terça-feira, 17 de setembro de 2013

Nunca digam nunca - ANTÔNIO DELFIM NETO


VALOR ECONÔMICO - 17/09


Stanley Fischer é, sem dúvida, um dos mais bem apetrechados economistas teóricos aos quais foram dadas oportunidades para usar seu conhecimento no exercício da política econômica. Recebeu o PhD no MIT em 1969 e se notabilizou rapidamente.

Quem ficou indiferente, em 1977, diante da sua inovadora combinação da teoria das expectativas racionais , com hipóteses keynesianas? Qual economista não se entusiasmou, em 1978, com a síntese magistral do Macroeconomics (em colaboração com Rudiger Dornbusch)? E não se maravilhou e sofreu, em 1989, com o seu Lectures in Macroeconomics (em colaboração com Olivier Blanchard)?

Tão longo e bem-sucedido percurso teórico foi acompanhado por uma incrível carreira de conselheiro e executor de políticas econômicas nos últimos 30 anos. Em 1984, assessorou o governo de Israel no seu bem-sucedido programa de estabilização. Logo depois ocupou o cargo de economista-chefe do Banco Mundial, no período de 1988-1990. Em 1994, foi nomeado economista-chefe do FMI, cargo que ocupou até 2001 e no qual enfrentou várias crises, inclusive a brasileira. Em 2001, ao deixar o FMI, foi assessorar o Citigroup e meteu a mão na massa no lado privado do sistema financeiro.

Voltou à vida pública em 2005, nomeado presidente do Banco Central de Israel, cargo que ocupou até 30 de junho último. Mostrou o seu virtuosismo na grande recessão de 2008. Antecipou um afrouxamento monetário (antes do Fed) e combateu a apreciação da moeda israelense, o shekel, para proteger o nível de atividade do país, onde as exportações são próximas de 40% do PIB. Ainda em 2008 instituiu um programa de compra diária de US$ 100 milhões, exatamente o oposto do que fazia o Banco Central do Brasil, que estimulava a valorização do real como fator coadjuvante para o combate à inflação, à custa da destruição do nosso setor industrial.

A competência e a sensibilidade de Fischer são confirmadas por seu pragmatismo. Não hesita em relativizar sua ciência diante da realidade fática que a nega. É o caso, por exemplo, de sua mudança de atitude diante da ampla liberdade de movimento de capitais e do regime de câmbio livremente flutuante que defendeu ardorosamente enquanto estava no FMI.

Toda a longa experiência de Fischer está destilada e amadurecida na imperdível introdução à conferência Lessons from the World Financial Crisis , realizada em Israel em 2011, agora publicada no livro The Great Recession - Lessons for Central Bankers , MIT Press, 2013. Ele aponta dez lições colhidas até agora. Particularmente interessante no contexto do que estamos tratando, é a lição nº 6: A importância da taxa de câmbio nas pequenas economias abertas .

Nela, Fischer nos ensina que a taxa de câmbio real é uma das duas mais importantes variáveis macroeconômicas nas pequenas economias abertas. A outra é a taxa de juros real. Nenhum banqueiro central em tais economias pode ser indiferente quanto ao nível da taxa de câmbio, mas infelizmente não há escolhas fáceis na sua administração .

E, continua: Primeiro, há a escolha do sistema cambial, que está intimamente ligado à questão do controle de capitais. Se os fluxos de capitais podem ser controlados, pode haver alguma vantagem na escolha de uma taxa de câmbio nominal fixa. Entretanto, e sem entrar no longo e irresoluto debate sobre o sistema cambial, eu acredito (sic) que é melhor operar com um sistema cambial mais flexível e com um movimento de capitais mais aberto. Mas flexível não significa, aqui, que um país não possa intervir no mercado cambial, ou que o movimento de capitais seja completamente aberto... Nenhum país pode comprometer-se a defender uma particular taxa de câmbio. Os participantes do mercado costumam dizer que o banco central não pode colocar-se contra sua força. Entretanto, é preciso reconhecer a assimetria existente entre defender-se de pressões para valorizar ou desvalorizar a moeda. No caso da depreciação, o mercado quer mais moeda estrangeira, das quais o banco central dispõe de quantidade limitada e não pode resistir indefinidamente. Os eventos recentes mostraram que grandes reservas podem ajudá-lo a resistir às pressões do mercado... No caso da valorização, os mercados querem mais moeda local, que o banco central pode produzir para comprar o fluxo de moeda estrangeira que está entrando. Evidentemente, para prevenir um processo inflacionário é preciso esterilizar os seus efeitos, como se fez em Israel e em outros países .

Fischer chama a atenção para um fato: quando a necessidade de intervenção aumenta, os países introduzem algum atrito no movimento dos capitais. Ele reconhece que tais controles são raramente elegantes, de administração difícil e permanentemente erodidos pela capacidade do setor privado de encontrar meio de elidi-los. Mas, às vezes, necessários, quando o país é confrontado com um importante movimento de entrada de capitais .

A 10ª lição de Fischer é definitiva e moralmente tranquilizadora para os sacerdotes do método do suponhamos que , que se pensam portadores da verdadeira ciência econômica. Numa crise - diz ele - os banqueiros centrais (e sem dúvida outros policy makers ) vão encontrar-se tendo que decidir por políticas que eles nunca pensaram em aplicar e, frequentemente, que eles nunca prefeririam aplicar. Portanto, uma palavra final para os banqueiros centrais: nunca digam nunca .

O conselho pode estender-se aos críticos que, sem saber, são potenciais policy makers .

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