Ainda que soe ridículo, a sociedade cubana atual, em pleno século vinte e um, apresenta características muito bem enraizadas do fossilizado Império Romano.
Sim, amigos leitores do Liberzone, me refiro especificamente à diferenciação dentro da sociedade cubana entre cubanos cidadãos e não-cidadãos.
Não acreditam?
Pois bem, demonstrarei que isso é uma realidade inquestionável; ainda que reconheça que a única diferença da Cuba atual neste sentido com a Roma Antiga é que os não-cidadãos cubanos são denominados contra-revolucionários, vermes ou servos do Império – só que claro, não do Império Romano; contudo, posso lhes garantir que não são nada além de valentes mensageiros pacíficos da verdade.
O artigo 41 da Constituição cubana estabelece que: “todos os cidadãos gozam de direitos iguais e estão sujeitos a deveres iguais”.
Isto, respeitáveis amigos, é uma grande falsidade!
Este preceito constitucional não é mais que uma aparência. Em Cuba as leis são em sua maioria puro formalismo, preceitos midiáticos e demagógicos. As verdadeiras e únicas leis eficazes na sociedade cubana são as leis de coerção, intimidação e repressão.
Por exemplo: os mensageiros da verdade em Cuba – ou seja, os não-cidadãos - não têm, de fato, possibilidade alguma de serem nomeados, nem ao menos têm a possibilidade de serem candidatos para a posição de delegados em uma circunscrição eleitoral – ou, o que é o mesmo, serem representantes do povo em uma simples circunscrição. A não ser que se candidate a si mesmo, o que certamente terá como resultado somente um voto ao seu favor: o seu próprio.
Acontece que apoiar um mensageiro da verdade é o maior dos crimes que se pode cometer em Cuba. Ao fazê-lo, qualquer cidadão passaria inevitavelmente a engrossar a lista dos não-cidadãos, contra-revolucionários, vermes ou servos do Império, com as consequências nefastas que isso carrega, a marca indelével do diabo.
Para que tenham uma ideia sobre este aspecto da sociedade cubana de hoje: no ano de 2010, um grupo de mensageiros da verdade decidiu levar a cabo um projeto cidadão que denominaram “Candidatos pela Mudança”. O projeto teve como objetivo básico requerer a participação de cidadãos que apostavam na liberdade e na democracia nas eleições para delegados de circunscrição.
Muito bem, sabem qual foi o final deste projeto?
Em primeiro lugar, a polícia política (PP) começou uma grande campanha de descrédito sobre os participantes do projeto cívico. Cada vez que uma reunião era marcada, uma operação policial era organizada, de forma abusivamente desrespeitosa. Nos arredores da sede do projeto se colocavam agentes da PP para impedir a passagem de participantes. Também foram realizadas visitas intimidadoras e de ameaças aos membros do projeto, às suas casas, assim como intimações à estações de polícia para sofrer interrogatórios, perseguições, etc, etc, etc.
Durante as eleições, vestiam feições intimidadoras por todo lado, afim de evitar que jornalistas independentes pudessem investigar os acontecimentos e, acima de tudo, para que a comunidade eleitoral sentisse sua presença.
Não obstante, e apesar de todos os contratempos, vários mensageiros da verdade conseguiram se lançar como candidatos a representantes da comunidade frente ao Poder Popular – porém, como era de se esperar, nenhum saiu eleito, uma grande derrota para o povo de Cuba causada por eles mesmos, por causa do medo à repressão.
Amigos, não há margem para rachaduras na realidade destes acontecimentos, pois este que vos fala agiu como assessor legal do projeto. São experiências pessoais.
E sobre o direito ao trabalho?
O artigo 45 da Lei das Leis cubana, outro dos preceitos constitucionais estéticos, estiupula que: “o trabalho na sociedade socialista é um direito, um dever e um motivo de honra para cada cidadão”.
Outra grande falsidade! Lhes explico:
Suponhamos que um advogado que pertença a uma organização cívica independente, ou que exerça o jornalismo também de maneira independente, ou se encontre afiliado a um partido político – tudo isso ilegal para o governo cubano – se disponha a buscar trabalho através do Estado. Algo muito natural, verdade?
Pois bem, posso garantir que ninguém o empregará.
Em Cuba não importa o curriculum que se tenha, ou a capacidade, nem quantas outras características idôneas que se possua para desempenhar um posto de trabalho determinado; isso não tem importância, as primeiras perguntas a rigor são as seguintes:
- A que organizações você pertence? É militante?
Claro que se referem ao Partido Comunista, único autorizado pelas leis, ou à União de Jovens Comunistas, única organização de caráter político autorizada à juventude, ante-sala para engrossar as fileiras do imortal Partido Comunista.
Isto é agora, porém há alguns anos atrás perguntavam até as crenças religiosas, e o pior ainda, perguntavam pela existência de familiares vivendo fora do país. Que barbaridade!
Pois bem, para não fugir do tema, se na entrevista simplesmente expormos que não pertencemos a nenhuma organização política nem de massas socialistas, como é o caso da maioria dos mensageiros da verdade em Cuba, já é suficiente para que nos enviem de imediado para casa condenados a esperar para sempre um aviso que nunca chegará. E se alguém expôr, como foi o meu caso, que pertence ao Clube Anarcocapitalista de Cuba, ao Partido Cuba Independente e Democrática e que escrevo para a revista Primavera Digital e para o Liberzone, pff… sabe-se Deus o que pode acontecer – desde um ato de repúdio até um espancamento por parte de qualquer membro da Brigada de Resposta Rápida, que não são nada além de grupos de pessoas organizadas nos centros de trabalho ou nos bairros autorizados a agredir e submeter impunemente qualquer um que se manifestar contra o governo.
Assim são as coisas, amigos. O que poderia parecer natural e lógico para qualquer cidadão do mundo, como por exemplo associar-se livremente, afiliar-se a um partido ou exercer o jornalismo de maneira independente, em Cuba constitui causa para perda dos direitos civis. Essa é a liberdade que o socialismo tem a oferecer.
NELSON RODRÍGUEZ CHARTRAND
Nelson Rodríguez Chartrand é um advogado cubano, libertário do Club Anarcocapitalista de Cuba, que escreve para a nossa página a partir de Havana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário