Especialistas em segurança pública criticam as medidas anunciadas pelos governos federal, do Rio e de São Paulo para lidar com o vandalismo nas manifestações. Uso de balas de borracha e monitoramento da internet são ações controversas.
Mais de cinco meses depois que o primeiro protesto, no início da onda atual de manifestações, resultou em destruição, incêndios e prisões, as autoridades mostram total falta de habilidade para lidar com a violência. Uma reunião com a cúpula da segurança pública federal, do Rio de Janeiro e de São Paulo, na última semana, terminou com o anúncio de ações sobre as quais não existe sequer consenso. O velho discurso do trabalho integrado entre os órgãos envolvidos veio embalado em outra máxima típica de momentos de crise: a necessidade de mudanças na legislação. Integrantes do governo e especialistas divergem até em questões mínimas, como o uso de balas de borracha. ...
“De todas as bobagens que foram anunciadas pelo governo federal numa atitude de marketing, a única coisa que realmente se faz necessária é o trabalho coordenado entre as polícias, mas isso não é de agora. O sistema de informações desses órgãos foi sucateado ao longo dos anos”, critica o mestre em ciência política José Augusto Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Segundo ele, a elaboração de um protocolo que uniformize a atuação das forças de segurança serve apenas para encobrir a incompetência. “Basta que a polícia filme a conduta criminosa e prenda. É só atuar. Ninguém precisa ensinar o Pai-Nosso ao vigário”, diz.
“De todas as bobagens que foram anunciadas pelo governo federal numa atitude de marketing, a única coisa que realmente se faz necessária é o trabalho coordenado entre as polícias, mas isso não é de agora. O sistema de informações desses órgãos foi sucateado ao longo dos anos”, critica o mestre em ciência política José Augusto Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Segundo ele, a elaboração de um protocolo que uniformize a atuação das forças de segurança serve apenas para encobrir a incompetência. “Basta que a polícia filme a conduta criminosa e prenda. É só atuar. Ninguém precisa ensinar o Pai-Nosso ao vigário”, diz.
"É absolutamente inconstitucional tratar as pessoas de forma diferente. Se há pena maior para agressão a policial, como fica quando for o contrário, se o policial agredir?", Wadih Damous, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB |
Ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva considera importante a elaboração de um protocolo único, embora destaque que a proposta já vem atrasada. “Dizer que os protestos no Brasil são um fenômeno completamente novo e que, por isso, as polícias não estão preparadas não é desculpa. Só São Paulo registrou, ao longo de 2011, 2.056 manifestações. A falta de padronização leva a atuações equivocadas, como as que temos visto. Estamos a oito meses da Copa sem nenhum planejamento. É preciso cuidar dos detalhes”, diz.
Nem em detalhes aparentemente simples existe consenso. O uso de bala de borracha, por exemplo, é um dos pontos controversos. “Medidas legais, legítimas e difíceis de implementar são manter policiais regularmente nos locais, treiná-los e aparelhá-los com mecanismos legítimos de contenção, que não os gases e as balas de borracha. Por que não usar a mangueira de água?”, questiona Ivar Hartmann, professor de direito constitucional da FGV Direito Rio. O coronel Silva defende o uso de todos os equipamentos não letais. “Além das balas, é preciso garantir cassetetes, capacetes, escudos, sprays, bombas de efeito moral. E outros, como um sistema de rádio que interligue PM, Civil e Bombeiros, mas nem isso existe”, defende.
Resistências
Um trabalho de acompanhamento das redes sociais para que a polícia se antecipe aos protestos poderia ajudar no planejamento e na atuação das forças de segurança, de acordo com Rodrigues, da Uerj. “Falta monitoramento, as informações são públicas. Se alguém pratica crime ou incita, com a devida ordem judicial, quebra-se o sigilo para rastrear, sem qualquer problema”, diz. Já Hartmann considera a estratégia ilegal. “Monitorar quem não cometeu crime? Quebra-se uma barreira muito perigosa para, de um modo fácil, achar bodes expiatórios e, ao mesmo tempo, retroceder em direitos conquistados a duras penas no Brasil”, diz o especialista da FGV, que dá aulas de direito de informática, além de constitucional.
As divergências nas questões aparentemente simples ampliam-se quando as propostas levantadas para combater a ação de grupos violentos, que usam a chamada técnica black bloc, chegam a uma seara delicada: a legislação penal vigente. Integrantes do governo — que estão tentando agendar reuniões com o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal — apostam em um grande debate entre a liberdade de expressão e a necessidade de criar instrumentos mais eficientes para enquadrar manifestantes que fazem vandalismo e agridem policiais. A tendência é não fazer modificações legais que possam ameaçar o direito de manifestação, consagrado na Constituição.
Setores do governo, sobretudo mais ligados aos direitos humanos, rejeitam endurecimento de penas, mas de forma reservada depois que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se comprometeu a estudar o tema. Entre especialistas, a proposta também sofre resistência. “Nossa legislação atual dá conta perfeitamente de transgressões e abusos do direito de manifestação. É absolutamente inconstitucional tratar as pessoas de forma diferente. Se há pena maior para agressão a policial, como fica quando for o contrário, se o policial agredir?”, questiona Wadih Damous, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil e presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da entidade.
De acordo com ele, outras perguntas são mais urgentes. “Desde junho, milhares de pessoas foram para as ruas cobrar transparência, saúde, transporte. Até agora, o Estado não atendeu essas reivindicações. As coisas não se resolverão com mais polícia, mais repressão, mais lei penal”, critica Damous. Integração entre governos estaduais e federal, como a anunciada na última semana por Cardozo, deveria ser praxe na condução de problemas graves na segurança do país, afirma o integrante da OAB. “Para combater a atividade criminosa complexa, não para lidar com meia dúzia de manifestantes.”
As dificuldades
Veja os pontos que, na avaliação do governo e de especialistas, são gargalos para o controle da violência nos protestos. O problema é que não há soluções consensuais, além das dificuldades técnicas para superar os obstáculos
Redes sociais
Como as manifestações são sempre marcadas pela internet, uma forma de se preparar para acompanhá-las, bem como de identificar lideranças, seria fazer constantes pentes-finos na web.
Críticas: para especialistas, é inviável e até ilegal monitorar um cidadão sobre o qual não pesa nenhuma suspeita. Abriria espaço para arbitrariedades.
Órgãos coordenados
Polícias integradas (Militar e Civil), Corpo de Bombeiros, hospitais e até Defesa Civil, se necessário, deveriam trabalhar afinados, tanto no planejamento quanto na hora de atuar no protesto.
Críticas: a “integração dos trabalhos” é medida anunciada a cada crise na segurança, mas nunca feita, de fato, para o combate habitual a crimes graves, como tráfico de armas e de drogas.
Atuação e equipamentos
Governo federal criou grupo de trabalho para elaborar uma forma de atuação das forças de segurança em protestos, com o objetivo de padronizar condutas e equipamentos.
Críticas: há discordâncias até sobre a necessidade do uso de balas de borracha. Para muitos, o tal protocolo não passa de jogo de cena, uma vez que as polícias não têm treinamento adequado.
Punição efetiva
Estados têm pedido aumento de pena para atos de vandalismo e agressões contra policiais, como forma de inibir os autores e garantir que a punição seja aplicada.
Críticas: o grande problema da falta de punição é a elaboração precária de provas. Independentemente da pena, se não houver como enquadrar os vândalos, a impunidade permanecerá.
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