O termo “garantia”, no campo obrigacional, é conceituado como o meio jurídico de proteção ao direito subjetivo de uma das partes da relação, sendo responsável por assegurar esse direito perante quaisquer lesões advindas do inadimplemento da obrigação pela parte devedora.
Nestes termos, a garantia divide-se em dois tipos, quais sejam, a garantia pessoal e a garantia real.
A garantia real recai sobre coisas, sejam elas bens móveis ou imóveis, as quais ficam vinculadas ao pagamento da dívida, garantindo ao credor o recebimento do valor devido.
Assim, restringe-se a plenitude do direito real de propriedade do proprietário, limitando o exercício de suas faculdades sobre aquele bem.
Importante ressaltar que as garantias estão devidamente previstas em lei, razão pela qual se trata de um direito oponível erga omnes, ou seja, que deve ser respeitado e cumprido por todos.
O Código Civil, em seu artigo 1.419, dispõe acerca dos direitos reais de garantia denominados penhor, anticrese e hipoteca. Já o instituto da alienação fiduciária de bem imóvel está prevista na Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997, a qual dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências.
Hipoteca: considerações
O ordenamento jurídico pátrio prevê a hipoteca como um direito real, que recai sobre bens móveis ou imóveis, assegurando o cumprimento da obrigação.
De acordo com o Código Civil, podem ser objeto de hipoteca os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; o domínio direto; o domínio útil; as estradas de ferro; os recursos naturais como as jazidas, minas e demais recursos minerais, potenciais de energia hidráulica e monumentos arqueológicos, independente do solo onde se acham; os navios; as aeronaves; o direito de uso especial para fins de moradia; o direito real de uso e a propriedade superficiária.
Ressalte-se, ainda, que a hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel, subsistindo os ônus reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel, podendo, ainda, ser constituída mais de uma hipoteca sobre o mesmo bem, em favor do mesmo credor ou outros credores, mediante apresentação do instrumento constitutivo válido.
Nesse instituto, não há a entrega do bem nem a transferência de sua propriedade ao credor, porém recai sobre ele uma garantia, capaz de assegurar o cumprimento da obrigação. Assim, caso não haja o pagamento do débito, poderá o credor executar judicialmente o bem dado em garantia.
No caso de bem imóvel, a hipoteca deverá ser registrada no Cartório do lugar do imóvel, competindo aos interessados, a partir da exibição do título, requerer o registro da hipoteca, momento no qual se torna pública a constituição da garantia, e, por consequência, oponível erga omnes. Caso não seja realizado o registro necessário, a garantia passa a ser apenas pessoal, válida somente entre as partes, não lhe sendo assegurado, portanto, o direito de sequela, a partir do qual se pode buscar sua coisa daquele que injustamente a possua ou detenha, bem como o direito de preferência ao pagamento.
Seguindo, a hipoteca é um instituto acessório, estando sempre atrelada a uma obrigação principal assumida pelo devedor e que, caso seja extinta, extinguirá também a hipoteca.
Importante esclarecer que o bem oferecido em garantia pelo devedor não precisa ser necessariamente de sua propriedade, podendo ser de terceiros, desde que estes consintam expressamente com o oferecimento do bem em garantia.
Quanto ao pagamento do débito e consequente extinção da hipoteca, tem-se que o pagamento parcial da dívida não desobriga o bem parcialmente, pois o referido gravame o atinge de maneira total. Assim, a extinção da garantia sobre o bem imóvel somente ocorrerá com o pagamento integral do débito e declaração expressa do credor quanto à liberação da obrigação. Caso se queira estabelecer a garantia sobre parte do bem, essa condição deve estar claramente expressa no instrumento de constituição de hipoteca.
Ademais, após constituição da hipoteca sobre o bem, o devedor permanece na posse dele, sendo-lhe permitido o seu livre uso, respeitando os direitos intrínsecos à propriedade, como a função social, bem como percebendo seus frutos e podendo, inclusive, aliená-lo.
Outra peculiaridade da hipoteca diz respeito à eventualidade, caracterizando-se pelo fato de que o credor apenas terá seu direito concretizado sobre o bem, a partir do inadimplemento do devedor. O credor poderá, porém, se opor a atos praticados pelo próprio devedor ou terceiro que resulte na diminuição do valor do bem, sendo facultado ao credor, nos termos do Código Civil, solicitar o vencimento antecipado do débito, caso o devedor não demonstre zelo pelo bem dado em garantia.
Além disso, faz-se importante elucidar que no instrumento de constituição da hipoteca deve ser disposto o interstício temporal de sua duração, cujo prazo máximo é 30 (trinta) anos. Nos casos em que o período estipulado seja menor do que o prazo máximo previsto em lei, poderá se requerer, por ambas as partes, a prorrogação da hipoteca mediante simples averbação, desde que a soma de sua duração não seja superior a 30 (trinta) anos.
Nesse sentido, a hipoteca se extingue a partir da averbação, no Cartório de Imóveis, do cancelamento da garantia, sob apresentação da prova de que a obrigação principal foi extinta ou; se houve perecimento da coisa ou; no caso de resolução da propriedade ou; por renúncia do credor ou; se houve remição da dívida ou pela arrematação ou adjudicação, devendo estas últimas terem sido notificadas judicialmente aos respectivos credores hipotecários.
Alienação fiduciária: considerações
A alienação fiduciária, também considerada uma garantia real, é conceituada como o contrato pelo qual o devedor fiduciante, a fim de garantir o adimplemento da dívida, obriga-se a transferir a propriedade de um bem móvel ou imóvel, ou a titularidade de um direito ao credor fiduciário. Este, por sua vez, fica condicionado a retransmitir a propriedade ou titularidade do direito ao devedor fiduciante após pagamento da dívida garantida.
Tem-se, assim, diferentemente da hipoteca, que o devedor fiduciante transfere a propriedade do bem ao credor fiduciário, de forma precária ou resolúvel, para garantir o pagamento da obrigação assumida. Nesse ínterim, o devedor permanece na posse direta do bem, sem o domínio, passando o credor a ter a posse indireta, ocupando a posição de proprietário até o pagamento total da dívida.
Ademais, a alienação fiduciária é, também, um instituto acessório, uma vez que está atrelada a uma obrigação principal, assegurando o seu cumprimento em caso de inadimplência, bem como é indivisível, já que o pagamento parcial do débito estipulado no contrato não exonera o devedor fiduciante da dívida, mantendo-se o gravame sobre o imóvel em sua integralidade.
Ao que refere a bem imóvel, o artigo 23 da Lei 9.514 de 1997, dispõe que a propriedade fiduciária se constitui mediante registro no Cartório de imóveis competente, do instrumento que lhe serve de título, momento este em que haverá o desdobramento da posse, transferindo-se ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do bem imóvel e ficando o devedor fiduciante com o direito real de aquisição, sob a condição do cumprimento da obrigação. Enquanto não se realiza o referido registro, o contrato tem validade obrigacional apenas perante as partes, não sendo assegurado o direito de sequela.
Ademais, a alienação fiduciária é um instituto com grande celeridade no que tange à execução do crédito no caso de inadimplemento, diferentemente do sistema hipotecário, que está atrelada à morosidade na esfera judicial. Esta peculiaridade torna a alienação fiduciária um grande estímulo à construção civil, no que se refere à alienação fiduciária de bem imóvel, isto porque o procedimento de execução extrajudicial é instaurado perante o Cartório de registro de imóveis.
O procedimento a ser seguido nesse caso está devidamente previsto nos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97, abaixo explicitado.
Caracterizando-se o inadimplemento de qualquer das parcelas previstas no instrumento de constituição da alienação fiduciária, o credor solicita ao Cartório de imóveis a intimação do devedor, para que satisfaça, no prazo de 15 (quinze) dias, a parcela então vencida, bem como aquelas que se vencerem até a data de efetivo pagamento, acrescidas dos encargos previstos. Caso seja purgada a mora pelo devedor, no próprio Cartório de Imóveis, o contrato continuará vigente, devendo ser a quantia entregue ao credor pelo oficial do Cartório.
Porém, caso não seja realizado o pagamento pelo devedor, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário, sendo certificado pelo oficial do Cartório de imóveis, através de averbação na matrícula, desde que comprovado o pagamento do imposto de transmissão inter vivos.
Então, uma vez consolidada a propriedade do imóvel em nome do credor, este deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, promover leilão público para alienação do bem imóvel, sendo que, caso o maior lance oferecido seja inferior ao valor estipulado do imóvel, deverá ser realizado um segundo leilão no prazo de 15 (quinze) dias.
No segundo leilão, por sua vez, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, somado a todas as despesas, como prêmios de seguro, encargos legais e contribuições condominiais.
Caso ainda assim o maior lance oferecido não atenda os requisitos financeiros necessários, considerar-se-á extinta a dívida, consolidando-se de forma plena a propriedade em nome do credor fiduciário e exonerando-o de entregar qualquer quantia ao devedor, excetuando-se a obrigação de entregá-lo um termo de quitação da dívida.
Sendo assim, é possível se concluir que a extinção da propriedade fiduciária, tem-se de duas formas, quais sejam, a partir do adimplemento da obrigação, razão pela qual se retorna ao devedor fiduciante a propriedade sobre o bem, ou pelo inadimplemento do devedor quanto à obrigação principal contratada.
Ressalte-se que, a partir do adimplemento da obrigação pelo devedor, o credor tem a obrigação de fornecer termo de quitação, em um prazo de 30 (trinta) dias a contar da liquidação da dívida, sob pena de multa. Então, com a apresentação do termo de quitação ao Cartório de imóveis, o oficial realizará o cancelamento da propriedade fiduciária, retornando o bem imóvel ao devedor, o qual assumirá a posição legítima de proprietário.
Conclusão
Diante do quanto exposto, e para melhor observância da caracterização dos dois institutos aqui abordados, revela-se interessante ponderar quanto às vantagens de cada um deles.
Nessa seara, quanto à hipoteca tem-se, como uma de suas peculiaridades, a possibilidade de constituição de mais de uma hipoteca sobre o mesmo bem, seja em favor do mesmo credor ou de outros, o que possibilita a satisfação de dívidas pelo devedor em favor de vários credores.
Além disso, ao devedor é permitido a manutenção da posse sobre o bem dado em garantia, podendo ele dispor conforme sua conveniência, perceber seus frutos e aliená-lo. Na alienação fiduciária, por sua vez, a posse não é plena, não sendo permitido ao devedor alienar o bem garantido.
Por conseguinte, sobre o bem hipotecado é permitido ao devedor gravar outros ônus reais sobre o bem imóvel, como o usufruto e a servidão, não existindo essa permissão no âmbito da alienação fiduciária.
Seguindo, a hipoteca, perante o devedor que se encontra em dificuldades para saldar seu débito, permite a extensão do prazo quanto ao seu pagamento ou perda do bem, uma vez que a execução da garantia dar-se-á judicialmente.
Por outro lado, no que se refere à alienação fiduciária, uma de suas principais vantagens abordadas pelo ordenamento jurídico diz respeito à execução do crédito em caso de inadimplência do devedor, que ocorre por via extrajudicial, o que a torna mais célere quando comparado ao procedimento hipotecário, vantagem esta claramente direcionada ao credor.
Nestes termos, como na alienação fiduciária o bem é de propriedade do credor ele será executado sem concorrência do demais credores, somando mais uma vantagem ao rol deste instituto.
Ademais, na alienação fiduciária, como vantagem direcionada ao devedor, tem-se a garantia dos seus outros bens, uma vez que, caso não seja satisfeito o crédito a partir dos leilões realizados, a obrigação é considerada extinta, ficando o credor sem receber a dívida em sua integralidade. Comparando-se com a hipoteca, caso no leilão não seja apurado o valor suficiente para a quitação do débito, o devedor fica obrigado a realizar o pagamento do valor complementar.
Sendo assim, para uma escolha segura, é necessário se analisar as vantagens de cada instituto a partir da posição adotada em cada uma das garantias, seja ela parte credora ou devedora.
Adrielle da Hora -Advogada do Escritório Torres e Pires Advogados Associados; Atuação no ramo do direito imobiliário, urbanístico e ambiental.
Fonte: Artigos JusBrasil