domingo, 20 de abril de 2014

1962, por Luis Fernando Veríssimo


Como aquele personagem do poema do Eliot que podia medir a sua vida em colherinhas de café, posso medir a minha em copas do mundo. A partir da copa de 1986, no México, fui a todas, Mas as anteriores, que acompanhei pelo rádio, pela TV em preto e branco e pela TV (maravilha!) a cores também deixaram dores e saudades. Como a de 62, por exemplo, aquela em que o Pelé se machucou e o Garrincha viu que teria que ser tudo com ele, e foi.
1962. Eu tinha saído de Porto Alegre com a ideia de ganhar algum dinheiro no Rio e seguir para Londres, onde faria alguma coisa ligada a cinema, como diretor ou vendedor de pipoca, ainda era incerto. Me hospedei com uma tia, no Leme.
Não tinha diploma de nada e nenhuma vocação aparente, fora um discutível “jeito para desenho”. A Clarice Lispector, amiga da família e vizinha da minha tia, chegou a telefonar para o Ivan Lessa, que trabalhava em publicidade, para ver se me conseguia um emprego.
O Ivan e eu marcamos um almoço que, não me lembro mais por que, nunca aconteceu. Na verdade, nunca nos encontramos.


Chegou um amigo de Porto Alegre, companheiro de inconsequências, que ganhara uma bolada na venda de umas terras do pai e, entre aplicar bem o dinheiro ou queimá-lo todo num fim de semana carioca, optara pelo mais sensato: arrebanhara outros amigos e os trouxera para o Rio, e me convocou para ajudar a gastar o dinheiro.
Sim, tive meus três dias de condor, mandando baixar no “Fred’s” (o hotel Windsor, ex-Méridien, hoje se ergue sobre as suas cinzas) e requisitando coristas para acompanhar nossos delírios de paulistas. Coube a mim uma chamada Leticia, que, meu Deus, hoje deve ser avó.
Foi uma despedida tardia da adolescência. Depois começou a vida real. Fui trabalhar com um americano com a promessa de ficar rico e quase acabei preso, me casei, tentei um negócio que não deu certo e quatro anos depois de me mudar para o Rio, em vez de ir para Londres voltei para casa.
Em 1962, no Rio, você lia as colunas do Armando Nogueira, do Nelson Rodrigues, do Stanislaw Ponte Preta, do Antônio Maria, do João Saldanha, do Paulo Francis escrevendo sobre teatro e mandando pau na direita, nos jornais; e na “Manchete”, todas as semanas, as crônicas do Rubem Braga, do Paulo Mendes Campos e do Fernando Sabino e, na “Cruzeiro” as gloriosas duas páginas do Millôr.
Jango estava no poder, as reformas eram uma possibilidade (se o Lacerda deixasse, porque os militares estavam sob controle), mas, acima de tudo, havia o Garrincha. No auge, como todo mundo.

Luis Fernando Veríssimo é escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário