segunda-feira, 11 de agosto de 2014

CENAS DA VIDA POLÍTICA


Ruy Fabiano
Ruy Fabiano
Anhangüera

Mais um texto de Ruy Fabiano que alivia o que entalava nossas gargantas. São as cenas descritas por ele que nos deprimem, nos revoltam. Que nos dá vergonha de sermos brasileiros.

 Cena 1. Em recente debate, na Associação Comercial de Brasília, os candidatos a governador Agnelo Queiroz (PT) e José Roberto Arruda (PR), amplamente favoritos nas pesquisas, acusaram-se mutuamente de corrupção. Ambos estavam certos.

Agnelo evocou a prisão de Arruda, por 60 dias, flagrado e filmado ao receber R$ 50 mil em dinheiro vivo. Arruda rebateu, lembrando das ligações de Agnelo com o bicheiro Cachoeira e das acusações de pagamento e recebimento de propinas ao tempo em que atuou na Anvisa e no Ministério dos Esportes, afirmando que, se vierem a condená-lo, purgará prisão perpétua.

Agnelo, irritado, levantou-se e foi embora. Detalhe: nenhum dos dois contestou as acusações. Reagiram apenas ao fato de terem sido trazidas ao debate, embora sejam de amplo conhecimento público. Mas o público os coloca em 1º (Arruda) e 2º (Agnelo) lugares nas pesquisas. Se aliados, venceriam no primeiro.

Cena 2. O líder do PT no Senado, Humberto Costa, indignou-se com a acusação de que o governo teria cometido ilícito, ao combinar com os depoentes da Petrobras e os senadores que o inquiriram as perguntas e respostas na CPI. Não se indignou com o fato em si – a farsa do depoimento -, que não contestou, mas com ter sido considerado ilícito. Dias depois, a presidente Dilma Roussef endossaria, com outras palavras, o ponto de vista de Costa.

Cena 3. Na sequência da aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa, o Supremo Tribunal Federal prossegue na desmontagem do julgamento do Mensalão. Autoriza tudo o que havia sido negado antes pelo presidente da Corte: que os presos, mesmo sem ter cumprido um sexto da pena, como manda a lei, trabalhem fora; e que José Genoíno cumpra prisão domiciliar, mesmo depois de duas juntas médicas terem atestado não haver gravidade em sua saúde que justifique tal privilégio.

Cena 4. Computador do Palácio do Planalto entra no site do Wikipédia e altera o perfil de dois jornalistas – Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg -, críticos à política econômica do governo, incluindo considerações negativas às suas respectivas biografias. Identificado o IP, o Palácio disse ser impossível identificar a máquina (e, portanto, o autor), já que corresponde à rede central, que reúne muitos aparelhos, o que qualquer hacker de quintal sabe ser falso. O que poderia ser o Watergate brasileiro ficou por isso.

Paro por aqui. Cenas análogas – e refiro-me somente as de um mês para cá – preencheriam um livro. O que se constata é que, não apenas os políticos, mas também o público vem perdendo a noção de valores elementares. Começa a selecionar os candidatos não por seus méritos, mas pela maior ou menor contundência de seus delitos. Dos males, o menor.

O “rouba, mas faz”, que até há pouco era objeto de piadas, hoje é uma realidade. A defesa veemente que intelectuais, artistas e acadêmicos fazem dos mensaleiros, mesmo sabendo que foram condenados – e por que o foram – pelo plenário da mais alta Corte de Justiça do país, com base em provas que compuseram dezenas de volumes dos autos, é um sinal de alarme moral.

É possível que, de tanto ver escândalos que não resultam em nada, o cidadão comum tenha se acostumado com eles, como uma espécie de fatalidade. A partir daí, com a maior naturalidade, passa a selecionar seus governantes em meio a uma atmosfera moral degradante, supondo não haver outra.

“Política é assim mesmo”, é o pensamento-síntese. Será? Não era, por exemplo, o que pensava Aristóteles, um dos maiores gênios da humanidade, para quem a política, bem ao contrário, era a “ciência maior”, à qual as demais deveriam estar subordinadas.

Mas a que política estava se referindo? Não era certamente a que está em curso há anos. Segundo sustenta, em “Ética a Nicômaco”, “o bem humano tem que ser a finalidade da ciência política”, e que “assegurar o bem de uma nação ou de um Estado é uma realização nobre e divina”.

Tais conceitos, é bem verdade, perderam vigência há séculos, desde que Maquiavel concebeu seu “Príncipe”, manual de esperteza que abole a ética em nome de resultados. Mas mesmo para Maquiavel e seus descendentes o que aí está é excessivo.

Em suas recomendações, não fala em associações com criminosos, em roubo descarado, em sumiço de bilhões, em devastação do Estado. A ideia, ao contrário, é preservá-lo (ao Estado) para servir o público. A manutenção do poder não excluía seu destinatário, que o sustentava com impostos.

O Brasil de hoje ruboriza Maquiavel e torna Aristóteles um ser incompreensível, oriundo de outro planeta.

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