terça-feira, 28 de abril de 2015

Professor Espíndola: "A Democracia no lugar errado"

10 de abril de 2014
Professor e engenheiro José João Espíndola, uma das autoridades da Ufsc mais premiadas por organismos nacionais e internacionais, envia pequeno artigo intitulado “A Democracia no lugar errado”. Confira o texto:
“A democracia no lugar errado
José João de Espíndola*
No momento em que se discute sobre o PLS 147, que estabelece eleições diretas nas instituições públicas de educação superior tomo a liberdade de abordar o tema, iniciando com a apresentação, abaixo, de excerto do Regulamento do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) sobre o mesmo assunto:
………………………………………………………………………………
REGULAMENTO DO INSTITUTO TECNOLÓGICO DE AERONÁUTICA
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CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 12. O provimento dos cargos e funções observará as seguintes diretrizes:
I – o cargo de Reitor do ITA é exercido, no regime de trabalho de dedicação
exclusiva, por personalidade de reconhecida capacidade no campo da ciência e da tecnologia, designado pelo CMTAER;
II – o Vice-Reitor é professor ou instrutor de ensino superior, de reconhecida
capacidade no campo da ciência, da tecnologia e ensino da Engenharia, designado pelo Reitor.
………………………………………………………………….
Os destaques acima são meus.
O ITA é uma instituição de prestígio internacional, com uma contribuição notável ao desenvolvimento do país, notadamente no setor de engenharia eletrônica, informática e aeroespacial. Não haveria Embraer nem desenvolvimento aeroespacial no país sem o ITA. No Regulamento do ITA se exige “personalidade de reconhecida capacidade no campo da ciência e tecnologia.” Note-se também que não se exige que o reitor saia do quadro docente do ITA. É assim mesmo que procedem as universidades do mundo avançado, aquelas que realmente contam na criação de ciência, tecnologia e cultura. O reitor, nessas universidades de prestígio no mundo, em geral é de extração do mercado de competência, nacional e internacional, após um processo de chamada, consultas e avaliações. O mesmo se aplica às escolhas de chefes de departamento, diretores de institutos, etc.. Os cargos em geral são anunciados ao mundo em periódicos e sites sobre educação, congressos e simpósios internacionais. Como exemplo cito o seguinte anúncio para Diretor do Institute of English Studies da universidade de Londres encontrado no Times Higher Edution:
“SCHOOL of ADVANCED STUDY – UNIVERSITY OF LONDON
Director – Institute of English Studies
Salary: Negotiable plus excellent benefits
Applications are invited for a Directorship within the School of Advanced Study, University of London.
The School seeks a person of outstanding academic standing able to command the respect of their discipline community and with the strategic vision to lead this important institution.”( http://jobs.timeshighereducation.co.uk/jobs_jobdetails.asp?ac=114365)
Um outro exemplo, agora para Chefe de Departamento:
“Head of Department – Finance, Accounting and Business Systems
Sheffield Hallam University, Sheffield
Employer details
At the Sheffield Business School, we pride ourselves on applying quality teaching and innovative thinking to make a difference – to our students, our staff and our industry partners. Outward looking and open, we’re passionate about working with organisations from the public, private and third sec…
Closing date: 22 Apr 2014 Salary: £Competitive + benefits”
(http://jobs.timeshighereducation.co.uk/jobs_category.asp?cc=10225)
Finalmente, um terceiro exemplo, vindo do Estados Unidos, para a direção de um Centro de Educação:
Descrição: Featured Job!
Director of School of Education
Clarion University of Pennsylvania
Clarion, PA, United States
03/27/2014
Descrição: save job
&n bsp; (http://www.jobtarget.com/c/search_results.cfm?t730=&search=&t731=29970&t735=130&max=25&site_id=557)
O que se vê, nos três exemplos acima, é a busca da qualidade pessoal, do mérito acadêmico, coisa em geral completamente negligenciada nas universidades federais brasileiras, que se comportam como se fossem, elas próprias, um clube recreativo, um sindicato, ou um país que, ‘democraticamente’, através de campanhas eleitorais escolhe um dos seus para as funções de chefe de Departamento, diretor de Centro, ou mesmo de Reitor. É sabido que o ser acadêmico, aquele que realmente conta na geração de conhecimento e excelência em ensino é, em geral, arredio e estranho a campanhas eleitorais. Em geral fogem delas como o diabo da cruz, porque não vê nelas um ato acadêmico em si mesmo. Pois é isto mesmo que deseja o baixo clero acadêmico, em geral improdutivo em pesquisas e desenvolvimentos de qualidade, mas altamente engajado em militância política de esquerda. E é por isso que este processo de falsa democracia na maioria das vezes gera reitores, chefes de Departamento e diretores de Centros (School, College) despreparados para a administração acadêmica que, necessariamente, como nas boas universidades do mundo, inclui a liderança em pesquisas. São, a grande maioria das vezes, pessoas medíocres, sem currículo Lattes, que apenas desejam o cargo como instrumento de promoção pessoal, de grupo, ou de militância ideológica e política. E com isto, a universidade sofre, apanha, anda para trás.
Não se trata de sugerir, aqui, a adoção direta do modelo das boas universidades do mundo. Naquelas, a chefia de Departamentos, a direção de Centros e os reitores são cargos (e não funções temporárias com mandato fixo como aqui), são promoções de carreira e não funções eletivas. São cargos de extração no mercado de competência mundial, e não funções eletivas para os que previamente já são quadros da universidade.
Essas diferenças são fundamentais e razão maior de nossas mazelas universitárias.
O que se deseja apontar aqui são as irracionalidades de nossos sistemas, que aplicam na universidade o modelo do Estado Democrático de Direito, como se ela (universidade) fosse um país e seus cidadãos os alunos, servidores técnico-administrativos e professores. Este modelo é conceitualmente absurdo e, na prática, desastroso. O que se deseja é que, ao se pensar em colocar em lei as formas de escolhas de dirigentes universitários -antes de uma reforma geral que nos aproxime das boas práticas adotadas no mundo avançado – que se medite sobre as diferenças aqui apontadas e se evitem as tais eleições (paritárias ou não) que só servem ao baixo clero acadêmico e constituem um desserviço à qualidade da universidade brasileira.
E os alunos, o que fazem os alunos durante o processo de escolha do reitor no ITA e nas universidades sérias do mundo, perguntará um “democrata” doméstico, que pouco ou nada entende e deseja de democracia. Ora, o aluno fará o que todo aluno deve fazer sempre: estudar, que é este o seu ofício. Estudar para graduar-se com distinção e poder enfrentar com sucesso o mercado de trabalho, sendo útil a si próprio, aos seus familiares e ao país.
E os servidores, os STAs? Ora (de novo), cumprem suas funções específicas nas atividades meio, que é para isso que são contratados e não para participarem de campanhas políticas para reitor, ou para o que quer que seja.
Também não se observa, no ITA e nas universidades dos países avançados, a coloração ideológica do potencial reitor, já que esta ele não a usará em sua gestão acadêmica, mas se observa apenas que ele seja, tão somente, “personalidade de reconhecida capacidade no campo da ciência e tecnologia.”. Qualidades, alias, que nem se cogita na busca de um reitor por aqui. De fato, nem se exige esta qualidade no Regimento da própria UFSC. Aqui se verifica apenas se o candidato é “democrático” e as suas “propostas”, tal qual numa campanha política comum, para que tenha apoio das forças “progressistas”, como se falou em recente artigo publicado no Boletim do Apufsc-Sindical. Só faltou se acrescentar “progressistas e populares”, como sempre falava o folclórico João Amazonas, líder do Partido Comunista do Brasil, expressão que passou a compor o jargão da esquerda mais radical e bolorenta.
Tudo isto é de uma indigência conceitual tão cabal que dói em quem enxerga algo mais, sobre universidade, à frente do nariz. E sem contar os sucessivos resultados medíocres para a instituição universitária que esta visão tem trazido, por gestões várias, por anos muitos. Coisa triste!
Na raiz de tudo o que ainda existe de bom nesta nossa UFSC, estão as mãos de dois gigantes: Ferreira Lima, o seu criador, e Caspar Erich Stemmer. Não vou me estender na análise da obra desses homens excepcionais, por não ser tarefa fácil e não caber neste simples ensaio. Mas o que quero dizer é que esses dois reitores, a quem muito devemos como universidade e como sociedade, não foram eleitos por alunos, nem por STAs, nem por todos os professores. Não nasceram, como reitores, do engodo da aplicação do modelo do Estado Democrático de Direito, que não é aplicável à universidade, que uma universidade não é uma nação, não é um clube nem um sindicato. Nestas três últimas organizações (nação, clube, sindicato), fazemos questão de votar os dirigentes porque lhes pagamos para exercerem suas funções e usar o nosso dinheiro. Na universidade nada pagamos: recebemos salários para ensinar, pesquisar e avançar o conhecimento.
Somos empregados do Estado para cumprir uma missão e não para brincar de clube democrático, do qual sejamos sócios.
Para bem servir à democracia no Estado de Direito, temos que nos dedicar, sem desvios ideológicos, à tarefa para que fomos incumbidos e somos pagos. Temos de produzir boa tecnologia, boa ciência e boa cultura. Para bem servir à sociedade, não podemos brincar de democracia interna corpore. Assim como um exército que, para bem servir ao Estado Democrático de Direito, não pode ceder ao engodo da democracia interna. Aliás, já se disse que um exército democrático (interna corpore) não é exercito: é um bando armado.
E a universidade “democrática”, interna corpore?
Também uma universidade que se entrega à farsa da democracia interna logo se afasta dos seus objetivos, perseguidos desde a Universidade de Bolonha: criar conhecimento, preservar e sistematizar o conhecimento e difundir o conhecimento.
Em vez disso, a universidade “democrática”, vira uma arena de disputas ideológicas, onde várias facções corporativas se digladiam, se acusam umas às outras, com sérios danos ao espírito acadêmico. (Vimos e estamos ainda vendo isto no caso envolvendo a PF, o batalhão de choque da Polícia de SC, traficantes e usuários de droga e professores manjados de esquerda, inclusive a reitora da UFSC). Este quadro grotesco funciona, periodicamente, em época de eleições, como uma festa para o baixo clero acadêmico, que deste circo se aproveita e sempre tira vantagens, levando às mais altas funções pessoas que, nem de longe, preenchem os requisitos de “personalidades reconhecidas pela capacidade no campo da ciência, da tecnologia e da cultura”. E assim se perpetua e ganha força o baixo clero acadêmico. E assim se esmaga a competência acadêmica.
Tudo, claro, às expensas do pagador de impostos.
* José J. de Espíndola é Professor Titular, lotado no Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC, aposentado.”

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