Percival Puggina
No início dos anos 60, ainda adolescente, estudante secundarista, eu frequentava quase diariamente a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que então funcionava no velho casarão da Rua Duque de Caxias. Família de sete filhos, em minha casa só se conhecia o silêncio das madrugadas.
Então, às tardes, após as aulas matinais no Colégio Júlio de Castilhos, eu me refugiava na Biblioteca Pública de onde, completados os estudos do dia, cruzava a praça na direção da Assembléia onde meu pai viria a ser deputado alguns anos mais tarde. Fazia-o por perceber, ali, um centro de poder político onde se tratavam, com conhecimento, em bom português, as grandes teses e os grandes temas de interesse do Estado. Volta e meia, nessas ocasiões, da tribuna e do microfone de apartes, serviam-se às galerias brilhantes debates, travados entre homens públicos que eram, também, respeitáveis intelectuais.
Desde então, vi as galerias dos parlamentos como um espaço cívico. Não é por outra razão que nos plenários, em todos os plenários, existem dois espaços, o exclusivo dos parlamentares e o destinado ao público. Essa concepção se alinha com a ideia de que o plenário é um lugar de encontro entre os representantes e a comunidade. Um lugar onde esta presencia a conduta daqueles. Em especial, suas opiniões e votos. Em condições normais de temperatura e pressão, os parlamentares falam e o distinto público acompanha.
De uns anos para cá, no entanto, com não pequena frequência, instala-se o tumulto e o presidente dos trabalhos se obriga às advertências de praxe. “Silêncio! Silêncio! Há um orador na tribuna. Se não houver silêncio suspenderei a sessão e determinarei à segurança que desocupe as galerias!”. Essa advertência é sempre proferida, jamais atendida e nunca cumprida. Mudou o comportamento das galerias.
NOVOS TEMPOS
Por bom tempo, como coordenador de bancada na Assembléia Legislativa, pude frequentar os dois ambientes e observar o que acontece em ambos. Mais modernamente ainda, a própria tevê traz as sessões legislativas para dentro das nossas casas, ao conforto das poltronas. Nessas observações aprendi a respeitar, independentemente de alinhamentos políticos e ideológicos pessoais, os parlamentares que não se deixam intimidar pela pressão das galerias. Principalmente quando dizem a elas o que tantas e tantas vezes, em função de seus pleitos e de sua conduta, merecem ouvir.
Constatei, dessas observações, o quanto é comum confundir-se o público das galerias com Sua Excelência o povo, soberano dos regimes democráticos. São dois equívocos fatais, o das galerias que se consideram como “o povo” no exercício do munus que lhes é inerente nas sociedades políticas e o equívoco dos parlamentares que ouvem as galerias como quem auscultasse o povo. Errado! Raras, raríssimas vezes se alguma houve, vi “o povo”, ou a dita “sociedade civil”, ou ainda a “cidadania ativa” ocupando as galerias dos parlamentos. E essa é a constatação que desejo trazer à reflexão dos leitores.
As pessoas que volta e meia lotam os espaços públicos dos plenários são, quase sempre, membros de grupos de interesse. São pessoas que comparecem a determinada sessão com o objetivo de pressionar pela aprovação ou rejeição de alguma proposta de seu específico interesse. E o grupo que se congrega em torno de algum interesse específico dificilmente não está, ao mesmo tempo, aumentando a conta a ser paga pelo povo. Não, o povo não está nas galerias. Está trabalhando e vai pagar a conta.
Quod erat demonstrandum, como se dizia, tempos idos, nas aulas de geometria. Como queríamos demonstrar. A voz das galerias não fala pelo povo. Essa é e continuará sendo uma tarefa dos bons parlamentares. Estes, poucos que sejam, sabem que a política deve promover o bem comum e nesse sentido sempre deliberam.
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