terça-feira, 12 de novembro de 2013

Cartas de Berlim: Uma vida sem catracas, por Albert Steinberger


As plataformas dos trens, bondes e metrô alemães são praticamente uma extensão da calçada. Nada divide o espaço de quem espera o transporte do local onde passam os transeuntes. Nada impede que o usuário suba no trem sem pagar.
Sim, há de pagar. A ausência de catracas por aqui não significa que o transporte público seja de graça. Um bilhete que vale por duas horas, em Berlim, custa 2,60 euros, cerca de 7,20 reais. Um preço caro, mas aqui o mais normal é que as pessoas comprem cartões que tem validade de um mês, ou até mesmo de um ano, e permitem usar qualquer meio de transporte público dentro de Berlim. Um cartão mensal custa 79 euros, quase 240 reais.
"Isto nunca funcionaria no Brasil", é o comentário de muitos amigos que me visitam. Provavelmente, mas aqui funciona, por vários motivos.
Em primeiro lugar, é claro que é uma questão cultural. As pessoas mal sabem o que é uma catraca por aqui. Geralmente o alemão descobre a existência de catracas em viagens ao exterior. Mesmo assim, todos desde pequeno aprenderam que há de pagar para usar o transporte.


Mas um outro ponto importante é que o sistema de transportes está integrado com o funcionamento da economia. Se você é contratado por uma empresa, geralmente, recebe um cartão mensal de transporte que garante o ir e vir. O conhecido vale-transporte, mas que não é contado por unidades, tipo 50 viagens de ida, mas sim pelo tempo, um mês. Até os estagiários costumam ter esse tipo de benefício. Já os estudantes, pessoas com mais de 65 anos e desempregados têm desconto na compra de bilhetes mensais.
Além disso, o portador de um cartão mensal tem direito a levar um acompanhante depois das oito horas da noite e nos fins de semana. Há muitas regras e situações especiais - e eu, no início, fiquei completamente perdido.
E ainda existem esquemas do tipo tíquetes especiais para pessoas que usam o transporte depois das 10 horas da manhã. Esses são mais baratos para desincentivar o uso dos trens e bondes em horário de rush.
Outro caso interessante é que se você fez uma viagem de trem de longa distância, como por exemplo Hamburgo-Berlim, o bilhete do trem inclui o traslado da estação de trem até a sua casa, ou hotel.
O único controle é feito por alguns funcionários da empresa de transporte à paisana que pedem os bilhetes assim que as portas da condução fecham. Quem está sem o devido comprovante passa pelo vexame de ter que descer e pagar uma multa de 40 euros, cerca de 120 reais. Eu fui controlado somente quatro vezes nos últimos oito meses, o que não é muito.
Mas independentemente do controle, a impressão que eu tenho é que o transporte aqui trata os usuários não como consumidores (pagou, pode entrar), mas como cidadãos que tem os seus deveres e direitos baseados em regras claras.

Albert Steinberger é repórter freelancer, ciclista e curioso. Formado em Jornalismo pela UnB, fez um mestrado em Jornalismo de Televisão na Golsmiths College, University of London. Atualmente, mora em Berlim de onde trabalha como repórter multimídia para jornais, sites e TVs.

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