Sem perspectiva de solução, a crise política e econômica na Venezuela deveria preocupar o governo brasileiro, pela possibilidade de um desenlace violento e caótico com agudos efeitos sobre os países vizinhos e a região.
Durante 16 anos, o “socialismo bolivariano” interveio de forma crescente na economia, expropriou bens, controlou preços e câmbio, a corrupção se ampliou e a violência e a criminalidade aumentaram exponencialmente. A capacidade produtiva do país está seriamente afetada, com exceção do setor de petróleo, apesar de crescentes problemas. Na agricultura, a invasão de terras e as expropriações fizeram a produção estagnar e o país agora tem de importar quase 2/3 de todos os alimentos que consome.
A queda do preço do petróleo – que se poderá acentuar com o acordo com o Irã – e o crescente custo de produção reduziram a principal fonte de recursos do governo. Essa situação foi agravada pelo fornecimento de petróleo a preços subsidiados aos países da Alba e da Petrocaribe e pela redução dos investimentos no setor. A produção caiu significativamente e grande parcela é exportada para a China como parte do pagamento dos US$ 14,5 bilhões pendentes do empréstimo de US$ 56 bilhões concedido nos últimos oito anos. Tais políticas, combinadas com a necessidade de importar 40 mil barris/dia de gasolina para o fornecimento ao mercado interno, a preços muito baixos, fizeram com que as reservas caíssem rapidamente para US$ 15 bilhões na semana passada, com tendência declinante se o pagamento do serviço da dívida externa e a importação de insumos, alimentos e remédios forem mantidos.
Esse quadro se deteriorou ainda mais com Nicolás Maduro, depois da morte de Hugo Chávez, pela crescente escassez de alimentos, desvalorização da moeda, inflação galopante (estimada em 189% em 2015) e crescimento negativo (cerca de 7%).
Na área política, a situação não é menos dramática. O governo bolivariano controla totalmente o Legislativo e o Judiciário. Nas últimas eleições, o candidato da oposição Henrique Capriles teria vencido, se as alegadas fraudes tivessem sido apuradas de forma transparente e democrática. A oposição está dividida e, de forma crescente, reprimida. Muitos de seus líderes estão presos e outros foram cassados sem julgamento.
A corrupção e as alegações de narcotráfico com a participação de membros do governo aumentam, com militares e civis acusados de participar dessas atividades ilícitas. Segundo o Wall Street Journal, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, estaria sendo investigado pelas autoridades de Washington pelo envolvimento no tráfico de drogas. O presidente Barack Obama, por essa razão, impôs sanções a grande número de funcionários venezuelanos, proibindo seu ingresso nos EUA.
As Forças Armadas estão aparentemente unidas no apoio ao governo socialista e contam com a assistência e a instrução de força de segurança cubana. O regime venezuelano tem recorrido ao apoios da China, da Rússia, do Irã e do Brasil para sobreviver. As fricções com a Guiana em torno de território contestado se agravam. A Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) não interferem, já que a Venezuela, com o apoio dos países sul-americanos, prefere utilizar a União de Nações Sul-americanas (Unasul) para tentar reduzir as tensões políticas internas. Recentemente, por pressão da Unasul, inclusive do Brasil, houve um avanço concreto com a convocação para dezembro de eleições parlamentares, ameaçadas de adiamento pela baixa popularidade governamental (abaixo de 20%) e pelo risco concreto de derrota do governo. Os resultados dessa eleição poderão ser o estopim da crise mais grave.
O Brasil já sente as consequências da crise: o intercâmbio comercial está em queda em virtude das restrições cambiais e companhias brasileiras, inclusive as construtoras, não estão sendo pagas. O governo tem sido solicitado a fornecer mais alimentos para consumo da população venezuelana, conforme se noticiou durante a visita do controvertido Diosdado Cabello, que foi recebido pelo ex-presidente Lula e pela presidente Dilma. No âmbito do Mercosul – que se reuniu na semana retrasada e decidiu pela continuação das restrições comerciais –, o governo do PT terá de se posicionar, se houver “ruptura da ordem política”, e aplicar a cláusula democrática, com a suspensão da Venezuela do Mercosul. Recentemente, duas comissões de parlamentares brasileiros visitaram Caracas: uma, integrada por representantes da oposição, foi impedida de sair do aeroporto e cumprir programa de visitas que incluía encontros com o governo, com a oposição e com presos políticos; outra, formada por representantes da base de apoio ao governo do PT, conversou com o governo de Maduro e, na volta, produziu um relatório dando conta da total normalidade da situação política e econômica no país.
Nesse cenário, o governo brasileiro – que mantém, por afinidade ideológica, firme apoio ao socialismo bolivariano – deveria se preparar para as possíveis implicações sobre nossos interesses. Como mitigar as consequências de uma situação que fuja do controle das autoridades de Caracas, produza refugiados, que passarão para o nosso território, e que aumente a violência terrorista e o crime organizado, sobretudo o tráfico de drogas? A defesa da fronteira e ajuda humanitária já deveriam estar sendo preparadas.
O Brasil não terá como fugir de suas responsabilidades de líder regional. A crise – que, parece, se avizinha – terá de ser enfrentada levando em conta a defesa da democracia e dos direitos humanos sem restrições ou qualificações. As afinidades ideológicas devem cessar quando as práticas de opressão política silenciam as vozes que pedem liberdade e ordem interna. Mais cedo do que se espera, a política externa do governo do PT vai ser testada pelos acontecimentos na Venezuela.
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