segunda-feira, 21 de julho de 2014

"Há algo muito feio nesta raiva contra Israel". Por Brendan O'Neill*

A tênue linha entre anti-sionismo e anti-semitismo fica mais estreita a cada o dia.
Por qual motivo os liberais ocidentais ficam sempre mais ofendidos com atos militares israelenses do que com qualquer outro tipo de ato militar? É extraordinário. A França pode invadir o Mali e não haverá protestos barulhentos de pacifistas em Paris. David Cameron, apoiado por uma gritante maioria de 557 membros do Parlamento, pode pedir ataques aéreos sobre a Líbia e os esquerdistas britânicos não vão soltar twitters nem publicar fotos horripilantes dos civis líbios mortos como consequência do ataque. O presidente Obama pode retomar seus ataques com drones no Paquistão, matando 13 pessoas em apenas um ataque no mês passado, e Washington não será assediado por pessoas pacifistas, raivosas a exigir que "Tire suas Mãos do Paquistão". 

Mas no minuto que Israel dispara um foguete em Gaza, ou que políticos israelenses disserem que estamos novamente em guerra com o Hamas, os radicais em todos os países ocidentais sairão às ruas, portando faixas hiperbólicas, fulminarão no twitter, publicarão fotos de crianças palestinas mortas, e até os nomes e idades de todos "assassinados por ISRAEL" e, sem dúvida, se porão a gritar contra "o sangrento massacre israelense". Quando algum país bombardeia um outro, é "guerra", quando Israel faz isso, é "sangrento massacre". 

Qualquer pessoa dotada de capacidade crítica deve, em algum momento, ter-se perguntado por que esse padrão duplo em relação a ações militares israelenses; por que mísseis disparados por Israel são, aparentemente, mais dignos de condenação do que mísseis disparados por Washington, Londres, Paris, pelos turcos, Assad, ou qualquer outra entidade no Universo? 

Parisienses que geralmente encolhem seus ombros à medida que tropas francesas vêm retomando a África Francófona, batendo as botas em todos os lugares - da República Centro-Africana até o Mali e a Costa do Marfim ao longo dos últimos dois anos - acabaram de condenar, aos milhares, o "imperialismo e a barbárie de Israel". Americanos que não fizeram qualquer ruído no mês passado, quando o governo Obama anunciou a retomada de seus ataques de drones no Paquistão, reuniram-se frente à Embaixada de Israel em Washington gritando contra o "assassinato israelense". (Por incrível que pareça, eles fizeram isso apenas um dia depois de um ataque de drones dos EUA, o tal ataque de número 375 em 10 anos, que matou pelo menos seis pessoas no Paquistão. Mas parece que o militarismo de Obama não é tão ruim quanto o militarismo Israelense, e os paquistaneses mortos, ao contrário de palestinos mortos, não merecem ter suas fotos, nomes e idades publicados pelos liberais que usam o Twitter). 

Enquanto isso, centenas de britânicos muito raivosos se reuniram em frente à embaixada israelense em Londres, paralisando o tráfego, subindo em tetos de ônibus, gritando sobre assassinato e selvageria, em furiosas cenas coloridas que eram notáveis pela ausência, há três anos, quando a Grã-Bretanha enviou a Royal Air Force para bombardear a Líbia. 

O padrão duplo em relação a Israel é tão forte que muitos liberais ocidentais agora clamam para que seus governantes condenem ou mesmo imponham sanções contra Israel. Ou seja, eles querem que os invasores e destruidores do Iraque, Afeganistão, Líbia e outros lugares quebrem as canelas de Israel por bombardear Gaza. 

É como pedir a um grande tubarão branco que puna uma foca por ela ter comido um peixe. Os Estados Unidos devem "controlar Israel", dizem. "A comunidade internacional deve intervir para conter o exército de Israel", diz um colunista do Guardian, e por "comunidade internacional" leia-se "uma reunião do Conselho de Segurança da ONU" - o Conselho de Segurança cujos membros permanentes são os EUA, Reino Unido e França, que tanto têm feito para desestabilizar e devastar vastas áreas do Oriente Médio e do Norte da África durante a última década; a Rússia, cujas recentes intervenções militares na Geórgia e na Chechênia sugerem que não seja tão devotada à paz mundial; e a China, que pode não invadir outros países, mas é adepta de eliminar brutalmente qualquer dissidência interna. 

Em que planeta se pediria seriamente a nações que imponham "rédeas" a Israel quando seu próprio belicismo faz o quadro atual em Gaza parecer uma cerimônia do chá em comparação a seu próprio comportamento? Só num planeta em que Israel é visto como diferente, como pior do que todos os outros, como mais criminoso e brutal do que qualquer outro Estado. 

Os dois pesos e duas medidas foram perfeitamente resumidos na semana passada, no comentário de uma escritora israelense que disse ao jornal Independent que o ataque de Israel à Faixa de Gaza e sua "retórica genocida" a fez querer queimar seu passaporte israelense. Ela recebeu tapinhas virtuais nas costas, vindos de praticamente todos ativistas e comentaristas britânicos que se autojulgam decentes. Ela foi saudada como corajosa. Seu artigo foi compartilhado on-line, milhares de vezes. Este é o "senso comum de um judeu", muitos twittaram. Ninguém parou para pensar: talvez eles próprios deveriam ter queimado seus passaportes britânicos após o que o Reino Unido fez na Iugoslávia em 1999, ou no Afeganistão em 2001, ou no Iraque, em 2003, onde muito mais civis foram mortos em um único dia do que os mortos por Israel durante toda esta campanha. Por que, quando Israel bombardeia Gaza, deve induzir tamanha vergonha em cidadãos israelenses (ou em judeus, como preferem alguns) que pensam em queimar seus passaportes é visto como algo perfeitamente sensato e até mesmo louvável, enquanto é perfeitamente OK continuar viajando pelo mundo com um passaporte britânico apesar do caos desencadeado por suas forças militares ao longo da última década? Ora, porque Israel é diferente; é pior; é mais criminoso. 

Claro, os dois pesos e duas medidas do Ocidente sobre Israel já duram certo tempo. Eles podem ser vistos não só no fato de que ações militares israelenses fazem as pessoas pular da cama e ficar com raiva de uma forma que nenhuma outra ação militar faz - mas também no horrível boicote de tudo que seja israelense, desde acadêmicos até maçãs, de uma maneira como nunca são tratados pessoas ou produtos de qualquer regime autoritário ou país que empreenda uma ação militar. Mas durante este último ataque israelense em Gaza, não só vimos esses padrões duplos voltarem à cena: também testemunhamos o sentimento anti-Israel se tornar mais visceral, mais emocional, mais desequilibrado e ainda mais preconceituoso do que nunca, a tal ponto que, infelizmente, está se tornando muito difícil dizer onde termina o antissionismo e começa o antissemitismo. 

Assim, na última onda contra Israel, não é só o Estado de Israel ou seus militares que enfrentam algumas fortes críticas dos chamados radicais, mas também o povo israelense e até mesmo os judeus. Em Paris, no domingo, o que começou como um protesto contra Israel terminou com assaltos violentos contra duas sinagogas. Em um deles, os que lá oravam tiveram de entrincheirar-se enquanto ativistas anti-Israel tentavam abrir caminho com porretes e pedaços de pau, alguns deles urrando "Morte aos Judeus"! 

Alguns vêm tentando descrever tal comportamento racista como uma exceção, um caso de imigrantes que perderam o controle. Mas na grande demonstração em frente à Embaixada de Israel em Londres, na semana passada, alguns participantes carregavam cartazes dizendo "A Mídia Sionista Encobre o Holocausto Palestino", uma clara referência à conhecida acusação antissemita de que os judeus controlam a imprensa. Em um protesto anti-Israel na Holanda alguns participantes muçulmanos acenavam a bandeira negra do ISIS e cantavam: "Judeus, o exército de Maomé está voltando". 

Também no mundo virtual a linha entre antissionismo e antissemitismo tornou-se difusa durante este conflito em Gaza. Quando um jornalista dinamarquês publicou uma foto do que ele alegou ser um grupo de israelenses em Sderot comendo pipoca enquanto assistiam a mísseis israelenses cair em Gaza, isso se tornou um ponto focal de fúria frente aos israelenses: todos os jornais publicaram a foto e a Anistia twitou sobre isso. Houve a manifestação de alguns pontos de vista doentios. Israelenses (e não Israel, neste caso) são "vergonhosos", "assassinos", "racistas", "lixo humano", "porcos", etc., diziam mensagens raivosas nos twitters. Não demorou muito para que reconhecidos antissemitas capitalizassem esta raiva contra as pessoas em Israel, e uma revista racista publicou a imagem de Sderot, sob a manchete "Ratos Judeus Israelenses aplaudem e elogiam ataques aéreos na Faixa de Gaza". A velocidade com que o que pretendia ser um sentimento anti-guerra frente a Israel se tornou uma violenta fúria contra os habitantes de Israel, e a facilidade com que as manifestações contra as ações militares israelenses se tornaram insultos, ou mesmo ataques físicos contra judeus, sugere que há algo extremamente nocivo nesta moda de sentimento anti-Israel, algo que lhe permite descambar, às vezes bem impensadamente, de um brado contra a guerra em algo antigo, de natureza muito mais feia e preconceituosa. 

A natureza visceral do atual sentimento anti-Israel faz que seja cada vez mais difícil de ver a linha tênue entre antissionismo e antissemitismo - mas também a separação entre fato e ficção. Como a BBC relatou, o popular hashtag #GazaUnderAttack, de compartilhamento de fotografias chocantes do impacto do ataque de Israel à Faixa de Gaza, que foi visualizado cerca de 500.000 vezes nos últimos oito dias, é extremamente não-confiável. 

Algumas das fotos que estão sendo twittadas (e, em seguida, retwitadas por milhares de outras pessoas) são, na verdade, fotos de Gaza em 2009. Outros mostram fotos de pessoas mortas nos conflitos do Iraque e da Síria. No entanto, todos são postados com comentários tipo: "Veja a desumanidade de Israel"'. Parece que o objetivo aqui não é expor a realidade do que está acontecendo em Gaza, mas simplesmente gerar raiva, inconformismo, choro sobre o que Israel está fazendo (ou deixando de fazer, conforme o caso), e quanto mais você chorar publicamente , melhor; pois permite que as pessoas vejam como você é sensível à barbárie israelense. Trata-se de libertar alguma emoção visceral, o que significa que coisas mesquinhas tais como fatos e precisão contem pouco: tudo o que importa é a expressão da emoção, e qualquer foto antiga de uma criança morta em algum lugar no Oriente Médio - Iraque, Síria, Líbano - será suficiente como base para a própria emotividade em público. 

Como isso aconteceu? Como a oposição às ações militares israelenses deixou de ser parte de uma posição antiimperialista ampla, como era na década de 1980, para se tornar o principal, e, por vezes, único, foco daqueles que afirmam ser contra as guerras? Por que se opor a Israel tão intensamente e descambar para expressões de rejeição à população de Israel e, mais amplamente, aos judeus? É porque, hoje, a raiva contra Israel não é considerada realmente uma posição política. Não é a consequência de conclusões racionais sobre uma zona de conflito no Oriente Médio e sobre como uma zona de conflito pode se relacionar com realpolitik ou mudanças globais no poder. 

Em vez disso tornou-se uma saída para a expressão de um sentimento geral de fúria e cansaço com tudo - com a sociedade ocidental, a modernidade, o nacionalismo, o militarismo, a humanidade. 

Israel foi transformado em um canal para a expressão de auto-aversão ocidental, da culpa colonial ocidental, das auto-dúvidas dos ocidentais. Israel foi elevado à expressão mais clara do que são agora considerados os valores ocidentais ultrapassados de autopreservação, de militarismo e de nacionalismo progressista. E contra Israel se protesta e se concentra a raiva por entender que ela representa esses valores. Ele se torna responsável não simplesmente por reprimir o desejo palestino por um Estado, mas também por continuar a buscar virtudes que nós - povo sensato no resto do Ocidente - aparentemente superamos e, portanto, Israel passa a ser a fonte de guerra e terrorismo, não só no Oriente Médio mas praticamente em todos os lugares. Uma pesquisa na Europa descobriu que a maioria agora considera Israel como sendo a principal fonte de instabilidade global. 

É aqui que podemos ver o que as novas ações antissionistas têm em comum com o velho antisemitismo: ambos ambicionam encontrar algo no mundo, quer se trate de um Estado perverso ou um Povo deformado, contra a qual o resto de nós pode se enfurecer e sobre o qual colocar a culpa por todos os problemas políticos na Terra. 


Brendan O'NeillColunista do The Guardian, de Londres, é editor do jornal on-line Spiked, no ar há 13 anos (www.spiked-online.com/newsite/author/Brendan%20O'Neill
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