No Brasil, os contribuintes só começam a trabalhar para si a partir do dia 30 de maio de cada ano. Do 1º de janeiro até esse dia, trabalham para pagar impostos. Isso seria menos grave se, em troca desse trabalho para o Fisco, o contribuinte recebesse de volta os serviços públicos de que carece, na quantidade e qualidade devidas.
Não é isso que ocorre. Além dos 150 dias de impostos visíveis, o contribuinte passa cerca de 26 dias adicionais por ano para pagar, sob a forma de “impostos invisíveis”, a escola dos filhos, a saúde da família e a segurança de seu dia a dia. São os “impostos invisíveis” relacionados com os gastos em que a classe média incorre todo ano: cerca de R$ 60 bilhões (1,3% do PIB) com educação privada, R$ 40 bilhões (0,87% do PIB) com segurança privada e pelo menos R$ 180 bilhões (4% do PIB) com planos privados de saúde.
Este gasto é maior se considerarmos os custos causados pela ineficiência social e econômica que recai sobre o cidadão brasileiro. O sistema deficiente da educação provoca elevados gastos sobre o funcionamento da sociedade, prejudicando a vida dos contribuintes. A falta de segurança depreda patrimônio, prejudica a saúde e mata pessoas.
Mas os contribuintes preferem pedir redução dos tributos visíveis pagos explicitamente aos governos (federal, estadual e municipal) do que eliminar os “impostos invisíveis”, com os quais compram no mercado os serviços que deveriam ser providos pelo setor público. Um sistema educacional e um de saúde de qualidade para todos aliviariam os contribuintes de classes média e alta; uma sociedade pacífica, graças a um sistema social mais equilibrado e eficiente representaria uma elevação na qualidade de vida.
A vocação pelo privado, o gosto pelo imediato e a preferência pelo distanciamento em relação ao povo fazem o contribuinte brasileiro aceitar os “impostos invisíveis”. Com isso, a elite compra o direito de não misturar os serviços privados que usa com os serviços públicos do povo.
A tolerância e a condescendência em pagar “impostos privados invisíveis”, em vez de pagar “impostos sociais eficientes”, decorrem de características que dominam o inconsciente coletivo da elite nacional. A vigência de uma ética pela qual se valoriza o privado mais do que o público; a segregação social que leva a parcela rica e de classe média a não querer se misturar em escolas iguais, hospitais iguais nem fazer a distribuição de renda que tornaria o Brasil um país pacífico fazem parte da mente do Brasil e de sua preferência pelo imediatismo. O contribuinte prefere pagar o “imposto invisível” para ter o retorno imediato, para si e sua família, do que pagar hoje e esperar um retorno posterior para toda a população.
Até porque, além de imediatista, o contribuinte tem razão de ser desconfiado com o uso de seu dinheiro por parte dos governos. Prefere pagar privadamente altos “impostos invisíveis” do que exigir os resultados públicos dos impostos visíveis.
Cristovam Buarque é Senador. Originalmente publicado em O Globo em 30 de novembro de 2013.
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