O que fazer com os motoristas de ônibus que instalaram o caos e deixaram milhões à deriva?
RUTH DE AQUINO
23/05/2014 20h44 - Atualizado em 23/05/2014 20h46
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O governo Dilma não é o primeiro nem será o último “governo dos trabalhadores” a ser desafiado com violência e ódio pelos próprios trabalhadores. Nada como uma semana depois da outra para rever, na real, o ânimo de uma população que não é a “crescente classe média”. Tampouco é o black bloc universitário que curte grifes ou o rebelde sem causa. Nem o aposentado, que sofre em casa mesmo.
Os grevistas e manifestantes que ameaçam parar o país e levar o inferno a todos nós – incluindo Dilma, Lula, Gilberto Carvalho e companhia – são, quem diria, os “companheiros”. Sim, porque o Brasil foi assumido há 12 anos não por um metalúrgico, mas por um líder sindicalista combativo, de imenso carisma.
Os companheiros deveriam estar nas ruas em alegres passeatas com a bandeira do Brasil, em pré-torcida pela Seleção. Mas não. As bandeiras são vermelhas, mas a estrela desbotou. Diante da selvageria das recentes paralisações e passeatas, fica claro que a turba ali não está a fim de “ordem e progresso”. Quer aumentos salariais acima da inflação, que reponham as perdas. “Se não parar no ano da Copa, quando vamos conseguir aumento?”, gritou para as câmeras um motorista de ônibus.
Carvalho chamou os grevistas de sabotadores. Haddad chamou a turma de “guerrilha”. O que fazer com os motoristas e cobradores de ônibus que instalaram o caos em São Paulo e deixaram milhões ao relento e à deriva? Como lidar com esses guerrilheiros urbanos? Multa? Prisão? O que acontecerá com os companheiros que rejeitaram a negociação do sindicato, furaram pneus dos ônibus, tiraram as chaves, bloquearam as avenidas, retiraram passageiros de todas as idades de dentro de ônibus, como se fossem sequestradores comuns? Colocaram a cidade de São Paulo de joelhos.
E Lula? Como ele disse achar “uma babaquice” a preocupação de ter metrô até a porta dos estádios, porque brasileiro “vai a pé, descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa”, o que deve ter pensado quando milhares de mulheres e homens sofridos precisaram caminhar para o trabalho e de volta para casa? Lula chegou a dizer a blogueiros que a Copa será o momento de o país “mostrar sua cara”. “Esconder pobre está fora de cogitação”, afirmou. Aguardo a reação oficial à onda de greves de trabalhadores ingratos que antes aplaudiam Dilma.
O coordenador dos sem-teto, Guilherme Boulos, afirma: “Queremos trazer a Copa para os trabalhadores. Empresários e a Fifa tiveram seu pedaço do bolo. O trabalhador agora quer sua fatia”. E ameaça um “junho vermelho” se tentarem remover as famílias que invadiram o terreno da construtora Viver, na Zona Leste de São Paulo: “Se a opção da construtora e dos governos for tratar a questão como um caso de polícia e buscar garantir posse, haverá resistência. Se querem produzir uma Copa com sangue, essa é a oportunidade que eles têm”. “Eles” quem?
Será que Boulos se refere aos companheiros Lula e Dilma, que prometeram tudo pelo social e resgataram tantos milhões de brasileiros da extrema pobreza? É prudente o PT parar de culpar a “imprensa conservadora”, o “mau humor” e a “nuvem negra”. É melhor começar a ouvir os movimentos sociais. Que divórcio litigioso é esse entre o PT e trabalhadores? Nem os programas de televisão nem os marqueteiros conseguem provar a essas categorias todas – médicos, professores, motoristas – que o PT está do lado do povo?
Ninguém de bom-senso pode ser a favor das cenas vistas em São Paulo nos últimos dias. Sou a favor do direito de greve – um direito garantido pela Constituição e pela democracia. Não é crime uma categoria tirar proveito de um momento estratégico para fazer reivindicações trabalhistas justas.
Por que controladores aéreos franceses param no verão europeu? O mesmo se pode dizer dos trens e metrôs em Londres. Por que se interrompe a coleta de lixo quando o calor é maior na Europa? O objetivo de uma categoria insatisfeita é provocar o maior estrago possível para aumentar o poder de barganha. Mas, até para convocar um movimento trabalhista legítimo, é preciso um mínimo de civilidade para angariar apoio. O que vimos foi ignorância, crueldade e bandidagem.
O pano de fundo das greves vermelhas pré-Copa chega a ser irônico, num país governado pelo PT há 12 anos. As bandeiras são: “Moradia digna. Educação digna. Saúde digna. Transporte digno”. Ouvi isso da boca de uma manifestante dos sem-teto em São Paulo.
Qualquer estrangeiro que chegue desavisado ao Brasil e depare com multidões de manifestantes exigindo esses quatro direitos básicos de cidadania, todos associados à palavra “dignidade”, pode perguntar. “O que aconteceu? É a direita que governa agora o país?” Não, é Dilma, com Lula.
Dá medo? Ou esperança?
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