terça-feira, 12 de novembro de 2013

A sociedade de confiança - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR


GAZETA DO POVO - PR - 12/11

A baixa taxa de confiança, derivada de um complexo fator cultural, responde pelo atraso e pela falta de progresso


Por que algumas nações se desenvolvem e oferecem elevado padrão de bem-estar social médio a sua população, enquanto outras – muitas vezes mais ricas em recursos naturais – vivem em estado de elevada pobreza e baixo padrão de vida? Esse é um dos temas mais pesquisados e um dos mistérios não compreendidos. Aplicada ao Brasil, essa questão chega às raias do paradoxo: tendo tudo para ser rica e oferecer a seu povo elevado nível socioeconômico, a nação brasileira insiste em chafurdar na miséria, na pobreza, na violência urbana, na precária saúde pública e no baixo nível educacional de grande parte de sua população.

Nunca é demais examinar as causas da pobreza deste país, pois a pobreza ocorre sobre um território privilegiado, com recursos naturais abundantes, vocação para o pacifismo internacional e uma mistura de raças que, a princípio, deveria ser fator de promoção do desenvolvimento econômico e social. Na tentativa de encontrar explicações, merece atenção o estudo feito pelo sociólogo e cientista político Alain Peyrefitte, em sua obra A Sociedade de Confiança. As análises e os argumentos ali expostos são de grande valia para a compreensão dos fenômenos sociais, políticos e econômicos que atrasam o desenvolvimento do Brasil.

O autor francês afirma ter acumulado leituras e observações em viagens por cinco continentes e nas experiências vividas como político e como ministro por mais de quatro décadas. Sua tese central é de que a confiança é um elemento-chave para o desenvolvimento econômico e social de qualquer nação. A confiança recíproca entre as pessoas, a confiança de uma sociedade em suas instituições, o cumprimento de regras não escritas de respeito mútuo e um comportamento capaz de minimizar a incerteza levam os indivíduos a saber o que esperar dos outros e das instituições, e são elementos vitais e decisivos para promover os negócios, os empreendimentos, os contratos, o progresso material e o desenvolvimento social.

Alain Peyrefitte faz uma observação interessante. “Foi o conhecimento do Terceiro Mundo que me convenceu de que o capital e o trabalho – considerados pelos teóricos do liberalismo e do socialismo como os fatores do desenvolvimento econômico – eram na realidade fatores secundários; o fator principal do desenvolvimento é um terceiro, o qual chamei de terceiro fator imaterial, ou seja, o fator cultural.” Lembrando ser difícil provar a existência desse terceiro fator imaterial, não há dúvida de que a baixa taxa de confiança, derivada de um complexo fator cultural, responde pelo atraso e pela falta de progresso.

Segundo o autor da obra, a sociedade de confiança é uma sociedade em expansão, na qual se pratica o jogo do ganha-ganha: o indivíduo confia na autoridade, a população confia no governo, as pessoas acreditam na Justiça, a lei protege os contratos juridicamente perfeitos, os cidadãos cumprem as regras – muitas vezes sem precisar de fiscalização ou de punição –, a corrupção é pequena, o governo é razoavelmente eficiente e a população se sente representada pelos políticos que elege. Em uma sociedade de confiança, um idoso não precisa de um cartão para estacionar em vagas a eles reservadas, pois a lei é sempre cumprida, da mesma forma que um fiscal representando o poder público não se corrompe e as obras públicas não são superfaturadas nem usadas para desvio de dinheiro dos tributos.

Contrariamente, em uma sociedade na qual impera elevada desconfiança geral, o desenvolvimento não se faz, recursos são desperdiçados, pessoas seguem na miséria e a vida torna-se precária, sofrida e violenta. Nessa sociedade impera o medo e a angústia cotidiana; as casas tornam-se prisões autoimpostas, pois o simples ato de manter abertas portas e janelas ou andar à noite pelas ruas das cidades transforma-se em atitude perigosa, e as cidades deixam de ser espaços públicos usufruídos por adultos e crianças.

Na sociedade de desconfiança, a população não acredita nas autoridades, não confia no governo e não espera que a Justiça funcione; os serviços governamentais são eivados de ineficiência e a corrupção é elevada. Nessa sociedade, a pobreza e a violência urbana continuam, pois o crescimento econômico e a produtividade do trabalho, tão necessários para romper o atraso social, não passam de uma promessa jamais cumprida. Eis o retrato claro do Brasil.

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