sábado, 1 de março de 2014

CONSIDERAÇÕES SOBRE TERRENO DE MARINHA



Cabral quando lançou ferros junto ao porto seguro da ilha de Vera Cruz, a par das miçangas, espelhos e provavelmente bacalhaus, azeite puro de oliva e o tinto do Minho, entregues amistosamente aos perplexos nativos expostos que lhe deram boas vindas, tomou posse em nome do Rei a que servia e impôs a cultura européia à nova possessão política, inclusive toda a legislação vigente à época, sob a qual se submetiam os súditos da metrópole e das então recentes conquistas que se espalhavam pelos sete mares.

Nas Ordenações Manuelinas, código vigente desde os primórdios do reino que se libertara dos árabes e se desmembrara dos hispânicos, era previsto as Lezírias, instituto jurídico suis generis, que estabelecia que as áreas de orla junto à costa, aos manguezais, ao longo das praias, rochedos e acidentes geográficos do mar, e vizinha aos rios e lagos salgados eram reservas patrimoniais da Coroa.

Essas áreas vieram a ser conhecidas como Terrenos de Marinha, os quais deveriam estar livres de obstáculos, de forma a garantir a defesa nacional e o livre acesso ao mar. E com essa justificativa em 21 de outubro de 1710 a Ordem Régia, excluiu da partilha das Capitanias Hereditárias, as marinhas, pois gamboas, realengos, praias, costões e toda a orla, contínuas as margens dos rios, lagos, lagoas, deveriam estar desimpedidas para um eventual serviço da Coroa, não apenas militar, mas produtivo, como a extração do sal, tão valioso e quem sabe a colheita de berbigões, maria-farinhas... Tão vasto e rico patrimônio imobiliário pertencia em toda extensão, nas colônias e possessões lusitanas à família real.

Com a independência, os historiadores contam que muito mudou no Império Tropical: Não se ouvia mais o fado e cantigas de Traz dos Montes, as cores oficiais passaram a ser o verde e amarelo e com a Provisão da Mesa do Desembargo do Paço em 21 de fevereiro de 1826, as Lezírias, oficializadas, passaram ser tratadas definitivamente como Terrenos de Marinha pertencentes à Família Imperial brasileira recém instituída. O mesmo se deu com os Acrescidos de Marinha, física e juridicamente a eles ligados.

A obtenção de renda pela Corte tornou-se um fator importante, servindo de esteio financeiro aos luxos dos palácios, viagens e pompas servidas nas recepções inerentes ao dia a dia da nobreza tupiniquim. Manter escravos, carruagens, liteiras, conceder títulos nobiliárquicos, criar cavalos e demais exigências inerentes ao beija mão tradicional das quintas feiras, exigia patacas oriundas das Lezírias.

Derrubado o Imperador, com a República, os bens da Corte foram transferidos para a União, inclusive os terrenos de marinha, que, a partir de 1868, já tinham, legalmente como referencia, a linha da preamar média de 1831 em homenagem a Lei Orçamentária que naquele ano incluiu a renda das Lezírias e definiu 15 braças craveiras como sendo a medida a ser considerada para definir as marinhas.

Só em meados do século XX, com a edição do Decreto Lei nº 9.760/46 a União passou a gozar de ordenamento para administrar seu patrimônio imobiliário. Crio o o Serviço do Patrimônio da União, SPU e definiu juridicamente os Terrenos de Marinha, como sendo aqueles situados numa profundidade de 33,00 metros a contar da linha do preamar médio de 1831 junto a orla litorânea e dos rios que sofram influencia das mares.

Atualmente a Lei nº 9.636 de 15 de Maio de 1998, regula a administração desse patrimônio valioso, que à semelhança dos tempos do Reino Lusitano, trata-se de instrumento que propicia elevada arrecadação.

Proprietários de imóveis titulados tem o direito reduzido à mera ocupação precária. Grandes e pequenos hotéis, pousadas, restaurantes, marinas, clubes náuticos, casas de veraneio, prédios de apartamentos, áreas rurais, com ou sem benfeitorias, nem sempre próximos à orla, são demarcados e avaliados unilateralmente, transformando os proprietários em verdadeiros inquilinos da União, com suas escrituras e registros sem mais valor, salvo o da publicidade jurídica.

A linha da preamar média de 1831, atualmente é impossível de ser apurada, motivando que ao arrepio da legislação, seja presumida, pondo em risco a segurança jurídica de milhões de habitantes da costa brasileira cujos imóveis estão sofrendo verdadeiros confiscos. 

O que se observa nos últimos anos é a SPU, agora Secretaria do Patrimonio da União, órgão descentralizado em superintendências nos Estados e no Distrito Federal, órgão do Ministério do Planejamento, demarcar partindo de pontos que são distantes do lugar apontado pela legislação.

Assim, através de perícia técnica, fica patente, que as medições apuradas e decretadas como áreas da União, por considerarem-nas como terrenos de marinha e acrescidos, são na verdade, sem trocadilho, inverdades que provocam insegurança. Noutras palavras: Grilo. A União vem grilando terras, valendo-se do texto vulgar.

Enfim, vale impugnar toda presunção e buscar reparação dos direitos junto ao Poder Judiciário. E quem assim se atreve, tem obtido sucesso.

Autor: Roberto J. Pugliese
Fonte: Pugliese e Gomes Advocacia

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