passaportes falsos já fora de seus países.
Apesar da ausência de dados sobre quantos conseguiram entrar na Europa usando essa rota, a polícia do Velho Continente admite que o sistema pode ter permitido o acesso a "dezenas de iranianos". 
Além da rota sul-americana, eles ainda passaram a usar o território turco para voarem até aeroportos menores - e com controle mais relaxado - da Espanha. No Reino Unido, por exemplo, um total de 500 iranianos foram detidos nos aeroportos em 2016 com passaportes falsos. 
Já no Espaço Schengen, área de fronteiras comuns entre os países europeus, foram 375 casos de passaportes falsos descobertos com iranianos em 2016; em 2014 foram 263 casos. 
De acordo com a Frontex, a expulsão de iranianos vivendo de forma irregular pela Europa aumentou de forma substancial. Em 2013, foram 2,7 mil casos de deportações. No ano passado, essa taxa chegou a 6,9 mil. 
No caso da rota sul-americana, ela foi descoberta depois que a Polícia Nacional da Espanha prendeu, em meados de 2016, quatro pessoas em Madri, Barcelona e Girona responsáveis por organizar a rota. Para sair do Irã e chegar à Europa, via Brasil, o grupo cobrava 20 mil euros de cada um dos imigrantes. Um dos presos trabalhava até mesmo como intérprete em tribunais espanhois, responsáveis por julgar casos de iranianos que falassem apenas farsi. 
Segundo as investigações, era a partir do contato que tinha com a administração pública espanhola que o iraniano fazia seus contatos para permitir a viagem dos imigrantes. 
As prisões iniciais deram pistas sobre o que parecia ser um grupo ainda maior e, nas semanas seguintes, 15 pessoas foram presas por falsificar documentos em diversas cidades da Espanha. 

terça-feira, 28 de março de 2017

Voto em lista anistia a corrupção



Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Hélio Duque

O golpe do voto em lista tem nos pigmeus morais da baixa política os seus principais defensores. Os seus autores deveriam meditar sobre a fábula do escritor francês Jean de La Fontaine, sobre os morcegos voadores: “Vejam as minhas asas. Eu sou um pássaro. Mas também sou um camundongo, vivam os ratos.” Valores, convicções e princípios estão sendo substituídos por caixa 2, Fundo Partidário e financiamento público de campanha. Pela inexistência de partidos políticos doutrinários e decentes, o poder econômico capturou a representação política brasileira. Em 2014, dados da Justiça Eleitoral registram que 370 deputados federais foram eleitos com doações milionárias de grandes grupos econômicos. Lista fechada para a eleição de parlamentares será a perpetuação dos caciques e donos de legendas partidárias. Se aprovada, conferirá legalidade à fraude e a um atentado político, digno do Estado islâmico, contra a sociedade.
                  
A política aristotélica de servir ao bem comum foi banida, no Brasil, das disputas eleitorais. Serve hoje a interesses pessoais e grupais, onde o bem comum não tem nenhum valor. Passou a ser negócio e transformou-se em atividade econômica garantidora de rápida ascensão social. O voto transformou-se em mercadoria, ofertada no mercado pela manipulação marqueteira e sustentada por muito dinheiro. Realidade que pode se tornar ainda pior com o voto em lista, onde a ditadura dos donos de partido será absoluta. E a indecorosa política uterina tornando-se vitoriosa.
                  
Ao invés de reforma política verdadeira, os autores da manobra imoral querem desconstitucionalizar o sistema eleitoral, aprovando lista fechada para as eleições de 2018 e garantindo o financiamento público de campanha. Pretendem retirar da Constituição os dispositivos que regulam o atual e péssimo sistema eleitoral. Na verdade querem é fugir do encurralamento em que a elite política parlamentar foi colocada pelas investigações e apurações documentais obtidas pela Operação Lava Jato. Igualmente por outras investigações desencadeadas pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. Observem que os autores da manobra estão citados nas delações da Odebrecht e fazem parte da lista do Procurador Rodrigo Janot e denunciados no Supremo Tribunal Federal.
                  
A pretensão é consolidar a República Oligárquica por essa vanguarda do atraso, ao garantir a perpetuação dos seus mandatos. Com a lista fechada os interesses pessoais e grupais garantirão que, na elaboração dos nomes dos candidatos, os detentores de mandato ficariam nos primeiros lugares. Ante o fato de o voto ser dado ao partido e não ao candidato, a reeleição estaria assegurada. As oligarquias que controlam os partidos passariam a ter um poder de decisão quase totalitário. A corrupção estaria sendo anistiada e a lavagem de dinheiro impunida.
                  
E mais: o financiamento público das campanhas políticas estaria assegurado, substituindo a fartura das doações empresariais que levou vários políticos ao envolvimento nas falcatruas do Caixa 2 e recebimento de “propinas”. Com o voto em lista os envolvidos nesse oceano de corrupção teriam as suas reeleições garantidas, apagando o passado delituoso. Acrescente-se que, paralelamente, o dinheiro público continuaria fluindo para essa outra imoralidade aberrante chamada de Fundo Partidário, um verdadeiro assalto ao contribuinte brasileiro. Demonstrado pela Justiça Eleitoral ao constatar que, entre 2011 e 2016, os partidos movimentaram R$ 3,5 bilhões. Resta indagar: por que o contribuinte tem de repassar recursos para essas entidades privadas?
                  
É lorota de péssimo nível e conchavo escapista dizer que os poderes Executivo, Legislativo e o Tribunal Superior Eleitoral estão interessados na reforma política. Querem aprovar um “penduricalho” espúrio que garanta à reeleição de políticos desonestos, garantindo o “foro privilegiado”.
                  
O que os “morcegos voadores” parlamentares desejam é construir bases oligárquicas que impeça os brasileiros de se encontrarem com a soberania popular. Estaria assegurada a perpetuação de mandatos, garantindo a “prescrição jurídica” das punições aos delinquentes políticos no futuro.


Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

Brasil e o lobo - por Fernão



Artigo para O Estado de S. Paulo 
Nem a imprensa, nem a polícia sozinhos. O problema é quando as duas deixam de lado a função de controlar uma à outra para cair numa espiral de mutua manipulação que anaboliza perigosamente a força de ambas e só pode resultar em catástrofes como a da “Carne Fraca”.
Aquilo foi um filme acelerado dos últimos três anos. Querer proibir que se tire do episódio as conclusões que ele aponta é desperdiçar mais uma oportunidade – talvez a última – de sairmos da rota de desastre. Um caso de fraude a contrato com a merenda escolar, outro de suspeita de utilização de carne além do prazo de validade na fabricação de embutidos e mais dois ou três indícios de pecadilhos menores envolvendo dosagens de conservantes e de componentes empregados em receitas de carnes industrialmente processadas. Nem a Policia Federal nem a imprensa sozinhas conseguiriam, com material tão fraco, destruir o último polo de excelência que sobrevivia no país e por seis milhões de famílias na rua da amargura. Mas juntas...

Tem sido um processo. A imprensa foi sinalizando “ao mercado” que o simples carimbo do “teve acesso a” passava a ser suficiente para legitimar a publicação sem nenhuma apuração independente de material vazado por partes interessadas. Com o tempo passou-se a disputar esses falsos “furos jornalísticos” com a superexposição do material obtido. Policiais e promotores obscuros passaram a ter, de repente, a exposição que não se dá nem a presidentes nos momentos de crise nacional.
O resultado é um clássico da literatura universal. Pode-se conjecturar quanto de amor à justiça, de vaidade, de simples leviandade ou de intenções criminosas tem havido por trás de cada um desses episódios. Mas negar que as coisas evoluíram para um esquema fácil demais de delação + grampo telefônico + exposição de pedaços de verdade, resultando em generalizações temerárias, injustiças, insegurança jurídica, paralisia econômica e destruição maciça de riqueza; negar que essa arma está ao alcance de todo e qualquer bandido da politica e tem sido usada para por a verdade a serviço da mentira e a justiça a serviço do crime é pelo menos tão desonesto quanto afirmar que é sempre só a isso que se resume a Lava Jato.

Ha duas disputas sobrepostas nesta encruzilhada da vida nacional. Aquela com que mais se procura entreter o público é a da corrida pela herança formal da terra arrasada em que o país se vai transformando e anima a novela da corte que hipnotiza a imprensa. Essa disputa, até segunda ordem, ainda se resolve no voto que, não por acaso, é a bola da vez. A outra, mais subterrânea e essencial, regida pela aritmética, é a que, mais cedo ou mais tarde, terá necessariamente de desaguar numa profunda revisão da repartição do PIB entre a casta que se apropriou do estado e detém os privilégios ilegítimos que se especializou em contrabandear para dentro da ordem legal e a multidão dos trabalhadores da economia privada sucessivamente saqueada para sustenta-los.
Essa disputa obedece a alinhamentos que transcendem os que regem o discurso das confrarias envolvidas na primeira e faz com que, nos bastidores, manobrem e votem na mais perfeita ordem unida do mais reacionário “pastor” à mais carbonária das “passionarias” do Congresso, sempre a favor do privilégio (dos 86% de funcionários excluídos da reforma da previdência, por exemplo) e contra o povo miserável que pagará mais impostos por isso.
Encurralada pelo esgotamento do organismo hospedeiro que colonizou, a “privilegiatura” brasileira, assim como todas que a precederam na História, vai se arrastar até onde lhe permitirmos que se arraste. Mas a extensão dessa sobrevida, indefensável por qualquer tipo de argumento racional, dependerá essencialmente de manter o eleitorado confundindo essas duas lutas uma com a outra.

A polarização do debate nacional pelo “patrulhamento ideológico” e o medo dos “linchamentos morais” promovidos a pretexto de “defesa da operação Lava Jato” é hoje o principal artifício a que se tem recorrido para estabelecer e manter essa confusão.
Mas fatos são fatos. É em sintonia perfeitamente fina com a alternância das figuras de turno no poder, a evolução do calendário eleitoral e, mais especialmente, o cronograma das reformas que se vão sucedendo os personagens visados nas delações. Marcelo Odebrecht exerce hoje um poder maior que o que jamais sonhou, na sua megalomania, poder comprar com dinheiro. Qualquer nome que meramente pronuncie está condenado a arder eternamente no mármore do inferno. O movimento redentor que começou com o rigor de investigação e as sentenças precisas e individualizadas do “Mensalão” e mobilizou o país inteiro a ter esperança iguala hoje, sob a indiferença geral, todos os políticos ao Lula da hipercorrupção pelo poder ou aos cunhas e cabrais da hipercorrupção pelo dinheiro, todos os empresários que doaram para campanhas ao nosso multinacional Midas pelo avesso e, por ultimo e não por menos, toda a indústria brasileira de proteína animal a uns tantos picaretas e fiscais corruptos pendurados nela.

É o “meio” que tem feito a “condenação” onde quer que se o aplique.
Capturar e punir ladrões é essencial. Mas as culpas são de quem as têm. Todas as democracias do mundo convivem com o financiamento privado de campanhas porque a alternativa é óbvia e ululantemente muito pior. O STF lavrou sentença provando que é fácil diferenciar os raupps do trigo e até Dallagnol já discursou que não importa o "numero" do caixa, todos podem incluir ou não corrupção que é sempre fácil de identificar e punir. Mas a conclusão dessas premissas ninguém afirma em voz alta porque defender financiamento privado e individualização de julgamentos seria “renegar a Lava Jato”.
E tome lista fechada!
O mundo se assustou com o show diário a que nos acostumamos mas em poucos dias já dava pra ver até da China que não é o caso de pegar a arma e sair atirando cada vez que se grita “Lobo!” por aqui.
Não seria hora da gente aprender também?
FONTE - https://vespeiro.com/2017/03/28/brasil-e-o-lobo/

Viver no Brasil - por Armando Soares


            Hoje já se pode afirmar que quem vive no Brasil é um herói, um idiota ou um herói idiota.
            A revista em quadrinhos editada no passado chamava para esse tipo de vida brasileira, vida apertada. Vive-se ou se se consegue viver ou sobreviver no Brasil nessa vida apertada uma grande maioria do povo, não porque queira, mas por não ter outra opção; aqueles que têm outra opção não usam por idiotice ou por mero prazer de sofrer, puro sadismo.

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            O triste dessas verdades é que fomos nós mesmos, os brasileiros, os principais responsáveis por esse tipo de vida apertada, perigosa e doentia. Perigosa porque não se sabe se ao sair de casa para trabalhar, para fazer compras ou se divertir perde-se a vida para qualquer criminosos entre os milhares que habitam as ruas sob a vista de uma polícia mal equipada, e por isso impotente para proteger; sob a vista de uma justiça ineficiente, e de governos que não governam, e de uma mídia que tudo assiste e faz de contas que nada vê, ocupada em dar continuidade ao seu principal e único objetivo egoísta de lucrar com a decrepitude de uma Nação que perdeu o rumo, a moral e a razão de ser e estar.

            Nesse Brasil que nós brasileiros permitimos a sua destruição elegendo políticos e governantes incompetentes e desonestos desde longa data, a pobreza jorra de forma hereditária, natural e geometricamente, nasce de uma raiz econômica e política doente, o que impossibilita que o pobre se liberte da pobreza, e, quando tem a sorte de se libertar para se transformar num  assalariado, num micro empresário, num pequeno empresário, num médio ou grande empresário, logo se vê acorrentado por um Estado devorador de seus salários e ganhos através impostos e taxas absurdas de toda a natureza. Nesse cenário absurdo e estúpido quem mais sofre são os pobres. Mas, como assim, se eles vivem em precárias condições e com dinheiro apenas para sua sobrevivência? Acontece que os alimentos e produtos que compram para suas necessidades todos eles têm seus preços recheados de impostos, o que significa dizer que são os pobres que pagam proporcionalmente os maiores impostos. Essa verdade mostra o quanto os políticos que se alimentam da ignorância dos pobres são bandidos e desonestos. A monstruosidade do Estado não para aí. O Estado devora 4 meses, no mínimo, do salário dos trabalhadores e da classe média, e muito mais se considerarmos os impostos que paga na compra de produtos e alimentos para sua necessidade. O massacre do Estado continua em grande escala sobre os micros, pequenas, médias e grandes empresas. O ataque começa a mostrar suas garras no abrir e fechar um negócio ou uma empresa. Para abrir exigisse um montão de documentos e pagamentos de emolumentos, e para fechar, nunca se consegue, pois, o Estado nunca concede a liberdade do seu escravo. A carga tributária sobre os negócios chega a 70%, ferocidade a que se soma a política trabalhista que tem como finalidade principal a paralização dos negócios privados e a apropriação do patrimônio da empresa e de seus titulares que é distribuído entre advogados e trabalhadores bandidos.

            Quem se achar prejudicado ou roubado nesse cenário brasileiro infernal e procura a justiça vai se defrontar com uma estrutura viciada corporativa inoperante que destrói a vida das pessoas lentamente, dia-a-dia, mês-a-mês, ano-a-ano até sua morte, antes primeiro, causa o empobrecimento do reclamante. A justiça brasileira existe apenas no papel. Para o brasileiro ela representa apenas mais um custo oneroso que sustenta milhares de juízes, funcionários públicos, advogados, rendimentos garantidos pelo trabalho dos pobres, dos assalariados e das empresas; uma estrutura ineficiente enorme criada para explorar quem trabalha e produz. No meio dessas sanguessugas, estão os professores de ensino público, a burocracia, os servidores que são utilizados pelos sindicatos vampíricos mercantilistas para sugar ainda mais os brasileiros que trabalham e geram renda e impostos.

            Para viver no Brasil é preciso estar consciente que o país é uma espécie de fortaleza construída e dominada por classes privilegiadas, por políticos podres, por sindicatos chantagistas, por uma burocracia cara e ineficiente, pelo tráfico de drogas, por instituições carcomidas pelo comunismo e por vadios que se mantém à custa do Estado. O Brasil se transformou num país de ladrões. Roubasse no varejo e no atacado.

            A sociedade é uma herança compartilhada em nome da qual aprendemos a circunscrever as nossas demandas, a ver nosso lugar nas coisas como parte de uma corrente contínua de doações e recebimentos, a reconhecer que as coisas extraordinárias que herdamos não são nossas para destruirmos. Há uma genealogia de deveres que nos vincula àqueles que nos deram o que temos; e nossa preocupação com o futuro é uma extensão dessa linhagem. Levamos em conta o futuro da comunidade não em virtude de cálculos fictícios de custo-benefício, mas, de maneira mais concreta, por nos vermos como herdeiros dos benefícios que retransmitiremos. Precisamos pôr para correr        urgentemente quem está destruindo essa herança.

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Edmund Burke

             A sociedade, para Burke, depende das relações de afeto e lealdade que só podem ser construídas de baixo para cima, por uma interação face a face. É assim na família, nos clubes locais e nas associações, na escola, nos locais de trabalho, na igreja, na equipe esportiva, nos regimentos e na universidade em que as pessoas aprendem a interagir como seres livres, assumindo a responsabilidade por seus atos e levando em consideração o próximo. Quando uma sociedade é organizada de modo hierarquicamente descendente, tanto por um governo centralizado de uma ditadura revolucionária quanto por decretos impessoais de uma burocracia impenetrável, em seguida a responsabilidade rapidamente desaparece da ordem política e também da sociedade. Governos centralizados produzem indivíduos irresponsáveis, e o confisco da sociedade civil pelo Estado leva a uma recusa generalizada dos cidadãos de agirem por vontade própria.

            Vou terminar este artigo com um trecho do verso declamado pelo saudoso Paulo Gracindo no extraordinário show Brasileiro Profissão Esperança, que também contou com a grande e saudosa cantora Clara Nunes, trecho que serve para expressar a minha indignação, e acredito da maioria do povo brasileiro, de tudo que está acontecendo de ruim no Brasil, um caminho que não quero ir nunca, que é o caminho da desesperança e da desgraça.

“Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: vem por aqui!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí! ”




Armando Soares – economista

e-mail: armandoteixeirasoares@gmail.com

domingo, 26 de março de 2017

A Estátua do Laçador - Por Ricardo Chaves



Conheça a história da estátua do Laçador

Criada por Antônio Caringi,
a obra foi inaugurada em 20 de setembro de 1958,
tendo sido tombada e considerada patrimônio de Porto Alegre.


Prefeito Leonel Brizola com o escultor Antônio Caringi, em 1958:
Foto: Acervo Família Caringi


No contexto político do Estado Novo (1937-1945), que se caracterizou pelo nacionalismo e pela centralização do poder, Getúlio Vargas (1882-1954) chegou a dizer: “Não temos mais problemas regionais; todos são nacionais, e interessam ao Brasil inteiro”. Com isso, as bandeiras dos Estados chegaram a ser queimadas e os símbolos regionais, assim como os partidos políticos, foram extintos.

É provável que, devido ao seu caráter regional, o projeto do prefeito Loureiro da Silva (1902-1964) de inaugurar, em 1940, uma estátua do artista plástico Marcos Bastos tenha sido inviabilizado. Premiado no Centenário Farroupilha (1935), atualmente, não se tem notícia desse artista, e a sua maquete em gesso, O Bombeador, que representava um gaúcho a cavalo, está desaparecida. Dezoito anos haviam se passado quando, pelas mãos do artista pelotense Antônio Caringi (1905-1981), o ideal de erigir um monumento à figura do gaúcho finalmente se concretizou.



O escultor Caringi e o tradicionalista Paixão Côrtes,
que serviu de modelo para a confecção da estátua:
Foto: acervo da família Caringi.


Inaugurado em 20 de setembro de 1958, O Laçador marcou as comemorações do 123º aniversário da Revolução Farroupilha (1835-1845). De acordo com o saudoso pesquisador Rodrigues Till, com quatro metros e 40 centímetros de altura e pesando, em bronze, 3,8 mil quilos, o monumento teve várias denominações: Bombeador, Boleador e, finalmente, Laçador.

Criado no Rio de Janeiro, no atelier de Caringi, O Laçador esteve exposto no Parque Ibirapuera, no Pavilhão do Rio Grande do Sul, em 1954, durante as festividades do IV Centenário de São Paulo. Depois de ser adquirido pela prefeitura de Porto Alegre, o monumento foi instalado e inaugurado na entrada da Avenida Farrapos. Seu criador, Antônio Caringi, inspirou-se no homem campeiro, tendo sido o seu modelo o tradicionalista João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes, nascido em Livramento no dia 12 de julho de 1927.


Festa de inauguração, em 20 de setembro de 1958.
Foto: reprodução / “Jornal do Dia” de 23 de setembro de 1958:
Acervo Musecom.


Considerado patrimônio da cidade, pela lei complementar nº 279, de 17 de agosto de 1992, O Laçador foi tombado pela Secretaria Municipal da Cultura, de acordo com edital publicado na imprensa em 17 de julho de 2001. Em 1991, por votação popular, o monumento já havia sido eleito símbolo oficial de Porto Alegre, confirmando a expressão Vox populi vox Dei (A voz do povo é a voz de Deus).

Durante a cerimônia de inauguração d'O Laçador, em 20 de setembro de 1958, o prefeito Leonel de Moura Brizola (1922-2004) discursou na Praça do Bombeador, destacando a grandeza do Rio Grande, seu povo e sua tradição. Suas palavras emocionaram a multidão presente. Há consenso de que seu discurso inaugural foi fundamental para alavancar sua campanha para governador do Estado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A banda marcial do Colégio Gonzaga, convidada pela prefeitura da Capital, veio de Pelotas para abrilhantar as comemorações da data farroupilha.

Em 11 de março de 2007, o monumento foi transferido para o Sítio do Laçador, localizado em frente ao antigo terminal do Aeroporto Internacional Salgado Filho, a uma distância de 600 metros do seu antigo local. O Laçador encontra-se numa elevação que recebeu a denominação de Coxilha do Laçador. Os custos foram de R$ 1 milhão, e o motivo de sua transferência foi a construção, naquele local, do Viaduto Leonel Brizola. Como símbolo de Porto Alegre, O Laçador segue, ao longo dos anos, recebendo quem chega à nossa cidade. Como um velho amigo, ele abraça a todos com o laço da hospitalidade do nosso Estado, cuja capital, fundada, em 26 de março de 1772, completou 245 anos em 26 de março de 2017.

Parabéns, Porto Alegre!


Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa.


(Ricardo Chaves em Almanaque Gaúcho de Zero Hora)

Filho processa a mãe por tomar seu celular? Ah, vá estudar, moleque!


Li ontem no site de temática  jurídica Jusbrasil uma notícia assaz eloquente por si própria:
Um adolescente de 15 anos processou a própria mãe depois que esta lhe tomou o celular para que ele parasse de jogar e se concentrasse nos estudos.
O caso aconteceu em Almería, na Espanha. Era 28 de fevereiro, quando se comemora o Día de Andalucía e, portanto, feriado. O site La Voz de Almería reporta que María Angustias H. H, de 37 anos, queria que o filho largasse o aparelho; como ele não o fez, ela decidiu pelo confisco, o que fez com uso “leve” de força, segundo afirma.
O caso foi parar nas mãos de Luis Miguel Columma, magistrado do Penal 1, que não só absolveu a mãe como ainda lembrou que a lei exige que ela tome atitudes como aquela, já que é dever dos responsáveis garantir que as crianças e adolescentes do país tenham boa educação.
“Ela não seria uma mãe responsável se permitisse que seu filho se distraísse com o celular e falhasse nos estudos”, afirmou Columma na sentença.
Muy bien, meritíssimo! O movimento de escala global que busca retirar dos pais – e transferir para o Estado – a responsabilidade pela educação de nossos filhos precisa tomar umas pauladas desse tipo com mais frequência.
Sim, é da família a incumbência de transmitir valores às próximas gerações. E a ela é facultado, por conseguinte, impor proibições, determinar limites e aplicar punições se necessário. O rebento indisciplinado não quer cessar a diversão e fazer seus deveres escolares?  Nada que um puxão de orelha não possa resolver. Opressão? Até parece: respeito às figuras materna e paterna é algo de tal sorte importante que mesmo uns bons beliscões justificam-se no caso.
É desse aprendizado, afinal, que brotará o cidadão cumpridor de regras, o bom funcionário, o indivíduo ciente de que o mundo não gira ao seu redor, a pessoa que sabe distinguir o certo do errado, o adulto capaz de reconhecer as ocasiões em que deve refrear suas vontades e agir pensando nas consequências de seus atos.
O amadurecimento experimentado sob a tutela familiar é, pois, o que permite manter intacto o arcabouço moral que nos trouxe ao estágio atual de civilização e desenvolvimento, e que nos diferencia dos animais – os quais, a cada nova ninhada, partem do zero seu aprimoramento como espécie. Nossa avançada linguagem nos permite aprender muito com os que pisaram neste mundo antes de nós, possibilitando enxergar longe apoiado em seus ombros de gigante. Mas, para isso, por vezes é necessário que o gigante fale grosso – ou de nada servirá sua altura, e os ensinamentos que ele poderia passar adiante perdem-se de forma irrecuperável.
Admira-me muito a cara-de-pau do advogado que representou este menor em juízo. Decerto pretendia que o judiciário deixasse claro, em sua decisão, que filhos não devem obediência a seus genitores e que só precisam estudar, portanto, se assim lhes aprouver – contribuindo tanto para desestabilizar os núcleos familiares quanto para formar seres humanos mimados e totalmente despreparados para as agruras da vida (e muito burros, claro).
Retirar a autoridade dos pais é impossibilitá-los de restringir as atitudes dos filhos, resultando em um cenário esquizofrênico: são eles os legalmente responsáveis pelos desvios de condutas cometidos pelos adolescentes antes da idade de dezoito anos; mas como será possível, então, orientá-los e mantê-los na linha se até olhar feio der azo à processos judiciais?
Já não fosse suficiente a famigerada Lei da Palmada intervindo na criação dos filhos, agora também o “uso leve de força” será visto como reprimenda desproporcional e inadequada ao mundo “progressista” em que vivemos? Castigos sem video-game passarão a justificar multa e perda da guarda da criança, e seu envio a um orfanato estatal? É bom nem dar idéia.
Está ficando tão complicado educar a prole conforme os próprios desígnios sem desagradar o padrasto governo que tal conjuntura acaba gerando uma forte sensação de medo de ter filhos, como se fosse a situação mais difícil do mundo de encarar. E adivinhe se esse sentimento – somado à libertinagem sexual (ela também fruto da falta de uns cascudos) e às decorrentes gravidezes indesejadas e precoces em profusão – contribui para que ocorram mais ou menos abortos?
Percebam como a distorção da realidade que afeta esses “senhorzinhos satisfeitos” descritos por Ortega y Gasset – e que os previne de constatar que a comida em sua mesa não surge por materialização espontânea – atingiu um nível tal que o dependente aciona o Estado para cobrar dinheiro daquele que o sustenta. Caso tivesse sido atendido em sua postulação, poderia até mesmo vir a faltar…comida em sua mesa, como consequência. E aí a solução seria qual? Ingressar com nova ação judicial alegando maus tratos, quem sabe? Vejam só a insanidade que se pode produzir quando resolvemos solicitar a agentes estatais que lavem nossa roupa suja.
Lamentável o episódio narrado, amenizado tão somente pelo arrazoado do magistrado espanhol. Theodore Dalrymple, em sua obra “Podres de Mimados – as consequências do sentimentalismo tóxico”, aponta o Estado de bem-estar social como culpado pela infantilização dos indivíduos, que são tratados como crianças irresponsáveis, dissociando os conceitos de direito e dever. Passos na contramão deste processo de involução da humanidade são sempre muito bem-vindos, portanto.
Mas não pensem que esse povo que vê a família como inimiga número um da felicidade geral da nação – muito embora nenhum deles tenha sido criado em chocadeira – vai desistir fácil. A próxima petição já está em vias de ser protocolada na vara de justiça: indenização por não deixar a menina de dez anos ir ao baile funk, caracterizando incontestável cárcere privado. Por falar em vara, que falta uma de marmelo faz nessas horas…
Ah, o dever de casa era de Sociologia, Karl Marx e mais valia? Devolve o celular aqui para o rapaz então. Tá liberado!

sábado, 25 de março de 2017

"Ultraje" - por Rosiska Darcy de Oliveira


O Globo

Desfaçatez dos políticos à cata de impunidade contém outro imenso risco: deixar intactos os múltiplos esquemas de corrupção



A resposta da ministra Cármen Lúcia à pergunta do jornal O GLOBO — “E agora, Brasil?” — exprime de forma luminosa a gravidade do momento que estamos vivendo. “E agora, brasileiros? O que vocês, incluindo todos nós, vão fazer para mudar? Este é o momento de despertar, como em outras oportunidades que tivemos”.

A apresentação da lista de Janot é um destes momentos raros na vida das nações em que sentimos com um misto de exaltação e inquietação que a história se acelera e que estamos jogando o nosso destino. À frente, uma encruzilhada: um salto em direção ao futuro ou a regressão ao charco em que o país agonizava sem que soubéssemos. Chegou a hora da verdade.

A denúncia do procurador-geral revela a metástase da corrupção que devastou o Brasil. O sistema político implodiu, fez-se um campo de ruínas. Exacerba-se o desespero dos políticos que, desmascarados, não pensam em nada senão em salvar a própria pele, custe o que custar. Da tentativa de aprovação a toque de caixa de uma autoanistia à adoção do voto em lista fechada para assegurar sua reeleição e foro especial, as tramoias urdidas no Congresso provocam uma sensação de náusea.

Vivemos tempos de “italianos” e “amigos”, todos amigos dos amigos, tempos de mafiosos, bandidos com codinomes, batizados por empresas criminosas. O que explica o sorriso meio irônico, meio Mona Lisa, do insondável Marcelo Odebrecht.

O Brasil tem um vasto capital de homens e mulheres dignos. A respeito da autoanistia, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto foi cristalino: “Não existe a figura da autoanistia. O Estado não pode perdoar a si mesmo, é inconcebível, um disparate, um contrassenso, uma teratologia. É a negação do estado de direito”.

A introdução do voto em lista fechada, controlada pelos caciques dos partidos e com lugar reservado para os detentores de mandato, expropria o eleitor do seu direito de escolha e os cidadãos do direito de se candidatar. Garante a esta gente seu foro privilegiado ainda que à custa de mumificar a representação política, impedindo toda e qualquer esperança de renovação. É este objetivo escuso que está por trás da manobra, e não qualquer preocupação com a reforma do sistema eleitoral.

O desfecho do processo de reconstrução nacional, que é o sentido profundo da Lava-Jato, está à vista. A afirmação de que ninguém está acima da lei vence a descrença e muda o Brasil. Daí a violência da reação destes que sentem seu poder e seus privilégios ameaçados. Já não têm mais nada a perder, nem honra, nem dignidade. Em suas próprias palavras, sua única preocupação é “estancar a sangria”. Comportam-se como feras acuadas, dispostas a tudo.

A desfaçatez dos políticos à cata de impunidade contém outro imenso risco, o de deixar intactos os múltiplos esquemas de corrupção ainda não alcançados pela Lava-Jato. É provável que o que já veio à tona seja apenas a ponta de um iceberg cuja parte ainda submersa se espraia por todos os níveis da administração pública, estatais, fundos de pensão, agências reguladoras, enfim, por todo e qualquer espaço em que haja recursos públicos a serem saqueados.

Há os que argumentam que a investigação e a punição dos culpados abrem uma crise institucional que desestabiliza a economia. Nonadas. O que destroça a economia é o megassistema de corrupção. O que gera instabilidade é a impunidade. A volta por cima que estamos dando só valoriza nossa imagem e lugar no mundo.

Há que dar um basta às tentativas de impunidade sob pena de perpetuação do sistema de corrupção. Como alertou um dos procuradores da Lava-Jato, uma noite no Congresso pode destruir tudo o que se vem construindo nos últimos anos. Autoanistia e ameaças a juízes e procuradores representam um último ultraje à população que exige decência. São aberrações que não podem passar sob pena de desmoralização da democracia.

Atenção às palavras da ministra Cármen Lúcia. “Acho que talvez estejamos quase na ruptura de um modelo político-institucional em que passavam-se coisas que não vinham a público e, se viessem, dava-se um jeitinho. Agora, não. Agora o jeito é aplicar a lei, e será aplicada! Há juízes no Brasil para aplicar a lei, e ponto. Podem acreditar nisso!”

Acreditamos. Agora, mais do que acreditar, é preciso agir. Os que queremos a redenção do Brasil não podemos ser espectadores, temos que ser protagonistas. Cada gesto conta, cada palavra dita ou escrita, cada opinião compartilhada em conversas, redes e blogs, cada protesto público. Se assim for, a impunidade não passará.