terça-feira, 1 de outubro de 2013

Não basta desejar - ANTÔNIO DELFIM NETO


VALOR ECONÔMICO - 01/10

Inspirada num interessante trabalho promovido pela Fiesp ( Estratégia de Potencial Socioeconômico Pleno para o Brasil ) em que se propõe dobrar o PIB per capita brasileiro num horizonte de 15 anos, a Fundação Getulio Vargas hospedou um seminário com uma pergunta explícita: Quais as restrições macroeconômicas para o Brasil dobrar a renda per capita em 15 anos? .

Antes de tentar responder a tão desafiadora questão, vale a pena lembrar uma estória. Dizem as más línguas que Thomas Carlyle (1795-1881), um duro crítico da economia política de sua época e autor de grandes chistes sobre ela, é o autor da frase você pode transformar um papagaio num economista, se lhe ensinar as palavras: oferta e demanda .

Pois bem, o papagaio de Carlyle não teria dificuldade, ou constrangimento, de responder tranquilamente que, no Brasil de hoje, a condição necessária e suficiente é que a oferta e a demanda cresçam harmoniosamente à mesma taxa de 5,5% ao ano para evitar inflação e déficit em conta corrente .

Mas essa, obviamente, não é a resposta. É o próprio problema! Resolvê-lo é uma questão política: como induzir o poder incumbente a dar incentivos corretos ao setor privado para respondê-la?

A resposta correta à pergunta original é: Criar as instituições adequadas e os incentivos corretos para que o poder incumbente e os agentes econômicos coordenem livremente suas atividades para obtê-la, o que exige, como preliminar, a construção de uma sólida relação de confiança dos agentes entre si e deles com o poder incumbente .

Estamos um pouco longe de responder a tais condições, mas estamos ainda mais longe do apocalipse anunciado por alguns analistas financeiros, agora fortalecidos pelo recente texto da The Economist . Gostemos ou não, ela é a revista econômica de leigos e acadêmicos de todas as convicções ideológicas. É uma instituição com a arrogância e a certeza que lhe dão seus bem vividos 170 anos, mas deve ser entendida com o humor e ironia britânicos. Certamente exagerou para o bem em 2009 e vingou-se exagerando para o mal em 2013. Exagerou, mas não inventou nada.

Para entender nosso problema, é preciso considerar a seguinte identidade: crescimento possível do PIB = crescimento da produtividade do trabalhador ocupado + crescimento do número de trabalhadores ocupados

Nos próximos 15 anos, provavelmente a oferta de mão de obra não crescerá, em média, mais do que 1% ao ano. Logo, para que o PIB per capita cresça a 4,7% ao ano (o que o dobraria em 15 anos), será preciso que o PIB aumente à taxa de 5,7% ao ano, em média, o que, nas condições atuais de pressão e temperatura (internas e externas), é um número cavalar.

De que depende, afinal, o crescimento da produtividade do trabalhador? De uma série de fatores: 1) da sua higidez (saúde); 2) do nível da sua educação; 3) do incentivo à incorporação de tecnologia; 4) da qualidade das instituições e da natureza da regulação da mão de obra; 5) da maior integração com a economia internacional; e 6) da quantidade de capital físico (infraestrutura e investimento privado) por trabalhador.

Os dois primeiros devem continuar crescendo lentamente, mas a velocidades decrescentes. O terceiro pode ser estimulado por uma melhora do foco da política em curso. O quarto positivamente vai mal, como revelam os exageros das súmulas vinculantes do Tribunal Superior do Trabalho e as resistências corporativas a quaisquer aperfeiçoamentos (como é o caso, ainda agora, da terceirização), mesmo quando, como deve ser, respeitam integralmente os direitos individuais do trabalhador. O quinto exige a combinação de uma política cambial inteligente com uma ampla reformulação das tarifas efetivas que nos incorpore à nova estrutura integradora do comércio mundial de bens e serviços, e provavelmente não terá efeito sensível em menos de dois anos.

Resta, portanto, aumentar a quantidade de capital físico por trabalhador. Deve começar pelo sucesso dos leilões de concessões de infraestrutura, fundamentais para o aumento da produtividade em dois ou três anos, que é a faísca imediata para reacender a disposição de correr risco do setor privado, com o aumento do seu investimento, cujo efeito será imediatamente antecipado.

A presidente Dilma deu um sinal claro nessa direção na reunião de Nova York na última semana quando disse: Precisamos não só dos recursos, mas da gestão do setor privado, que é mais eficiente, mais ágil e de menor custo .

Diretriz lúcida e precisa, da qual o Brasil tem o direito de esperar consequências práticas. O nosso crescimento não está escrito nos modelos. Depende do que nós, como sociedade, formos capazes de fazer. Só cresce quem crê que pode crescer e constrói as condições para fazê-lo.

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