segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pedro S. Malan*: O 14º ano do lulopetismo no poder


- O Estado de S. Paulo, domingo, 10 de janeiro. 

Dilma, lidando com ‘o pós-Lula’ foi o título de artigo que publiquei neste espaço quase cinco anos atrás (13/3/2011). À época, a expressão pós-Lula causava marcado desconforto a muitos, que resistiam a vê-la como forma abreviada de se referir ao período que se seguiria ao término dos oito anos (2003-2010) da administração Lula. O artigo explorava possíveis razões do desconforto com essa expressão.

Agora, neste início do crucial ano de 2016, estamos vivendo uma situação em que Lula e o PT já estão “lidando” com o pós-Dilma, isto é, focando no futuro de ambos, mesmo anos antes do que consideram de público a única legítima data-limite (2018) para se falar abertamente sobre o pós-Dilma. Mas o fato é que antes de 2018 vêm as eleições de outubro de 2016. E antes disso Lula e o PT e os movimentos sociais sobre os quais têm grande influência estarão se posicionando e/ou reposicionando em relação ao governo Dilma – à luz do desempenho da economia e de seus próprios, e prioritários, instintos de sobrevivência política.

Lula e o PT já foram capazes de cometer enorme injustiça com o competente ex-ministro Joaquim Levy, responsabilizando-o, e não ao governo Dilma, pelo péssimo desempenho econômico de 2015 – contratado muitos anos antes, desde a gestão Lula 2. Foram inúmeros os manifestos e pronunciamentos do lulopetismo, no correr de 2015, contra a “política econômica do ministro Levy” e a favor da “retomada imediata do crescimento”. Para os dessa grei, apenas uma questão de “vontade política”. Tenho certeza que esse não é o caso do novo ministro da Fazenda.

Mas o ano que se inicia é o 14.º – e crucial ano do lulopetismo no poder. Crucial para Dilma, para o PT e para Lula. E muito mais importante para o Brasil, dadas a lastimável situação em que se encontra a sua economia, a disfuncionalidade de sua política e as consequências do inédito processo de investigação ora em curso sobre ligações perigosas entre pessoas (públicas e privadas) e empresas (privadas e estatais). Nunca antes na História deste país tivemos o grau de incerteza que resulta da interação destas situações de crise.

Sairemos dela um dia, estou seguro, embora a um custo que ainda não nos é dado avaliar exatamente, mas sabemos que está sendo e será ao fim e ao cabo muito alto em termos de empregos que foram perdidos, de renda e empregos que não foram gerados, de renda real perdida para a inflação, de queda de produção, do investimento que não se realizou, de poupança que se evaporou e de sonhos e expectativas frustrados, especialmente para aqueles que haviam adquirido a sensação de um permanentemente conquistado melhor padrão de vida para si e para os seus. É duro encarar por alguns anos a realidade mesmo em países ricos, com renda per capita de três a seis vezes maior que a nossa. Aqui é bem pior a sensação de mal-estar com ilusões perdidas.

O mal-estar pode ser especialmente daninho para a necessária recuperação de um maior grau de confiança no País (que certamente existe), mas principalmente, agora, de confiança no governo e em sua capacidade de coordenação com o Congresso e de comunicação transparente com a sociedade – que deixa, e muito, a desejar.

Para tal o governo precisaria dar demonstrações críveis à sociedade de que a) tem um diagnóstico adequado da situação (neste início de 2016); b) tem um entendimento, que faça sentido para a população, do processo pelo qual chegamos (o País) à situação atual (o passado recente); e c) não menos importante, com base em a) e b), que tem um conjunto de ações, não pura retórica nem proveniente de indevida “gerundização da política” (do tipo vamos estar fazendo, vamos estar providenciando, vamos estar estudando). Afinal, estamos entrando no 14.º ano do lulopetismo no poder.

Não é verdade, como por vezes parece insistir o governo, que tenhamos chegado à situação atual de repente, não mais que de repente, surpreendidos apenas no final de 2014, após o resultado das urnas. Agora, em abril deste ano, estaremos completando dois anos de uma recessão que começou em abril de 2014, cujas bases foram, no fundamental, sendo lançadas por ações, omissões e erros do governo ao longo de anos anteriores a 2014 – na verdade, anteriores a Dilma 1, apenas continuados e acentuados no seu período.

Para a difícil tarefa de entender o presente, e poder vislumbrar o tipo de ações que este e o futuro exigem, é preciso ter alguma narrativa minimamente coerente sobre o passado através do qual chegamos à situação atual. Não qualquer narrativa, destinada a militantes partidários e simpatizantes de sempre, mas uma que parcela expressiva da opinião pública brasileira considere que lhe pareça fazer sentido, dizer-lhe respeito, ser-lhe útil, ajudá-la a entender um pouco melhor a sua circunstância, o seu futuro e dos seus. Isso é tarefa para lideranças políticas capazes de se comunicar de forma convincente e respeitosa para com a inteligência dos brasileiros.

Pode parecer fácil. Mas não é. Tanto é assim que nem o governo – que, afinal, tem a responsabilidade principal – nem as oposições estão sendo capazes de fazê-lo. Mas acho que temos avançado, apesar das aparências em contrário. Ao menos há menor espaço para a mentira, a desfaçatez e a hipocrisia. E certamente menor espaço para erros associados a velhas e perigosas ilusões – que não têm futuro.

Como escreveu Paul Volcker em seu famoso relatório para a ONU (Boas Intenções Corrompidas: o Escândalo do Programa Petróleo por Alimentos): “Após mais de 50 anos de experiência, tive inúmeras oportunidades de observar em primeira mão a frustração das boas intenções: debates infindáveis, defesa de interesses muito especiais, falta de visão ampla e oportunidades perdidas entre o impasse político e a inépcia administrativa”.

Como diria o grande Ancelmo Gois: “Deve ser duro viver em países assim”.

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* Pedro S. Malan é economista, foi ministro da fazenda no governo FHC

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