sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Como evitar um dia de fúria do consumidor?


Na semana passada, um cliente destruiu a loja de uma empresa de telecomunicações no Rio de Janeiro. Veja dez dicas de como lidar com situações em que clientes eventualmente ficam irritados e furiosos com a má qualidade do atendimento ao consumidor


 Marco Morsch
iStock
Muitos consumidores devem ter se identificado com a situação ocorrida na última semana no Rio de Janeiro. Imagens que circularam nas redes sociais mostram um cliente enfurecido destruindo com uma marreta a loja de uma empresa de telecomunicações no Rio de Janeiro. Ele grita com os funcionários, dizendo que se o serviço não fosse cancelado, iria quebrar tudo. “Vocês não estão lidando com moleque não. Estão lidando com um homem”, disse ele.
O fato faz lembrar o filme "Um Dia de Fúria", de Joel Schumacher, no qual o protagonista acaba de ser demitido. Revoltado, ele vai a uma lanchonete e pede o café da manhã. A atendente sorrindo responde que o café deixou de ser servido há 3 minutos. Quando o gerente diz: "Eu sinto muito!", o desempregado reage furiosamente: tira de sua mochila uma metralhadora e a aponta para os atendentes exigindo o lanche.
Clientes eventualmente ficam irritados e furiosos com a qualidade do atendimento que recebem. Uma pesquisa recente apontou a queda na qualidade do atendimento no país. Segundo a RevistaConsumidor Moderno, 53% das empresas estão preocupadas em atender bem o cliente por todos os canais possíveis, porém muitas não têm orçamento ou condições de fazerem esse atendimento em sua plenitude.
Esse caso reflete o desafio da gestão integrada e sistêmica em organizações complexas: como permear a voz do cliente em todos os processos e procedimentos, qualificar os colaboradores e desenvolver uma cultura corporativa voltada para o cliente? Não adianta sermos excelentes em uma face do negócio e insatisfatórios noutra. Por exemplo, de que adianta um banco ter ótimas práticas de responsabilidade social na comunidade se nas agências suas filas são enormes e a escassez de funcionários nos guichês irrita os consumidores? 
As empresas de telecomunicações investem milhões de reais em marketing, inovação e tecnologia, mas ironicamente são campeãs de reclamações no Procon. Algo deve estar errado.
Será que os atendentes são despreparados? Ou é porque os serviços de atendimento, comocallcenter, são terceirizados e o turn over nos balcões é muito elevado, impactando a qualidade? Ou será problema dos serviços e do modo como funcionam as operações e processos?
Por mais que as organizações busquem racionalidade para operar, elas são conduzidas por pessoas que possuem emoções e sentimentos, assim como os consumidores. Não importa de que lado do balcão estão, as pessoas podem ser difíceis, geniosas e complicadas, com problemas crônicos de relacionamento e até emocionalmente descontroladas.
Especialistas salientam que atitudes ruins têm grande relação com a falta de Inteligência Emocional. Em 1983, Howard Gardner, mostrou a existência de pelo menos outras sete inteligências além do QI. Dentre elas, as que tratam da capacidade do indivíduo se relacionar com as pessoas e conhecer bem a si mesmo - a Inteligência Emocional (QE).
Para Eduardo Ferraz, da Catho, as pessoas com baixo QE têm um autoconhecimento limitado e dificuldade para controlar suas emoções. Normalmente esse indivíduo não tem consciência de seus comportamentos, e tem dificuldade em avaliar o impacto que suas atitudes causam nos demais. Como consequência, costumam ser egocêntricos, lidam mal com o estresse, têm baixa tolerância a frustrações e, como consequência, costumam apresentar problemas comportamentais que os prejudicam profissionalmente.
Pesquisas apontam que dentre as cinco principais razões que levam as empresas a demitirem seus funcionários quatro estão relacionadas a problemas comportamentais do profissional e apenas 20% das demissões têm relação com falta de conhecimento técnico. Ou seja, não adianta a pessoa falar três idiomas ou ter MBA, se suas atitudes forem ruins.
Dois focos de gestão podem contribuir para evitar conflitos com o cliente: a cultura organizacional e o know-how em comportamento do consumidor. Quando os valores corporativos e as práticas organizacionais são fundamentadas na valorização do cliente, normalmente as políticas, processos e procedimentos empresariais são amigáveis e o consumidor obtém sua satisfação. Quando a empresa treina constantemente seus atendentes em como entender e tratar o comportamento do consumidor, incluindo conhecimentos sobre QE, habilidades de comunicação e de negociação, diminuem o surgimento de conflitos.
Casos como o do Rio são imponderáveis. Mas a racionalidade da administração recomenda a simulação e treinamento para qualificar os colaboradores sobre como lidarem com situações inusitadas. Mesmo que não haja receitas, algumas dicas podem ajudar a lidar eficazmente com pessoas difíceis ou enfurecidas:
  1. Celebre o contato com o cliente: Seus clientes dão valor ao que você produz. Caso contrário não estariam na loja. Eles fazem o lucro da empresa. A empresa cresce e você ganha mais. Primeiro ganhe a confiança do cliente e faça-o sentir-se enaltecido.
  1. Decifra-me ou te devoro. Procure saber ouvir e também escutar “com os olhos” observando ativamente o comportamento verbal e não verbal do cliente. Geralmente o corpo fala e revela sinais de nervosismo, irritação ou sentimentos potenciais de raiva e agressão; as palavras ditas pelo cliente expõem seus sentimentos e atitudes. Procure manter a cuca fresca. Dedique atenção ao cliente e antecipe-se, tenha muita calma, paciência e benevolência.
  1. Percepção: avalie se a emoção está dirigindo as palavras e gestos do cliente, transformando seu comportamento em uma postura descontrolada, incapaz de permanecer no razoável como uma criança quando não consegue o que quer. Procure acolher o cliente. Pergunte humildemente como ele se sente. Desculpe-se pelo transtorno e expresse uma atitude positiva que revele sua vontade de se empenhar na solução. Sirva um café, biscoitos ou um copo de água. Desarme seu interlocutor mostrando afeto.
  1. Empatia: procure se colocar no lugar do cliente buscando entender como você se sentiria naquela situação. Tente compreender as razões, o contexto em que ele vive e os valores que ele tem. Sorrir, chamar o cliente pelo nome, fazer comentários positivos (exemplo: "vou fazer o melhor possível para resolver o seu problema") ajudam muito. Normalmente as pessoas difíceis gostam de manipular. Nunca retruque ou ataque de volta. Confrontar é a pior reação. Respire fundo e o respeite, sem nunca o ignorar.
  1. Respeito: Talvez o elemento mais importante na interação. O respeito é a base para o relacionamento humano. Mesmo que o cliente esteja faltando com o respeito, procure não revidar. Ao contrário, aceite seus argumentos e explique com cortesia e voz mansa qual o procedimento ou política da empresa. Não economize palavras de apoio emocional, tipo "eu compreendo perfeitamente sua situação". Demonstre que você se importa. 
  1. Assertividade: Procure ser firme, especifico e objetivo na sua fala, evitando palavras ambíguas ou que expressem antagonismo tipo: "Infelizmente é assim mesmo. São normas que o senhor deve aceitar!".
  1. Autodomínio: Mantenha seu eixo e procure controlar a si mesmo, agindo de maneira neutra e racional, mas sem frieza ou arrogância. Não espere mudar o outro. Nem se deixe influenciar e acreditar que o problema ou causa é com você, culpando-se. Lembre-se também que você não está sozinho. A intervenção do gerente pode ser oportuna. Geralmente uma terceira pessoa muda o clima na conversa.
  1. Que bom! Temos reclamações: Pense a reclamação como algo positivo, como uma oportunidade para melhorias e não como um xingamento. Ela é um presente que o cliente está te dando ao dizer aonde seu produto, processo ou serviço não está bom. Registre-a e encaminhe para o departamento pertinente. Quando o cliente percebe que a empresa é focada nele, mesmo irritado, ele quer permanecer leal.
  1. Empowerment. O atendente deve ter autonomia para solucionar o problema do cliente. Mesmo se houver procedimento padrão ou regras rígidas, a empresa deve ser flexível e delegar poder para que o atendente possa resolver situações extraordinárias. Isso gera mais credibilidade a empresa, orgulho ao atendente e encantamento ao cliente.
      
  2. Feedback: Se realmente o problema não puder ser solucionado naquele instante, novas alternativas devem ser discutidas a avaliadas (aqui entra a responsabilidade de a empresa desenvolver processos amigáveis aos clientes). Novamente, pedir desculpas é importante e colocar-se à disposição no futuro. Peça e agradeça o feedback do cliente. Algumas empresas dão até mesmo um brinde ou compensação ao cliente.
A relação de consumo é uma troca, onde o consumidor se satisfaz e a empresa lucra. Caso contrário, tem-se uma solução perde-perde. O cliente vai embora e não volta mais. Faz propaganda negativa para pelo menos 5 pessoas e prejudica a imagem e lucratividade da empresa. O jargão "o cliente é rei" continua mais atual do que nunca. Afinal, o principal propósito de uma empresa é servir o cliente!
Embora possa haver a perda de controle emocional das partes em um atendimento, espera-se que o atendente possua consciência e profissionalismo para abstrair e administrar eficazmente a situação. Mesmo que fiquem tentados a ignorar ou confrontar o cliente, há vários casos de atendentes que habilmente reverteram um mau atendimento e transformaram o cliente irado em um consumidor satisfeito, até mesmo em fã ardoroso da marca.

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