Mercadante diz que físico deveria ter sido barrado em 2013; professor acusado de terrorismo fala em ‘acusações fabricadas’
BRASÍLIA E RIO - Investigado pela Polícia Federal, o físico Adlène Hicheur nem deveria ter entrado no país. A declaração contundente é do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, que afirmou que o hoje professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) deveria ter sido barrado ao chegar no Brasil em 2013. Mercadante acompanha o caso do professor, divulgado pela revista “Época”, desde setembro, quando recebeu pedido de auxílio da Polícia Federal ainda como titular da Casa Civil. Hicheur, por sua vez, alega que o processo em que foi condenado por terrorismo na França foi fabricado.
— Lógico que deveria ter sido bloqueado (o acesso dele ao país). Uma pessoa que teve aqueles e-mails que foram publicados, que foi condenada por prática de terrorismo, não nos interessa para ser professor no Brasil. Não há nenhum interesse nesse tipo de perfil — disse, descartando, no entanto, qualquer movimento do governo para desligá-lo ou afastá-lo da universidade. — O currículo acadêmico dele e a produção científica preenchem todas as exigências. É um pesquisador altamente qualificado. O problema não é se ele é professor, engenheiro, estudante. Se há indicio de alguém que teve, como no caso dele, condenação ou envolvimento com práticas terroristas, você tem que bloquear na entrada.
AÇÕES DE SEGURANÇA
Para julgá-lo, a polícia francesa se baseou em mensagens trocadas por Hicheur com um usuário que usava o pseudônimo Phenix Shadow — que seria Mustapha Debchi, apontado pelo governo como membro da al-Qaeda na Argélia. Nos e-mails, os dois mencionavam assassinatos, ataques a embaixadas e potenciais alvos, entre outros conteúdos suspeitos. Detido, ele cumpriu dois anos e meio de prisão.
Embora a universidade que hoje emprega o físico seja federal, Mercadante disse que cabe ao Ministério da Justiça e à Advocacia Geral da União tomar providências em relação ao franco-argelino. Agentes da Divisão de Antiterrorismo da Diretoria de Inteligência (DIP) da Polícia Federal de Brasília o monitoram há pelo menos seis meses.
Segundo o ministro, embora não tenha tradição de conflitos, o Brasil pode sofrer atos terroristas durante as Olimpíadas, por ser um evento de repercussão mundial.
— É o evento de maior impacto midiático do mundo, a maior audiência de todos os eventos é a abertura das Olimpíadas. O Brasil não é alvo, mas pode ser palco.
Em dois endereços cariocas onde antes era fácil encontrá-lo, Hicheur não foi localizado ontem. Procurado por telefone, também negou-se a comentar o assunto e desligou rapidamente. Em carta enviada por e-mail ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), à qual o GLOBO teve acesso, Hicheur sustenta que a acusação francesa não conseguiu apresentar provas materiais para sustentar seus argumentos.
“Eu fui preso pela polícia francesa no fim de 2009 e a única justificativa foram minhas visitas aos chamados websites islâmicos subversivos. Fui privado da minha liberdade por dois anos apenas com base nisso.”
Especialista em física das partículas elementares, ele fazia parte da equipe da Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (Cern, na sigla em francês) em Genebra, na Suíça, onde está proibido de voltar até 2018. A “Época” teve acesso a 35 e-mails trocados entre o físico e o jihadista. Em um deles, Phenix fez uma abordagem sem rodeios: “Caro irmão, vamos direto ao ponto: você está disposto a trabalhar em uma unidade de ativação na França?”. Cinco dias depois, a resposta. “Sim, claro”.
AÇÕES SERIAM FABRICADAS
Ontem, Hicheur declarou-se inocente e denunciou abusos durante o período em que esteve sob custódia na França.
“O caso foi fabricado usando-se partes pinçadas de uma conversa virtual com o objetivo de mostrar que haveria uma tentação de considerar a violência como solução para conflitos internacionais em países árabes e muçulmanos como Iraque ou Afeganistão.”
A PF passou a investigá-lo após uma reportagem da TV CNN de 2015 numa mesquita no Rio, em que um frequentador defendia os ataques ao semanário “Charlie Hebdo” e levantava a camisa, revelando um símbolo do Estado Islâmico.
Com a descoberta de que Hicheur também frequentava o templo, ele passou a ser monitorado, e seu escritório na UFRJ e o apartamento na Tijuca foram revistados. A ação, no entanto, é considerada comum, segundo policiais federais consultados pelo GLOBO, e não envolve apenas o físico. O trabalho tem a participação de outras agências de Inteligência e atinge estrangeiros com passagem pela polícia e brasileiros considerados “simpáticos” a grupos terroristas. Como a investigação da PF estava sob sigilo, segundo Mercadante, ele não conversou, até agora, com nenhuma autoridade da UFRJ.
Na carta, o físico sustenta que a “Polícia Federal no Brasil não tem nada contra” ele e nega qualquer ligação com o ocorrido na mesquita, ressaltando que não estava no local no dia. Ainda no documento, Hicheur argumenta que “estava muito doente durante todo o período do alegado crime de ‘associação com transgressores’”.
Ele destacou que teve apoio da comunidade científica no processo e que tem lutado para se recuperar de uma experiência “terrível”. O pesquisador é líder em diversos estudos do laboratório e respeitado pelos colegas. Em 2012, um comitê de apoio na França reuniu milhares de assinaturas pedindo sua libertação. Ontem, o documento foi enviado junto a uma carta assinada por Ignacio Bediaga, coordenador de Física Experimental de Altas Energias do CBPF — que classificou o processo contra Hicheur de arbitrário.
“À época da sua prisão, pudemos observar que as opiniões dos nossos colaboradores europeus ficaram divididas. Entretanto, após dois anos de encarceramento, sem acusação definida, houve um consenso entre os nossos colegas da arbitrariedade da ação da polícia francesa e do próprio julgamento.”
No Laboratório de Física de Partículas Elementares, onde trabalha, o franco-argelino não apareceu para tocar as pesquisas. Também não frequenta há duas semanas a Mesquita da Luz, na Tijuca, onde costumava fazer orações. Ex-secretário do templo, Fernando Celino aposta que diante da exposição, Hicheur pode até sair do país:
— Acho que pode ser que ele vá embora. É uma pessoa muito reservada, só três ou quatro fiéis tinham convívio mais próximo.
Colaborou Paula Ferreira
EUA E BRASIL MONITORAM CONJUNTAMENTE
POR ANTÔNIO WERNECK
RIO - De olho na segurança dos Jogos Olímpicos e para enfrentar ameaças terroristas, o governo americano está ajudando há quatro anos policiais federais brasileiros no monitoramento e triagem dos estrangeiros que entram no país pelos aeroportos. O trabalho de inteligência começou em 2011 com a assinatura de um memorando de cooperação entre os Estados Unidos e o governo brasileiro. A informação foi confirmada ao GLOBO pela Embaixada dos EUA no Brasil. Não são as únicas medidas. Americanos e brasileiros estão trabalhando conjuntamente em diversas áreas, incluindo o monitoramento de estrangeiros suspeitos de ligação com grupos terroristas internacionais.
O trabalho envolve triagem e checagem de documentação. Durante os Jogos Olímpicos, os americanos irão implantar parceria semelhante na gestão e no monitoramento de quem entrar em locais de eventos esportivos, bem como no estudo de maneiras para evitar incidentes graves de segurança em estádios e em suas imediações.
Nos próximos dias, a Polícia Federal deverá escolher os representantes de 52 países — dos mais de 200 que virão ao país participar do evento esportivo — para trabalharem em dois centros de cooperação internacional. Um funcionará em Brasília, e o outro será implantado na sede da Superintendência da Polícia Federal no Rio. No centro, além dos países convidados, com garantia de hospedagem, deslocamento e alimentação, estarão representantes da Interpol.
Segundo fontes da Polícia Federal, os centros funcionarão 24 horas por dia. Tudo para garantir garantir a segurança e a proteção de atletas, espectadores e cidadãos. A PF garantiu que a escolha dos países que farão parte do centro de cooperação levará em conta o tamanho das delegações e o potencial de risco. Uma análise de risco da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) põe a delegação da França no nível mais elevado de possibilidade de se tornar alvo de ataques no Brasil, juntamente com as dos EUA e de mais oito países.
— Teremos equipes trabalhando num mesmo espaço, com estreita cooperação — disse um policial federal.
Maior evento esportivo do planeta, os Jogos Olímpicos irão mobilizar cerca de dez mil atletas de 206 países, devendo atrair grandes quantidades de turistas ao Brasil. A previsão dos organizadores é de o Rio receber, somente na cerimônia de abertura, cerca de cem chefes de Estado e de governo.
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